sábado, 22 de novembro de 2014

O culto aos “especialistas em China”

23/10/2014, [*] Thorsten Pattberg, Speaking Freely, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pergunte a você mesmo: quando você encontrou alguma matéria, coluna, ensaio, o que for, assinado por analista chinês não “dissidente”, publicado em qualquer dos jornais e noticiosos e telejornais redigidos no idioma de seu país [no nosso caso: em língua portuguesa]? Nem precisa pensar muito: você jamais leu, nunca. O cerco orwelliano é total, apertado, absoluto. Sobre a China, o cidadão comum não lê, no ocidente, absolutamente nada que preste. Nada. Zero.




PEQUIM – Há alguns anos, encontrei um alemão, em Harvard, que se vangloriava do próprio “engajamento” na luta política, de uma palestra que daria em New York City, de como trabalhava duro a favor da liberdade para o Tibete e sanções contra a China. Que não havia direitos humanos na China – ensinou-me ele. Fiquei impressionadíssimo. Alertei-o para que não fizesse nada daquilo contra o nosso governo alemão, porque poderia ser condenado por traição. O homem balançou a cabeça com ar de profundo desprezo pela minha falta de fé democrática.

Não é o único. Há um culto a intelectuais evangelizadores anti-China, no Ocidente, aqueles arrogantes cruzados determinados a construir golpes nas mais diferentes nações não ocidentais e usurpar quaisquer governos democráticos.

Sobre a China, agem e falam como se estivessem acima da lei. Isso, porque entendem que o governo chinês seria corrupto, não eleito e comunista, vale dizer, ilegítimo. Assim sendo, por que alguém teria de respeitar o que a China faz, defende ou propõe? Além do mais, esses intelectuais evangelizadores pró-ocidente acham que ocidentais podem fazer o que bem entendam contra a China, porque os EUA comandam todo o aparelho de comunicação-propaganda “midiática”, o que sempre os salvará de qualquer dificuldade, caso haja.

Os tais ditos ‘'especialistas'’ em China são hoje uma força política que faz oposição direta ao Partido Comunista. Formam ninhos e redes, com hierarquia muito forte e rígido código de ética: todos se autoelogiam uns os outros, “retuítam” tuítes uns dos outros, fazem propaganda dos livros uns dos outros, e castigam furiosamente todos os “traidores”, que chamam de “elogiadores da China”.

Quando Yang Rui, âncora de um noticiário na rede CCTV, condenou as atividades de estrangeiros em Pequim, foi vítima de assassinato de reputação e, na sequência, mostrado por “especialistas em China”, em todo o ocidente, como exemplo do que acontece a quem se atreva a defender a China.

Yang Rui
No ocidente, grupos extremistas estrangeiros, de direita ou de esquerda, são atentamente monitorados e controlados. Mas que ninguém se atreva a controlar os imperialistas ocidentais. Alemães financiam separatistas chineses em Xinjiang; norte-americanos financiam separatistas no Tibete. Empresas da imprensa norte-americana até deslocam seus “militantes” para Hong Kong, decididas a derrubar Xi Jinping, o presidente, a mulher dele e toda sua família.

Na hierarquia dos “especialistas” em China, vê-se o seguinte: no topo, estão filósofos e estadistas, que definem o contexto e a agenda da ideologia universal – atenta sempre, e só, aos interesses do ocidente. Invariavelmente vivem no ocidente, pouco sabem da China, ou nada sabem absolutamente. Pouco sabem, de fato, do resto do mundo e discutem a China exclusivamente em termos ocidentais. [1] No passado, os alemães tivemos Kant, Hegel e Wilhelm II; hoje temos Henry “sobre a China” Kissinger, Francis “Fim da História” Fukuyama e Samuel "Choque de Civilizações” Huntington. [2]

Na sequência vêm jornalistas e editores, [3] a maioria dos quais são impecavelmente brancos, sempre empregados em cargos de destaque no New York Times, Wall Street Journal, Economist e coisa e tal.

Graças ao monopólio planetário das empresas-imprensa ocidentais, todos esses constituem hoje a nova elite global fascista no campo das “comunicações”. A cultura deles todos é mal ajambrada e frouxamente costurada, e a maioria das relações dentro das empresas-imprensa beiram o incesto, [4] de tal modo que todos se repetem uns os outros, todos empurram o bote uns dos outros e todos escrevem e dizem praticamente as mesmas palavras sobre sempre os mesmos temas que eles mesmos pautam ou apenas repetem, para eles e para todos. Na China todos sabem quem são essas figuras. E o que dizem e escrevem contra a China é como um sinal verde para que todos os “jornalistas” do mundo ponham-se a repetir o que esses dizem/escrevem. Assim, o massacre contra a China não acaba nunca.

Imperialismo
A maioria dos “especialistas em China” são preconceituosos até a última fibra. Toleram todas as cores de pele, desde que ocidentalizadas e falantes de inglês, mas manifestam o mais total desprezo por termos em outras línguas, conceitos, terminologia (a isso se chama imperialismo linguístico). E são quem decide quem – chinês ou não chinês – é elogiado e repetido e quem será difamado, com suas opiniões – o que é ainda mais grave – varridas para sempre de qualquer matéria ou coluna sobre a China. A corrupção pessoal desses “jornalistas” e “especialistas” é cuidadosamente apagada dos registros.

Pergunte a você mesmo: quando você encontrou alguma matéria, coluna, ensaio, o que for, assinado por analista chinês não “dissidente”, publicado em qualquer dos jornais e noticiosos e telejornais redigidos no idioma de seu país [no nosso caso: em língua portuguesa]? Nem precisa pensar muito: você jamais leu, nunca. O cerco orwelliano é total, apertado, absoluto. Sobre a China, não se lê no ocidente absolutamente nada que preste. Nada. Zero.

E a China não é a única vítima. Todas as civilizações não ocidentais estão sentindo o açoite do imperialismo ocidental. O ocidente apresenta-se como se fosse “universal” e diz que não pode assumir responsabilidades por indivíduos que, em outros países, cometam abusos, porque todos são agentes “livres”. Os mesmos dizem exatamente a mesma coisa, desde o auge do colonialismo.

Participar da missão ocidental para civilizar o Oriente é empreitada espiritualmente muito recompensadora. E o que seria a desestabilização política, senão doce vingança a colher contra o pouco caso que a China dedica à hegemonia ocidental?! Os alvos favoritos são funcionários chineses corruptos, minorias em geral, o chauvinismo e a misoginia Han, manifestações de rua, manipulação da moeda e censura. A coisa é de tal ordem, que os “especialistas” chineses sinceramente se sentem os únicos seres bons, limpos e justos [cada um deles, é uma espécie de D. Dora Kramer da ética-universal! :-D)))) (NTs)] Sentem-se como se fossem guerreiros da justiça. O problema é que só fazem o que fazem, em país bem distante do seu. E o negativismo já envenena todos os discursos.

Bandeira dos EUA na Praça Tian'anmen
Assim, “especialistas em China” vivem à caça de chineses que apareçam na mídia: dissidentes, militantes pró-ocidente, qualquer Wang sabe agitar a bandeira norte-americana. Os colaboracionistas ganham tudo, da imprensa-empresa ocidental: cobertura, divulgação, propaganda, propinas, prêmios, até o Prêmio Nobel. A tática não escapa ao olhos interesseiros dos zhishi fenzi (“intelectuais midiáticos alugáveis”), categoria que faz qualquer negócio para atrair a atenção da mídia – como o sujeito, que se apresenta como artista e que, em maio, autofatiou-se para arrancar uma costela do próprio corpo, por uma “China mais aberta”.

Se Pequim protesta, as campanhas ocidentais tornam-se mais agressivas a cada protesto chinês: por toda a parte só se ouvirão lições, dirigidas à China, para que não atrapalhe a liberdade dos ocidentais, de modo que o “ocidente” possa, sem empecilhos, continuar a desestabilizar a China por dentro. A situação é: se são censurados, põem-se a falar dez vezes mais, pelos microfones ocidentais; se são presos, viram mártires. Resta a via de fingir que esses pseudo jornalistas e pseudo especialistas les não fazem o que fazem, de fato, como meio de vida. Mas nesse caso, sim, a China [como o Brasil (NTs)] começa a correr perigo.

Notas dos tradutores

Rubens Barbosa
[1] Exemplo desse tipo de “intelectual” que é frequentemente apresentado como “especialista em China” é o ex-embaixador e atual empregado da FIESP e do Instituto Milênio, Rubens Barbosa, figura incansavelmente repetida nos programas do canal (pago!) GloboNews.

[2] No Brasil, temos: o “historiador” Villa; ex-embaixadores reduzidos a serviçais da FIESP e de think-tanks fascistas; e professores de universidades privadas metidas a “excelências”, sempre os mesmos, figurinhas incansavelmente repetidas nos programas do canal GloboNews que são vendidos aos consumidores como se fossem programas de “análise” internacional, comandados por William Waack, e que nunca passam de propaganda contra os governos eleitos no Brasil desde 2003.

[3] No Brasil, o exemplo mais ridículo de “jornalista” “especialista em China” é SoniaBridi, da rede Globo, que passou um ano na China, entre 2005-2006, sem falar o idioma, com a missão de montar “o escritório da Globo em Pequim”. Depois de um ano (e sempre sem falar o idioma), a “jornalista” voltou ao Brasil, escreveu um livro sobre ela mesma, muito mais do que sobre a China; e para sua autopromoção pessoal, não para informar sobre a China; e passou a  ser  apresentada aos infelizes telespectadores da rede Globo, inclusive no afamado “Programa do Jô”, como... “especialista em China”. :-D)))))) Só rindo!

[4] Aí está um tema que não se estuda no Brasil: os filhos e esposas(os) e namoradas(os) de jornalistas “famosos” das maiores redes, invariavelmente obtêm empregos nas redes que já empregam pais/mães, esposos(as), namoradas(os). Tudo é espantosamente promíscuo nesse mundinho de meia dúzia de famiglias midiáticas onde todos se conhecem e todos se ajudam. É o caso, por exemplo, de inúmeras apresentadoras de noticiários considerados “sérios”, que muito evidentemente, dado que são jornalistas de péssima qualidade profissional, logo se vê que só ganharam o emprego porque são mulheres de grandes anunciantes da rede Bandeirantes, ou, então, primeiro ganharam depois perderam seus empregos, precisamente porque são mulheres de diretores das rede Globo.

Infelizmente, o único suposto “jornalista” que chegou perto de informar sobre essas relações sexo-afetivo-“jornalísticas” dentro das famiglias que controlam todo o “jornalismo” da empresas-imprensa no Brasil só denunciou o que todos os jornalistas sabem e não noticiam, porque tentava safar-se, no momento em que estava sendo acusado por outros crimes no Brasil; e vive hoje foragido. O seu nome e o de Merval Pereira apareceram citados nos telegramas diplomáticos divulgados por WikiLeaks como comensais frequentes da embaixada em Brasília e nos consulados no Rio de Janeiro e em São Paulo, dos EUA no Brasil. Mas o que aquele grande salafrário só denunciou porque se viu “apertado”, sobre relações carnais entre jornalismos e jornalistas e empresas-imprensa no Brasil (que se “aproximam do incesto”, como se lê no artigo acima), são, sim, informações altamente aproveitáveis para compreender melhor o “jornalismo” brasileiro. Infelizmente são informações que não são usadas na discussão para ajudar a redemocratizar o jornalismo brasileiro.

Aparentemente, ninguém quer estudar aquelas informações: nem os autoproclamados “críticos” das “comunicações”, nem as autoridades do governo brasileiro às quais cabe zelar pela qualidade da informação que chega aos cidadãos eleitores no Brasil.
_________________________

[*] Thorsten J. Pattberg é um escritor alemão, natural de North Rhine-Westphalia, linguista e crítico cultural. Escreveu e publicou extensivamente sobre a Linguagem global, a Concorrência para terminologias e o Fim da tradução.Ele também é ativo na promoção do confucionismo, em particular de terminologias chinesas, em uma escala global. Estudou na Universidade de Edimburgo, Universidade de Fudan, Universidade de Tóquio, e a Universidade de Harvard, e obteve seu doutorado no Instituto de Literatura na Universidade de Pequim. Foi orientado pelas estrelas-guia de Ji Xianlin, Gu Zhengkun, e Tu Weiming, a quem ele considera seus mestres espirituais.
Atualmente é professor visitante no Instituto de Estudos Avançados sobre a Ásia na Universidade de Tóquio; é um ex-pesquisador do Instituto de Estudos Avançados Humanísticos da Universidade de Pequim. É autor de quatro monografias: The East-West dichotomy, Shengren, Holy Confucius e Inside Peking University; alguns de seus artigos representativos são:Language hegemony – It's shengren, stupid!, Long into the West’s dragon business, China: Lost in Translation e The end of translation.
Pattberg tem contribuído para a Asia Times, China Daily, Global Times, Global Research, Corbett Report, China Hoje, Shanghai Daily, Die Zeit (Alemanha Times), Korea Herald, The Korea Times, Taipei Times, South China Morning Post, Sul Semanal, Diário do Povo, o diplomata, Dissident Voz, Thought Catalog, Big pensar, BRICS Magazine, RT Rússia, e The Japan Times, deu palestras públicas, e é membro de várias associações acadêmicas, como a Associação Internacional de Mitologia Comparada (IACM ), a Sociedade Alemã-Leste Asiático (OAG), e da Associação Internacional para o Estudo Comparativo da China e o Ocidente (IACSCW).
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