quinta-feira, 20 de novembro de 2014

(a) ISIS/EI promove seu multinacionalismo sangrento e (b) Obama se rende: Assad comandará a transição na Síria

17/11/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

(a) ISIS/EI promove seu multinacionalismo sangrento

Estado Islâmico (ISIS/EI) atual, em preto
Com bem planejada campanha de mídia, em três atos, o Estado Islâmico (EI) anunciou que se está convertendo em entidade multinacional presente em muitos países. E o presidente dos EUA afinal aceitou que o presidente da Síria deve, pelo menos durante a tal “transição”, permanecer onde está [e de onde, por falar nisso, ninguém conseguiu tirá-lo, por mais que tantos tenham tentado (NTs)].

Há uma semana, grupos jihadistas em cinco países árabes publicaram vídeos nos quais juram fidelidade ao Estado Islâmico e ao seu Califa. Os grupos aparecem na Argélia, no Egito (Sinai), na Líbia, no Iêmen e na Arábia Saudita. Os vídeos parecem ter sido editados pelos mesmos profissionais que editam todos os vídeos oficiais do Estado Islâmico, mas incluem tomadas locais de cada país.

Na 5ª-feira (13/11/2014) passada apareceu o segundo ato, quando foi publicada nova fita de áudio, com uma fala do Califa:

O discurso de Baghdadi foi dividido em duas partes principais. A primeira cobria aproximadamente dois terços do tempo da gravação e durava 17 minutos. Baghdadi falou do fracasso das operações da aliança internacional, que ele chama de “campanha dos Cruzados”, e zombou dos árabes que participam daquelas operações. Na segunda parte, que foi a mais perigosa, ele anunciou que o EI está em processo de expansão e surgem novas províncias em vários estados árabes. Essas duas partes foram divulgadas sob a principal manchete de Baghdadi: sua jihad continuará e alcançará todos os povos e todas as terras em todos os tempos.

Um terceiro ato, um vídeo muito bem produzido, foi distribuído, com mais de 16 minutos de duração, que mostrava uma fila de 18 homens do Estado Islâmico, cada um deles degolando um oficial ou piloto sírio capturado. 

Degoladores do ISIS/EI e degolados 
Na cena anterior ao momento dessa foto, vê-se uma cesta com facas bowie e cada degolador pega uma faca. Todos, na cena, usam o mesmo uniforme novo em folha, que não é o uniforme ocidental padrão, mas mostram mangas do tipo das que se veem nos uniformes usados no Afeganistão. (O padrão digital da estampa de camuflagem parece vir dos Emirados Árabes Unidos.) Todos têm mochilas iguais e gorros iguais. Todos os prisioneiros vestem o mesmo tipo de roupa. O único degolador que não aparece uniformizado e o único que tem o rosto coberto é britânico (apelido “Jihadi John”) e já fora visto em outro vídeo de decapitações. Este tem papel especial no final do clip. Todos os degoladores são de diferentes nacionalidades e representam a internacionalização do Estado Islâmico. Há um francês, um saudita, um iemenita, um paquistanês, um afegão, e outros.

A degola é mostrada do começo ao fim, em detalhes, parcialmente em câmera lenta. As decapitações são feitas devagar e sem hesitação. Quando a cabeça está separada do pescoço, é posta sobre o tronco, no chão. Não há gritos nem qualquer tipo de luta. A julgar pelos olhos e pela calma, todos, degoladores e degolados, parecem ter sido drogados, pelo menos superficialmente.

ISIS/EI em ordem unida
O vídeo exibe uma marca que mostra que foi filmado em Dabiq na Síria, o que tem muitos significados simbólicos. Dabiq é um vale no norte de Aleppo, onde o sultão otomano Salim I derrotou os mamelucos egípcios no século XVI. Dabiq é também o local onde, segundo alguns textos islamistas, travar-se-á a batalha do Armageddon, no confronto histórico final entre o bem (muçulmanos) e o mal (cristãos).

A degola dos oficiais sírios toma cerca de 12 minutos e só depois dela é mostrada outra decapitação, a qual, parece, aconteceu antes. O decapitado é Abdul-Rahman Kassig, “ex” soldado Ranger da força especial dos EUA que combateu no Iraque e apareceu depois como “trabalhador humanitário” na Síria, a serviço da oposição. Foi capturado pelo Estado Islâmico em 2013. A degola não é mostrada, mas vê-se a cabeça separada do corpo. O degolador é “Jihadi John” e ele ameaça os EUA e o Reino Unido: “Massacraremos vocês, nas suas ruas”. Nada sugere que seja piada. Parece, isso sim, anúncio de operações já planejadas.

O vídeo e a produção são de excelente qualidade. Com certeza a edição ficou a cargo de alguém que conhece muito bem o “estilo” da narrativa dramática ocidental e, também, da produção ocidental.

ISIS/EI ativo na Argelia, Líbia, Egito, Arábia Saudita, Síria e Iraque
Os valores simbólicos do vídeo não estão tanto propriamente na degola, embora os detalhes pornográficos possam ter sido incluídos para recrutar doentes psicóticos de um determinado tipo. Os pontos simbólicos estão na locação (e no que Dabiq representa) e no próprio grupo multinacional de degoladores, todos, hoje, já alistados como soldados uniformizados do Estado Islâmico.

É esse detalhe, afinal, que faz o vídeo aparecer como terceira parte de uma campanha de mídia muito bem planejada para anunciar e demonstrar o caráter multinacional do Estado Islâmico.

Por mais que tenham aparecido várias colunas escritas nas últimas semanas, sobre derrotas que o Estado Islâmico estaria sofrendo em algumas batalhas pequenas e sem importância no Iraque, a campanha de mídia lançada pelo EI aponta na direção oposta. O Estado Islâmico está crescendo e já é entidade multinacional com ampla distribuição geográfica. E vai-se tornando cada dia mais duro, mais difícil, combater contra ele. Mas significa também que o EI passará a precisar de mais recursos financeiros, que serão difíceis de obter. Significa também mais comunicação entre seus “ramos” – e comunicação é coisa rastreável, detectável e interrompível.

O vídeo acima discutido inclui também uma passagem na qual se explica que o Estado Islâmico e o fato de manter-se embasado em “Tawheed e Jihad” é consequência DIRETA das hostilidades e da ocupação, pelos “cruzados”, do Iraque. É explicação suficiente para pôr fim, de uma vez por todas, à conversa de tantos “especialistas”, que só fazem culpar Malik ou Assad pela ameaça que o EI traz para todos.

(b) Obama se rende: Assad comandará a transição na Síria

Barack Obama discursa na Austrália
Já havia previsto aqui que, para dar combate ao Estado Islâmico, o presidente Obama teria de deixar de lado a obsessão por derrubar o presidente Assad da Síria. Na 6ª-feira (14/11/2014), o primeiro-ministro Davutoğlu  da Turquia disse que recebera fortes sinais de que os EUA mudariam sua política para a Síria e que teriam desistido de derrubar o presidente Assad. Agora, numa conferência de imprensa em Brisbane durante a reunião do G-20, o próprio Obama disse que:

PRESIDENTE OBAMA: [...] Agora, estamos procurando uma solução política, eventualmente dentro da Síria, que inclua todos os grupos que vivem lá – os alawitas, os sunitas, cristãos. E, a certa altura, o povo sírio e os vários atores envolvidos, além de atores regionais – Turquia, Irã, apoiadores de Assad, como a Rússia – terão de se engajar numa conversa política.

E essa é a natureza da diplomacia sempre, com certeza nesse caso, onde você acaba tendo conversas diplomáticas potencialmente com gente de quem você não gosta e de governos dos quais você não gosta. Mas ainda não estamos nem próximos desse estágio.

PERGUNTA: Ok, mas, só para pôr um ponto final nesse assunto: o senhor continua a trabalhar ativamente para encontrar meios para tirar Assad de lá, como parte dessa transição política?

PRESIDENTE OBAMA: Não.

Até agora, os EUA sempre repetiram que Assad não poderia permanecer no governo como parte da tal “transição” (Rússia e Irã sempre insistiram, exatamente, em que Assad ficasse no governo, durante a transição). Assim sendo, aí está uma mudança na política dos EUA para a Síria. E, considerando-se a expansão do Estado Islâmico, é, afinal, mudança importante e sensível.


[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir podemos ver/ouvir versão em performance de David Johansen com legendas em português.

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