domingo, 18 de novembro de 2012

Oriente Médio redux:: O Hamás é consequência, não causa, da violência da ocupação


17/11/2012, Marwan Bishara, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Marwan Bishara
Assistindo à escalada em Israel/Palestina e aos preparativos para um possível grande assalto por terra contra a Faixa de Gaza, ouvem-se os mais variados comentários. Quando o comentário é novo, raramente é correto; e quando é correto, raramente é novo.

Netanyahu, como seus predecessores, está usando o assassinato do líder do Hamás, Ahmed al-Jaabari e a subsequente escalada militar para minar as lideranças políticas na Palestina (do Hamás e do Fatah) e aumentar suas chances de reeleição, incendiando as questões de segurança nacional de Israel, pondo-as em evidência acima das questões de segurança econômica, na mente dos eleitores israelenses. Há seis anos, escrevi um artigo sob o título “Oriente Médio: o ciclo das retaliações tem de acabar” (em inglês) que se aplica hoje, com pequenas correções de datas, alguns nomes etc. Dado que os fatos não mudam e repetem-se incansavelmente, repito também a análise.

Se Israel espera interromper o ciclo de violência brutal, deve manter negociações mais sérias, escreve Bishara
Quando a poeira assentar, a ofensiva de Israel contra os territórios palestinos sitiados terá causado mais mortes e mais destruição; e o governo de Israel continuará preso no mesmo beco sem saída. Em vez de atacar os vizinhos, os israelenses têm de pôr fim ao ciclo vicioso de provocações e retaliações e engajar-se em negociações sérias e significativas.

O governo israelense do primeiro ministro [há seis anos, era Ehud Olmert; hoje, é Benyamin Netanyahu] fundamenta sua campanha contra a infraestrutura civil dos palestinos em três falácias:

(1) que Israel não inicia os ataques, apenas responde para proteger seus cidadãos, no caso de um soldado sequestrado;
(2) que sua resposta é proporcional e não visa a ferir a população civil; e
(3) que não negocia com terroristas.

Para começar, a ofensiva israelense não brotou, do nada, essa semana. O governo de Israel, no poder [então] há apenas dois meses, é responsável pela morte de 850 palestinos, entre os quais muitas crianças, em ataques com alvo definido e execuções extrajudiciais ilegais. O governo do Hamás manteve um cessar-fogo unilateral por 15 meses, mas os ininterruptos ataques israelenses tornaram a reação dos palestinos simples questão de tempo.

Desde o início da Intifada, em setembro de 2000, repetidos bombardeios israelenses e assassinatos predefinidos de palestinos agravaram a violência e resultaram em número maior, não menor, de israelenses mortos e feridos. De fato, praticamente todos os grandes atentados cometidos por suicidas-bomba palestinos desde 2001 foram atos de retaliação contra assassinatos cometidos por israelenses, a maior parte dos quais cometidos quando os palestinos discutiam ou já se autoimpunham decisão de cessar-fogo.

Mais três exemplos: dia 31/7/2001, Israel assassinou dois importantes militantes do Hamás em Nablus, assassinato que pôs fim a quase dois meses de cessar-fogo autoimposto pelo Hamás e levou ao terrível atentado do dia 9/8, de um suicida-bomba numa pizzaria em Jerusalem. Dia 23/7/2002, jatos israelenses bombardearam um prédio de apartamento lotado de moradores na cidade de Gaza, matando um alto dirigente do Hamás, Salah Shehada, e 15 civis, 11 dos quais crianças, horas antes de ser declarado um cessar-fogo unilateral já decidido e noticiado. Dia 4/8, pouco mais de uma semana depois, a resposta veio sob a forma de outro atentado de suicida-bomba.

Dia 10/6/2003, Israel tentou assassinar um alto líder político do Hamás em Gaza, Abdel-Aziz Rantisi; a tentativa fracassou, Rantisi escapou com vida, mas quatro civis palestinos morreram. Esse atentado levou à explosão do ônibus em Jerusalém, que matou 16 israelenses.

Embora os crimes-provocação de Israel não justifiquem os atentados de suicidas-bomba, eles demonstram suficientemente que a fonte do terrorismo é, sempre, a agressão militar israelense e a violência da ocupação. Nesse contexto, os civis palestinos não se veem como “dano colateral”, mas como vítimas do terrorismo de Estado.

Quanto à natureza da “retaliação” pelos israelenses, difícil considerar “proporcional e moderada” a destruição que Israel promove de toda a infraestrutura civil da região onde vivem 1,3 milhões de palestinos. O Exército de Israel abriu a ofensiva da semana passada contra Gaza bombardeando pontes, estradas, redes elétricas e redes de suprimento de água.

A própria natureza da ofensiva israelense visa a castigar, intimidar, assustar, apavorar e conter, com força bélica desproporcional, indiferente ao sofrimento que a ação inflija a civis. Cortar serviços básicos de toda a população é ação não apenas injustificável: implica castigo coletivo, ação ilegal expressamente proibida nos termos da Convenção de Genebra.

A assimetria entre o poder de fogo de Israel e dos palestinos não pode ser traduzida em assimetria também entre o valor da vida de israelenses e de palestinos. O mundo alarmou-se quando os palestinos capturaram um soldado israelense. Mas não se veem iguais sinais de alarme quando Israel mantém [então, 9 mil; hoje vários milhares de] prisioneiros palestinos.

Por mais que Israel diga que não negocia com terroristas, negociou, sim, pelo menos, com certeza, com o Hezbollah. O bombardeio israelense dos geradores elétricos que alimentam a cidade de Beirute e a grande ofensiva em 1996, que levou ao massacre de Qana, não foi suficiente para conter a resistência libanesa; e Israel, sim, foi obrigada a negociar, usando intermediários, com um grupo que, para Israel, é grupo terrorista; e foi obrigada a aceitar a troca de centenas de prisioneiros libaneses e palestinos, para receber os restos mortais de soldados israelenses mortos no Líbano. E Israel, como se sabe, também negociou com palestinos, para obter a libertação do soldado Gilad Shalit.

Dado que [então, 39; hoje 45] anos de esforços israelenses para intimidar os palestinos, não conseguiram intimidá-los e, sim, só conseguiram levar os palestinos à radicalização, não seria hora de Israel mudar de tática?

Naquele minúsculo território, os israelenses jamais viverão em segurança, enquanto mantiverem os palestinos em situação de insegurança desumana.

A saga ainda em andamento comprova o absurdo do unilateralismo como opção. O então primeiro ministro Olmert usou a captura de um soldado israelense para minar o acordo histórico firmado com o Hamás, e que acabava de ser negociado com o partido Fatah do presidente Mahmoud Abbas, para formar um governo de unidade: seria o reconhecimento de facto, pelo governo palestino, do estado de Israel e da possibilidade de negociar com Israel.

O ocidente goste ou não, o Hamás, como o Hezbollah, são, sobretudo, produtos da violência e da opressão da ocupação israelense, não o contrário. Por isso, Israel teria tudo a ganhar se moderasse o uso de seu aparato bélico e se dedicasse a negociar o fim da ocupação. Não há como pensar em segurança de Israel, sem isso.

Se insistir no uso desproporcional da violência, Israel só conseguirá fazer aumentar a popularidade e o prestígio do Hamás e empurrar o grupo de volta à clandestinidade e à guerra.

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