quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Obama “exigiu” capitulação da Rússia!

30/9/2014, [*] MK BhadrakumarIndian Punchline− rediffBLOGS
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pergunta entreouvida aqui no escritório:
“Esse qui exigiu isso é qui é o tar de Babac Obama?”


Sergey Lavrov , MRE da Rússia
O Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov é profissional muito experiente, que está na linha de frente da diplomacia mundial há mais de 40 anos, e só muito raramente, se é que alguma vez, deixou transparecer opiniões pessoais sobre políticas de outros países. Mas o seu humor cáustico é lendário.

A observação que fez ao discurso do presidente Obama dos EUA na 4ª-feira (24/9/2014) na Assembleia Geral da ONU é sinal muito vigoroso de para onde estão andando as relações russo-americanas.

Lavrov declarou-se atônito, ao descobrir que Obama lista a Rússia como segunda maior ameaça à segurança mundial – só perde para o vírus ebola – ameaça mais perigosa, até, que o Estado Islâmico. Achou muito “estranho” que Obama dissesse que o mundo é hoje mais livre e mais seguro. Lavrov então ponderou que havia algo de “orwelliano” na fala de Obama.


Em seu tempo, George Orwell inventou um “ministério da verdade”. Parece que o conceito persiste ainda hoje.

Daí em diante, foi devastador; disse que os EUA são potência predatória, desonesta, sem respeito por ninguém, e intrometidos e intrigantes, mesmo em situações que, como a Ucrânia, absolutamente não dizem respeito aos EUA. E disse que isso, exatamente, dissera ao Secretário de Estado, John Kerry, cara a cara, quando se encontraram na 5ª-feira (25/9/2014) passada, em New York.

Verdade é que Obama muito fez por merecer a resposta dos russos, depois do ataque violento que fez da tribuna da ONU semana passada. Disse coisas que ninguém havia dito até agora: que, na Ucrânia, a Rússia teria desafiado a ordem do pós-Guerra Fria ao anexar a Crimeia e enviar armas para regiões do leste do país “alimentando um violento conflito separatista que já matou milhares”, razão pela qual os EUA e aliados manteriam o curso de apoiar a Ucrânia, “reforçar” a OTAN e “impor um custo à Rússia pela agressão”, mantendo as sanções até que a Rússia “mude de rota”.

John Kerry e Sergey Lavrov em 25/9/2014
Em resumo, não importa o que tenha sido decidido no Acordo de Minsk entre Kiev e os separatistas ucranianos, não haverá qualquer “alívio” na pressão que Washington manterá contra Moscou, e na determinação para isolar a Rússia, da Europa.

Lavrov voltou ao assunto com renovado vigor depois de alguns dias, em longa entrevista que deu ao influente canal Bloomberg TV. Sua resposta, nas canelas de Obama foi: Os russos não vamos chamar “o Tio” [Sam], por causa das sanções. Em termos tenísticos, pode-se dizer que o set está empatado.

Mas qual é o plano de jogo de Obama? Já se percebem umas três, quatro coisas.

Primeiro e sobretudo, os EUA não aceitam o acordo de Minsk sobre diálogo nacional (para o qual Washington não foi chamada) como palavra final na Ucrânia.

Segundo, as sanções contra a Rússia serão mantidas por todo o futuro previsível, com o objetivo já claro de frustrar qualquer possibilidade de Moscou vir a aproximar-se da Europa.

Terceiro, Washington está satisfeitíssima com o que já alcançou até agora, no plano diplomático: governo pró-EUA em Kiev; a OTAN re-energizada; implantação militar nos estados do Báltico e na Polônia, que, antes, era impensável; uma muito necessária reafirmação da liderança transatlântica dos EUA; considerável erosão dos laços que ligam a Rússia à Europa, que, antes, estavam crescendo, e erosão de debilita politicamente e economicamente a Rússia; e, finalmente, implantação de um conjunto de sanções, entendidas elas mesmas como armas “brandas” [orig. soft]. Tudo isso não só alavanca as políticas dos EUA contra a Rússia como, ao mesmo tempo, atrapalha as relações Rússia-União Europeia, além de ferir tangivelmente interesses russos estratégicos (por exemplo, muitas dessas “medidas” já estão provocando interrupções nos projetos de petróleo que a Rússia tem para a região do Ártico, e que dependem de tecnologia ocidental), além de forçar a Rússia a deslocar recursos massivos para construir capacidade militar de defesa, em vez de continuar, como antes, lutando contra os efeitos da recessão econômica mundial.

Javad Zarif e John Kerry (New York, 25/9/2014)
Em quarto lugar, mas importante, é que se vê claramente que o governo Obama já não está absolutamente interessado em qualquer tipo de “reset” com a Rússia, até o fim do atual mandato. Dito de outro modo, Obama afastou-se da política do pós-Guerra Fria, de construir engajamento seletivo com a Rússia, em áreas que afetem preocupações e interesses básicos vitais dos EUA.

O cálculo de Washington considera que as sanções estariam empurrando a Rússia de tal modo para a defensiva, que, seja como for, Moscou já estaria psicologicamente no “pé de trás”, e que doravante terá de curvar-se cada vez mais para trás, para fugir ao convite do Ocidente para que passe a “contribuir” nos esforços conjuntos ocidentais, se quiser mitigar o próprio isolamento. Tudo isso exige exame mais elaborado.

Prima facie, consideradas as políticas exteriores dos EUA, a cooperação dos russos seria, talvez, útil para enfrentar a situação no Oriente Médio. Mas, como Obama vê esse quadro, os EUA poderiam arrastar a Rússia pelo cabresto, para a colaboração, sem que os EUA tenham de “engajar-se” com a Rússia.

Nesses termos, no que tenha a ver com combater o Estado Islâmico, a Rússia em nenhum caso fará qualquer coisa para subverter a estratégia dos EUA no Iraque (ou na Síria, não se pode esquecer) de combate ao Estado Islâmico, porque a luta contra o terrorismo, não importa a origem, também interessa a Moscou. O Afeganistão é o mais claro exemplo do pragmatismo russo, sempre que seus interesses estão em jogo.

Mais uma vez, o engajamento EUA-Irã ganhou tração, e o formato P5+1 vai-se convertendo rapidamente em guirlanda pendurada no teto, enquanto a verdadeira negociação acontece entre Kerry e o chanceler do Irã, Mohammed Javad Zarif, que se sentam regularmente à mesa, cara a cara, sem “testemunhas”. Aqui tampouco a Rússia pode (e de modo algum tentará) agir para estragar a negociação – no mínimo, porque Teerã não admitirá interferência – o que significa que Washington já não precisa do tipo de colaboração íntima que obteve de Moscou em anos recentes, no que teve a ver com isolar Teerã. De quebra, os EUA também esperam conseguir corroer também os laços estratégicos russo-iranianos.

Bashar al-Assad  (setembro de 2014)
Sim, sim: a Síria, em certa medida, continua problemática. Mas as políticas ocidentais estão ainda no início, e é preciso dar tempo ao tempo. Pode-se supor que, mais dia menos dia, o ocidente comece a negociar abertamente com o governo sírio. No momento, o governo sírio depende do apoio dos russos, mas, isso posto, o presidente Bashar Al-Assad também tem poderosos e afinados instintos de sobrevivência política, e nas circunstâncias atuais o objetivo dele, visivelmente, é posicionar a Síria na mesma página que as potências ocidentais, para a próxima luta contra o Estado Islâmico. Na medida em que o tempo vai passando, é possível que Bashar comece a “temperar” o apoio russo, de modo a poder, ele também, negociar diretamente com Paris e/ou Washington.

Nesse sentido, é muito significativo que Paris tenha optado por manter-se longe dos ataques à Síria comandados pelos EUA, dado o papel histórico que a França teve no acordo Sykes-Picot de 1916 e, também, dadas as aspirações atuais a converter-se numa espécie de intermediário e árbitro em qualquer futura transição na Síria – papel para o qual a França está muito bem posicionada, muito mais bem posicionada que a Rússia. É perfeitamente admissível e razoável que Paris esteja em íntima coordenação com o governo Obama, fazendo a sintonia fina da posição atual de sua diplomacia para a Síria.

Tudo isso considerado, portanto, interessa aos EUA que não aconteça nenhum alívio real nas pressões sobre a Rússia. No mínimo dos mínimos, conseguirão manter a Rússia ocupada no atoleiro ucraniano, o que a impede de ter papel mais efetivo em outras regiões nas quais há envolvidos interesses centrais dos EUA. Paradoxalmente, portanto, qualquer “conflito congelado” na Ucrânia também interessa a Washington.

Nova Rota da Seda na Ásia Central 
(clique na imagem para visualizar)
Interessante e significativo, o governo Obama ressuscitou recentemente seu moribundo projeto da Rota da Seda na Ásia Central. O “recado” ao Kremlin é bem claro:

Cutucaremos vocês nas praias e nas montanhas, onde bem entendermos. E vamos mantê-los em angústia permanente.

Washington confia que os “ocidentalistas” [1] que tradicionalmente dominaram a elite de Moscou e que não vivem sem interação social com os países europeus, muitos dos quais parceiros até em nível pessoal, começarão, em dado momento, a trabalhar para impor mudanças de curso nas políticas russas. O governo Obama está convencido de que o tempo corre a seu favor, não a favor da Rússia. É jogada de alto risco, claro, porque gera as mais gigantescas incertezas contra a segurança internacional – até que um dos lados pisque.
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Nota dos tradutores
[1] São os que o Saker chama de “Integracionistas Atlanticistas” ou “5ª coluna” (p. ex. em: 20/9/2014,redecastorphotoUcrânia: Relatório de Situação (SITREP), 18/9/2014, 17h30 UTC/Zulu
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.

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