quinta-feira, 12 de março de 2015

Mohammad Javad Zarif, Ministro de Relações Exteriores do Irã entrevistado pela NBC News em 4/3/2015 – Parte 3 (final)


4/3/2015, Ann Curry  da NBC entrevista Mohammad Javad Zarif – Parte 3 (final)
Traduzida da transcrição pelo pessoal da Vila Vudu

Leia antes a Parte 1 e a Parte 2


O Irã não tem bomba atômica porque não quer ter. Porque entendemos que nenhuma bomba atômica é garantia de segurança para ninguém. Nem nunca foi. Javad Zarif


Os EUA têm o maior arsenal de bombas atômicas do planeta. E vejam que país foi atacado daquele modo, no 11/9/2001. Nenhuma bomba atômica impediu aquela violência. Javad Zarif


É mais que hora de alterarmos nossos paradigmas. Vivemos em mundo interconectado. É mundo diferente do século passado. Ninguém pode supor que esteja seguro, se alguma sua pseudo segurança é construída à custa da insegurança de muitos. O Irã não tem nem quer a bomba. Ponto final.Javad Zarif


Estou apontando para qualquer um que veja a paz como ameaça existencial. Javad Zarif



NBC News: O governo iraniano deixou claro que, sem alívio nas sanções, não haverá acordo. Que sanções têm de ser imediatamente levantadas para que haja acordo?

JAVAD ZARIF: Aqui, de fato, está envolvido um princípio. É preciso ver as sanções não como fator de avanço, mas como fator de atraso, não na coluna do Ativo, mas na coluna do Passivo. Como o presidente Obama disse, com razão, as sanções geraram 19 mil centrífugas. Significa que não há sanções que derrotem o desejo e a determinação dos iranianos de exercerem seus direitos. As sanções, sim, agridem o povo. Mas o povo iraniano, conforme a mais recente pesquisa Gallup, realizada há apenas algumas semanas, creio, por organização norte-americana de pesquisa, não por organização iraniana, mostra que, apesar de todas as sanções, ampla maioria da população do Irã não quer que o país abandone nosso programa a nuclear, que é programa pacífico. Não quer.

Implica dizer que o povo iraniano resistirá contra as pressões.

Mas o problema é que, se queremos esse acordo, temos de alterar a situação precária que criaram para o Irã, segundo a qual continuam a nos pressionar, impondo sanções, e o Irã reage avançando e construindo mais e mais centrífugas. É preciso mudar esse... ambiente. O único modo de mudá-lo é afastar-se das pressões e abrir negociações – em situação que seja mutuamente aceitável, situação que nós chamamos de ganha-ganha, na qual, se você quer ter garantias de que o programa nuclear do Irã seja sempre pacífico, é possível obter tais garantias.

Aparentemente, esse seria o objetivo ao qual visavam as sanções: garantir, para a comunidade internacional, que o programa iraniano será sempre pacífico. Se se constrói acordo que assegure precisamente isso, por que manter as sanções? Aí está a questão de princípio. Diferente disso, se os EUA, porque é prerrogativa dos EUA, mantém as sanções, porque acreditem que sanções podem dar a eles as garantias que desejam, então que mantenham as sanções. E o povo iraniano continuará a resistir.

Mas se, afinal, entenderem que o caminho das sanções leva a lugar nenhum, e entenderem que, sim, é importante chegar a um acordo, melhor para todos. Estou querendo dizer que “sanções” e “acordo” são mutuamente excludentes. Ninguém pode simultaneamente conservar o bolo e devorá-lo. Não se pode ter acordo e sanções. O acordo implicará que o Irã estará sob a séria obrigação internacional de cumprir o que disse que cumpriria.

Já comprovamos no último ano e meio, de fato nos últimos dez anos, mas confirmado no último ano e meio, desde que temos o programa de ação conjunta adotado em Genebra em novembro de 2013, temos mostrado que o Irã sempre cumpre os compromissos que assuma. O povo do Irã é conhecido pela seriedade com que cumpre o que promete. Somos civilização antiga. Já passamos pelo teste da história.

O Irã é país que, em 250 anos, jamais agrediu país algum em todo o mundo. Essa é uma história da qual podemos nos orgulhar e da qual me orgulho pessoalmente, muito. E essa história é garantia de que, depois que se dissipem todas essas fumaças de incompreensões, o Irã cumprirá o que se comprometer a cumprir.

NBC News: Então...O que o senhor tem a dizer sobre a ideia de que as sanções são usadas para conseguir melhor comportamento (sic) do Irã, especificamente no que tenha a ver com seu envolvimento com o Hezbollah e outras organizações, como se ouviu na 3ª-feira?

JAVAD ZARIF: Ah... A senhora sabe, estamos negociando a questão nuclear. Não estamos negociando outras questões. O grupo 5+1 tem mandato para negociar questões nucleares. E estamos negociando questões nucleares. Estamos tentando resolver essas questões.


Mas há gente que não quer ver resolvidas as questões nucleares. Então, se dedicam a complicar tudo. Não temos nenhuma obrigação de resolver todos os problemas do mundo – e são muitos. O povo iraniano tem quantidade enorme de problemas e dificuldades que deseja ver resolvidos. Nem por isso estamos pondo sobre a mesa esses outros problemas que o grupo 5+1 não tem mandato nem competências para discutir.

Os iranianos não trouxemos à discussão os nossos problemas sobre as repetidas tentativas de golpe para derrubar nossos governos; de países que apoiaram Saddam Hussein na guerra do Iraque contra o Irã; que apoiaram o emprego de armas químicas contra o povo iraniano; problemas que temos com países que forneceram as armas químicas que o Iraque usou contra o povo iraniano. Essas questões são muito reais. Mas não as trouxemos para essa mesa de negociações. Aqui se trata de discutir a questão nuclear.

E será uma grande vitória se conseguirmos chegar a um acordo! Considere o seguinte: nos últimos 60 anos, bem poucos problemas foram resolvidos diplomaticamente. Aí está uma oportunidade gigante para toda a comunidade internacional, resolver diplomaticamente a questão que estamos reunidos para discutir. Devemos essa solução ao povo de todo o planeta, temos o dever de dar o melhor de nós para resolver a questão que estamos discutindo. (...) E, se chegarmos a esse acordo, para que servirão as sanções, todas elas?

A questão do extremismo na nossa região é questão amplíssima. Há muito, muito a dizer sobre as agressões que nossa região tem sofrido. Há muito, muito a dizer sobre ocupação na nossa região. Mas não queremos misturar essas questões e as correspondentes discussões. Acredite: se essa discussão começar, se o mundo começar a saber a verdade sobre tantos desses temas de que tanto se fala... a verdade não é agradável para alguns.

NBC News: Voltemos então ao tópico específico do acordo nuclear. Muitos se preocupam com a possibilidade de que o Irã tenha... que possa estar ocultando instalações nucleares, que haveria instalações nucleares secretas. O senhor pode afirmar categoricamente que o Irã não tem instalações nucleares, nenhuma instalação não declarada?

JAVAD ZARIF: Sim, declaro-o categoricamente. Mas o único modo de todo o restante da comunidade internacional descobrir se é verdade ou não o que já declarei mil vezes, é admitir que o acordo evolua, que sigamos adiante. Assim, haverá também um protocolo adicional, que permitirá inspeções. Ao longo dos últimos dez anos – já disse e repito –, o Irã já passou por mais inspeções de autoridades nucleares, que qualquer outro país. Nunca encontraram coisa alguma. Nem indício algum, nem indicação alguma.

Tudo isso que o primeiro-ministro Netanyahu vive a “revelar” são invenções, acusações falsas, a maioria delas inventadas por ele mesmo.

Minha resposta categórica é sim, posso declarar que o Irã não tem qualquer instalação nuclear escondida. Tão logo haja um acordo firmado em termos equilibrados e justos, toda a comunidade internacional terá os meios necessários para verificar diretamente.

[...]

JAVAD ZARIF: O Irã absoluta e completamente não tem interesse em desenvolver armas nucleares, não quer desenvolvê-las, não está desenvolvendo arma nuclear alguma. [Assim sendo, suas perguntas insistentes sobre “quanto tempo falta” para termos alguma bomba atômica tornam-se sem sentido e irrelevantes].

O Irã já tem urânio enriquecido suficiente para dez anos de operação de nossas centrífugas. E é material físsil suficiente para já termos desenvolvidos muitas bombas atômicas, se nos interessasse. Não o fizemos. O material lá está, sob monitoramento da AIEA. Temos oito toneladas de material físsil, de urânio enriquecido a 3,5%. Não temos bombas atômicas porque não acreditamos que alguma bomba atômica ajude a aumentar alguma segurança, seja de quem for. Netanyahu tem esperança de que suas 200 bombas atômicas lhe garantam alguma segurança. Está errado. É simples assim. Netanyahu está errado.

NBC News: Por quê?

JAVAD ZARIF: Porque nenhuma bomba atômica é garantia de segurança para ninguém. Nem nunca foi.

Os EUA têm o maior arsenal de bombas atômicas do planeta e vejam que país foi atacado daquele modo, no 11/9. Nenhuma bomba atômica impediu aquela violência.

É mais que hora de alterarmos nossos paradigmas. Temos de começar a analisar de outro modo a situação mundial. Vivemos em mundo interconectado. Em mundo globalizado. É mundo diferente. Ninguém pode supor que esteja seguro, se essa sua pseudo segurança é construída à custa da insegurança de muitos. (...) Todos esses “prazos” e datas que inventam e nunca se cansam de repetir é pura histeria. (...)

NBC News: O Congresso ameaçou impor novas sanções e agora fala de exigir que qualquer acordo seja aprovado pelo Congresso. O presidente Obama disse que vetará qualquer coisa que crie riscos para as conversações. Como o Irã reagirá.

JAVAD ZARIF: Diferente do que fazem muitos, eu não me pronuncio sobre assuntos internos de outros países. Absolutamente não comentarei questões internas dos EUA. Entendo que, pelo que li na Constituição dos EUA, como qualquer um pode ler, que o Executivo tem prerrogativas para decidir nas questões de política exterior, e que outros poderes têm de confiar no que decida o executivo. Com certeza confiarei na assinatura do governo dos EUA em qualquer acordo que consideremos satisfatório. E se tivermos esse acordo, com certeza meu país e eu obrigaremos os EUA a respeitá-lo, nos termos da lei. Evidentemente, tudo que o presidente Obama e o secretário Kerry entenderem por bem fazerem no plano da política interna dos EUA não é problema do Irã. E é princípio fundamental da lei internacional que nenhum governo pode intervir em assuntos internos de outro governo.

[...]

NBC News: Não é a primeira vez nessa entrevista que o senhor parece estar apontando para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de Israel.

JAVAD ZARIF: Estou apontando para qualquer um que veja a paz como ameaça existencial.

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