quarta-feira, 1 de julho de 2015

Pepe Escobar: Acordo nuclear arrasta-se. EUA-Irã em guerra de informação


30/6/2015, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


VIENA – Assim sendo, hoje não é o Dia-D. Nada de pouso no território por trás do Muro da Desconfiança. Não haverá acordo nuclear entre Irã e P5+1 hoje – e por várias e complexas razões, muito diferentes do que se poderia supor pela viciosa guerra de informação “midiática”; não se chegou à formulação precisa, exata, de cada palavra em cada lugar das 85 páginas de texto.
Tudo se resume, todas as idas e vindas e dramáticas reviravoltas, a uma questão de confiança. Quer dizer, a conseguir abrir uma brecha no Muro de 36 anos de Desconfiança entre Washington e Teerã.
Há avanços, é claro. No status do centro de pesquisa de Fordo, por exemplo, pela primeira vez os dois lados chegaram a um acordo. Compare isso à fissura cósmica – exacerbada pelo palavreados dos norte-americanos – sobre o fim gradual das sanções.
É o que lá está, no coração da valsa vienense diplomática; o que acontece depois de adotado o acordo – o que alguns negociadores definem como “operacionalização”. Só depois que o Congresso dos EUA revisar o acordo, serão dadas “garantias firmes” de que as sanções serão levantadas. É a muito comentada mas ainda nebulosa “fase três” – quando toda a estrutura de sanções EUA, UE e ONU deverá ser desfeita.
Aí está o problema – como um alto oficial iraniano disse a Asia Times:
O principal problema para Teerã é como ter garantia completa de que esse processo complexo será integralmente implementado.
O que Teerã quer – segundo negociadores insiders – é “conduzir um processo paralelo”: enquanto o Irã vai cumprindo seus compromissos de restrição nuclear, os EUA, principalmente, trabalham para desmontar o “processo institucionalizado das sanções”. Não é segredo que Washington controla todo o quadro. E o segredo de um acordo bem-sucedido é que todos esses detalhes sejam explicitados por escrito.
Negociadores insiders dizem a Asia Times que, num plano técnico, num máximo de três meses todos os necessários compromissos estarão cumpridos. Mesmo coisa como mudar o reator em Arak, processo muito caro.
Então, qual é o problema? Mais uma vez, é questão de confiança (que falta).
Atenção às centrífugas “midiáticas”
As negociações nucleares operam em três diferentes níveis – dois dos quais técnicos, abaixo do nível do Ministério de Relações Exteriores. Se pelo menos tivéssemos um neo-Wittgenstein para desconstruí-los!
É tudo entre EUA e Irã. Os demais atores são, no máximo, coadjuvantes.
Imaginem o ministro Zarif, de Relações Exteriores do Irã, vez ou outra, aos gritos no nariz do Secretário de Estado, John Kerry, dos EUA, no calor dos debates. O Supremo Líder, Aiatolá Khamenei, entrou na discussão, faz pouco tempo, alertando Zarif para que esfriasse a cabeça.
John Kerry (E) e Mohammad Javad Zarif

Os russos não são tão proativos quanto poderiam ser; é como se estivessem apostando numa mão vencedora, de integração eurasiana, com acordo nuclear, ou sem acordo nuclear. Os chineses não dizem palavra; papel passivo, só olhando. Os alemães são racionais – pode-se dizer equidistantes. O Ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, só faz pose; mas por mais que se esforce nas poses dramáticas, está ainda muito longe de qualificar-se como algum neo-Talleyrand. É incapaz de acrescentar coisa alguma, seja o que for, que tenha qualquer substância.
E há as famosas linhas vermelhas. As do Supremo Líder Aiatolá Khamenei sempre foram muito claras – até para os negociadores norte-americanos. E não são linhas pessoais, só dele: elas representam um consenso iraniano.
O que é certo é que, depois de total imersão nas tecnicalidades do drama vienense, o que acontece (segundo a imprensa-empresa norte-americana) nada tem a ver com a negociação real no Palais Coburg.
Envolver o Senado dos EUA é retroceder a Lausanne, como os diplomatas iranianos veem a questão.
Imagine se fosse o contrário, todos à espera do que o Parlamento Iraniano tivesse a dizer. Em vez de manter-se silenciosa, a imprensa ocidental estaria em fúria. A distribuição de rascunhos das conclusões de Lausanne criou muita confusão sobre a posição do Irã.
Os EUA tumultuarem completamente as discussões, nesse caso, significa que o Senado dos EUA está tornando obsoleta qualquer ideia de prazo final, como o marcado para hoje.
Sem nenhuma consideração à realidade, as centrífugas midiáticas giram sem parar. Considere a demanda dos EUA – há três meses – de entrevistarem 18 cientistas e professores. Para começar, é falsa demanda nunca discutida menos ainda concedida na mesa de negociações. E desapareceu. Mas apesar disso foi adiante ressuscitada para gerar guerra na mídia.
Outros detalhes problemáticos são simplesmente suprimidos. O protocolo adicional ao acordo tem sérios parâmetros. Assim, por exemplo, o famoso parágrafo 5c declara que cabe ao país que esteja sob inspeção conceder acesso ou não. A AIEA não pode andar por lá confiscando computadores como bem entenda, por exemplo. Só tem autorização para recolher amostras ambientais.
Sanções no divã de Freud
Diplomatas iranianos são absolutamente firmes sobre mudar “a cultura das sanções” – e o efeito psicológico massivo que a completa e que contamina qualquer empresa, mesmo na Ásia, que decida fazer negócios com o Irã. Os negociadores iranianos preveem que só aí o Irã tenha de investir no mínimo seis meses de trabalho duro. E admitem prontamente que a questão continua pelo menos sobre a mesa com norte-americanos.


Há muitas, muitas questões muito enlouquecedoramente complexas. Ninguém sabe, por exemplo, sobre a liquidez iraniana distribuída por vários diferentes bancos. O que se sabe é que o Irã tem cerca de US$ 110 bilhões congelados pelo mundo. Rumores de que Teerã possa repassar esses fundos a “procuradores” são motivo de zombaria até entre diplomatas europeus.
Com tudo isso, e se não houver acordo algum? Zarif já disse publicamente que não será o fim do mundo. Isso porque o Irã – e os iranianos – trabalharam forte para construir uma “economia de resistência” (e não surpreende que o Supremo Líder tenha teorizado sobre a “flexibilidade heroica” [1]). Como diz um funcionário iraniano,
(...) os EUA sabem muito bem que sanções não afetaram o Irã. Os arquitetos das sanções contra o Irã tinha certeza de que o Irã entraria em colapso no final de 2012, o mais tardar. E que o país seria consumido em agitações sociais.
Nada disso aconteceu, é claro. E assim voltamos às centrífugas “midiáticas” girando enlouquecidas. Aqui vai um clássico, da véspera do Dia-D.
AFP distribuiu matéria nessa 2a-feira (29/6/2015), em que se lê EUA dizem que foi encontrado um modo de garantir acesso dos EUA a sítios iranianos suspeitos . Funcionários do Irã descrevem a coisa como “desinformação planejada, para influenciar a mesa de negociações”. Admitem que pode ser, no melhor dos casos, “ideia dos norte-americanos”. Mas nada disso foi jamais negociado, porque nada tem a ver com a questão nuclear.
Não surpreende que a AFP tenha recebido “pancadinhas à porta”, do Ministério de Relações Exteriores da França, como Asia Times soube. Em menos de uma hora a linguagem já mudara completamente, para “potências globais que negociam com o Irã apresentaram proposta...” Àquela altura, a versão inicial – falsa – já estava viralizada e era repetida por todos os jornalões do planeta.
Dia 22/6/2015, também em matéria da AFP, o portentoso Fabius já delineara seu roteiro de três itens para o acordo,
(...) acordo robusto (...) que inclui limitar a capacidade iraniana para pesquisa e desenvolvimento; um regime de verificação que cobrirá, se necessário, instalações militares; e que permite a volta automática das sanções, no caso de violações pelo Irã.
O protocolo adicional não fala de inspeção de instalações militares. Os registros mostram que o Irã – por duas vezes e voluntariamente – ofereceu acesso aos inspetores a instalações militares de Parchin em 2005. E todas as questões sobre essas instalações foram resolvidas no âmbito da AIEA.
Não surpreende que os iranianos tenham
(...) sérias dúvidas sobre as intenções dos que tanto insistem em ganhar acesso a instalações da defesa.
Não há precedentes, exceto nos preparativos e provocações para a guerra contra o Iraque. Naquele caso, o governo dos EUA ignorou totalmente a AIEA, porque a decisão de iniciar a operação “Choque e Pavor” já havia sido tomada.
Vontade política, alguma por aí?
Até aí uma simples amostra do que os negociadores iranianos chamam de “muitas diferenças” a impedir qualquer acordo. Todos os insiders em Viena sabem que o governo dos EUA só faz distribuir “notícias” segundo as quais “o Irã precisa do acordo”; mas nós, os EUA, “queremos o acordo”. Funcionários iranianos chamam a atenção para o fato de que Lausanne já deu a necessária infraestrutura para o enriquecimento pacífico de urânio, mesmo que com severas restrições. Mas o governo dos EUA quer doentiamente que o Irã só tenha direito a enriquecimento “simbólico”.



Eis a coisa, na formulação de um diplomata iraniano:
(...) os norte-americanos estão com arrependimento de comprador, depois das conversações de Lausanne.
E começam as obstruções. E as centrífugas “midiáticas” girando feito loucas. E o reforço incansável do Muro da Desconfiança – mecanismo infernal que tem sua própria lógica não-Wittgenstein, posto a funcionar em alta rotação para pôr o Irã no papel de culpado de tudo, no caso de um possível monumental fracasso.
Será que o governo Obama realmente quer algum acordo justo – tipo o seu único sucesso na política externa? Ou tudo não passa de mais um caso elaborado de “você sabe quem manda aqui?” – uma hiperpotência ávida por comprovar sua tal “credibilidade” sem par?
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Nota dos tradutores
[1]Khamenei avalizou plenamente a ofensiva diplomática de Rouhani, enfatizando – muito clara e explicitamente – dois conceitos: a “flexibilidade do herói”, como o lutador que cede, num momento ou noutro, por interesse tático, mas que jamais desvia os olhos e mantém o rival sempre à vista; e a “leniência do campeão” – que é o subtítulo sutilíssimo de um livro que o próprio Khamenei traduziu do árabe, sobre como o segundo Imã xiita, Hasan ibn Ali, conseguiu evitar uma guerra no século 7º, mostrando flexibilidade na relação com o inimigo” (Pepe Escobar, 19/9/2013, redecastorphoto em: Obama-Rouhani: luz, câmera, ação, Asia Times Online).
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books

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