terça-feira, 29 de maio de 2012

Pepe Escobar – “Irã e Europa, até que a morte nos separe”


25/5/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Pepe Escobar
Quer dizer então que a grandiosa estratégia da política externa do governo Barack Obama, de tentar demonstrar a quadratura do círculo nas duas frentes (tentar obter um acordo nuclear com o Irã e, simultaneamente, repor nos trilhos a economia da Eurozona), afinal deslanchou. Só não se sabe para aonde (Ver “Pepe Escobar: Guerra e cheeseburgers” de 22/5/2012).

Nem Zeus sabe. Todas as discussões da semana passada em Bagdá e Bruxelas só fizeram empurrar a bola cada vez mais na direção de Moscou e de Paris/Berlin.

A história em Bagdá

Conselho de Segurança da ONU
A muito esperada reunião dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, China, Rússia, Grã-Bretanha e França, “mais” a Alemanha (P5+1) – com o Irã, em Bagdá, pelo menos produziu um resultado: uma terceira rodada de negociações em Moscou, mês que vem.

Nem poderia ser diferente. Um P5+1 rachado (de um lado, EUA e Europa e, de outro, os países BRICS, China e Rússia) queria que o Irã parasse completamente de enriquecer urânio a 19,75% – apesar de o Irã ter pleno de direito de fazer esse enriquecimento, como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Em troca, o P5+1 ofereceu aliviar (pouco) o pacote de sanções, permitindo que os EUA vendam ao Irã peças de reposição para aviões e uma vaga “assistência” para desenvolver o setor de energia solar no Irã.

Conversações de Bagdá - Irã  e P5+1
Teerã não mudou um milímetro na posição inicial. Para ser considerada, a proposta do P5+1 teria de ser “significativamente revista e reformada” – segundo informe da agência de notícias IRNA. O principal objetivo do Irã, nessas negociações, é aliviar as sanções do Conselho de Segurança. Para a liderança iraniana, há diferença bem demarcada entre a ONU como um todo, e a muralha de desconfiança que envolve qualquer governo dos EUA. Rússia e China apoiam os iranianos.

Teerã até aceita, em princípio, a ideia de receber do exterior o suprimento de urânio enriquecido a 19,75% de que precisa para produzir combustível para seu reator de uso médico. E talvez até aceite que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) inspecione a base militar em Parchin (embora a AIEA não tenha competência para tanto).

Mas o ponto chave ainda é que o grupo P5+1 reduziu a poeira o Tratado de Não Proliferação. O mantra é sempre o mesmo, repetido desde 2006: Teerã tem de suspender qualquer tipo de enriquecimento de urânio. E a exigência tem sido imposta a ferro e fogo, mediante violentíssimo bloqueio financeiro, cujo objetivo principal é paralisar a economia do Irã, impedindo que o país venda petróleo através do sistema bancário internacional. Dizer que é ação injusta, é dizer escandalosamente pouco.

É quando entra em cena a União Europeia (UE) – com sanções extra e bloqueio ao petróleo, que, em teoria, entrarão em vigor dia 1º/7, que ultrapassam as sanções impostas pelo Conselho de Segurança e, para começar, são virtualmente ilegais. E a isso se acrescenta uma lei norte-americana a entrar em vigor dia 28/6, que proíbe bancos estrangeiros de operarem em negócios para pagar por petróleo iraniano.

Mas o governo Obama precisa de algum acordo – seja firmado em Moscou, ou onde for. É essencial, para que Obama o apresente como triunfo de sua política exterior. – De fato, é muito mais substancioso, como ‘triunfo’, que o assassinato de Osama bin Laden em ataque em território do Paquistão (Ver “Pepe Escobar: Como Osama reelege Obama”, 24/5/2012. 

Se não chegarem a acordo algum, o governo Obama será forçado a pressionar ainda mais a União Europeia para que, até pelo menos o final de 2012, implante a proibição de empresas europeias darem cobertura de seguro a petroleiros que transportem petróleo iraniano (empresas da União Europeia controlam praticamente todo o mercado global de seguros marítimos). [1]

Quem sofre os efeitos das sanções? Não a liderança em Teerã – alvo do muito suspeito projeto de “mudança de regime”. A ditadura militar do mulariato permanece confortavelmente no poder, com o preço do petróleo acima de $54/barril (hoje, o petróleo cru Brent está custando cerca de $106; o West Texas Intermediate, $90 [2]. E Teerã está vendendo energia em várias moedas, do Yuan à Rúpia indiana; e está engajada também em venda “no varejo” a clientes – sobretudo na Ásia.

Moral da história: a União Europeia terá de esquecer para sempre esse absurdo bloqueio contra o petróleo iraniano, para evitar problemas graves para si mesma e, por tabela, para a economia dos EUA.

A história em Bruxelas

Merkollande
O festivo nascimento da Merkollande foi registrado pela revista semanal alemã Der Spiegel. [3] 

O novo presidente francês François Hollande arrastou multidão monstro à sua primeira conferência de imprensa depois de reunião de Cúpula da União Europeia – que começou bem depois da 1h da manhã e durou mais de uma hora, quando a chanceler alemã Angela Merkel falou, por cinco minutos, para sala já metade vazia.

O cenário está montado para um confronto de nível Gotterdammerung/ Crepúsculo dos Deuses wagneriano. Hollande fará o diabo para provar a Merkel que a ideia de lançar Eurobônus é a única saída para escapar do desastre da Eurozona.

Hollande insiste que seria útil para países que enfrentam hiper dificuldades, como a Espanha, por exemplo, em termos de economizar no pagamento de juros estratosféricos e poder usar o dinheiro em investimento produtivo. Espanha, Itália, Irlanda e Áustria apoiam Hollande.

O argumento de Merkel é o argumento da Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional): Eurobônus violam a lei da União Europeia. Suécia, Finlândia e Países Baixos apoiam Merkel. Hollande admite que os tratados da União Europeia terão de ser reformados para acomodar os Eurobônus – o que implica enorme confusão, porque Grã-Bretanha e República Tcheca já rejeitaram uma proposta de emenda aos tratados, ano passado.

Toda a situação é imensamente complexa. Hollande admite que só num futuro distante se pode supor que alguns membros da União Europeia venham a aceitar os Eurobônus; alguns talvez aceitem, para objetivos muito específicos; e alguns, de saída, já rejeitam a ideia.

Joseph Stiglitz
Os banqueiros europeus, por sua vez, refugiam-se num difuso conceito de “sustentabilidade da dívida”: alguém tem de pagar, e são os assalariados. Pouco importa que Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel, esteja soltando fogo pelas ventas com “as pontificâncias” desses que, “no reino dos bancos centrais, ministros das finanças e banqueiros privados, arrastaram o sistema financeiro global até a beira da ruína e criaram toda a confusão”. [4]

Ninguém parece estar apontando em subsídios multianuais, dos países do núcleo da Europa para os países da periferia, a maioria dos quais são parte do Club Med. Ao mesmo tempo, todos sabem que jamais haverá placa de “Saída” na Eurozona. Mas, atualmente, o impensável já é pensável.

Seja como for, o que está sendo descrito como um orwelliano “pacote de crescimento” só será decidido na próxima reunião formal da União Europeia no final de junho – depois de dois eventos cruciais dia 17/6: as eleições parlamentares na França e a possível vitória da Coalizão Syriza, de esquerda, na Grécia, cujo principal ponto de plataforma eleitoral é renegociar o resgate que Berlin/Bruxelas impuseram ao país.

A verdade, vale registrar, é que os líderes políticos da União Europeia absolutamente não sabem o que fazer com a Grécia. Ao mesmo tempo em que querem acalmar o deus do mercado e dizem que a Grécia nunca deixará o euro, também ameaçam os gregos: “Se não votarem certo, serão expulsos do euro”. Não surpreende que o governo Obama esteja tomado de perplexidade. Comparado a isso, assassinar Osama foi mamão com açúcar.



Notas dos tradutores

[1] Sobre essa questão, ver matéria de atualização em 23/5/2012: REUTERS: “Japão pode garantir cobertura de seguro aos petroleiros que transportem petróleo iraniano”.

[2]Brent crude e West Texas Intermediate (WTI) são dois tipos de cotação: WTI é a cotação do petróleo comercializado na Bolsa de Nova York; aplica-se em geral ao produto extraído principalmente na região do Golfo do México; o Brent é comercializado na Bolsa Londres; aplica-se ao petróleo extraído no Mar do Norte e no Oriente Médio. O Brent é referência de valor mais usada no mercado europeu; e o WTI, no mercado americano. Mas as diferenças não são apenas geográficas. O WTI é cotação usada para petróleo mais leve e mais fácil de ser refinado (que, por isso, tem preço superior ao Brent)” [Nívea Terumi, O Estado de S.Paulo].

[3] 24/5/2012, Spiegel Online Internetional: Hollande Steals the Show from Merkel.

[4]13/5/2012, Joseph Stiglitz, Real Clear Politics: Rush to Austerity Will Doom Europe; Slate. 

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