quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Pepe Escobar: “O quebra-cabeças das sanções EUA-UE-Rússia”

17/9/2014, [*] Pepe EscobarRT, Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Bandeiras dos "loucos por sanções"
(foto: Dominique Faget)
Façam os russos o que fizerem, ninguém nem pensa: a solução é aplicar sanções, sanções e mais sanções. Agora, lá nos vamos outra vez... O mais recente pacote de sanções, do Tesouro dos EUA & União Europeia, ataca bancos, a indústria de energia e a indústria de defesa russos.

As atuais sanções são mesquinhas. São imundas. Não há eufemismo que mascare o que são as sanções contra a Rússia; são, de fato, uma declaração de guerra econômica.

O Sberbank, maior banco russo não terá acesso a capitais ocidentais para financiamentos de longo prazo, inclusive a qualquer tipo de empréstimo com prazo superior a 30 dias. E as atuais sanções contra empréstimos de 90 dias que afetam seis outros grandes bancos russos – de um pacote anterior de sanções – passam a aplicar-se também a partir de 30 dias.

No front da energia, o que EUA-UE querem é pôr fim aos novos projetos russos de exploração na Sibéria e no Ártico, impedindo as empresas do Grande Petróleo ocidentais de vender equipamento e tecnologia para projetos de exploração de gás de xisto no oceano, em águas profundas.

Significa que Exxon e Shell, por exemplo, estão com suas operações congeladas em cinco projetos com empresas gigantes de petróleo/gás/gasodutos russas: Gazprom, Gazprom Neft, Lukoil, Surgutneftegaz e Rosneft.

Ninguém jamais perdeu dinheiro apostando na imbecilidade dos “altos funcionários dos EUA” de sempre – que hoje se dedicam a “comentar” o mais recente pacote de sanções, como “instrumento” para “forçar Moscou a respeitar a lei internacional e a soberania do estado”. Qualquer passar de olhos, rápido que seja, sobre os registros históricos relacionados ao tal “instrumento” já provoca convulsões de gargalhadas.

E há também o subsecretário para Terrorismo e Inteligência Financeira do Tesouro dos EUA, David Cohen, que só faz insistir que o pacote “isola” ainda mais a Rússia do sistema financeiro global.

Membros do Parlamento Europeu aplaudem de pé, durante votação do acordo entre Ucrânia e União Europeia, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, dia 16/9/2014
(foto: Vincent Kessler)

O pacote também foi descrito pela imprensa-empresa ocidental como capaz de “irritar ainda mais os mercados financeiros, já super sensíveis”. Ora! Nenhum mercado deu qualquer sinal de “irritação”. Na Rússia, as ações das empresas sancionadas subiram de valor. Nos EUA, as ações das empresas de energia despencaram. Tradução taquigráfica: os mercados “irritados” e “super sensíveis” interpretaram o novo pacote de sanções como mais um gol-contra, de Washington e Bruxelas.

A Eurásia distancia-se

Quanto a “isolar” a Rússia, as empresas estão impedidas de se aproximar, na novilíngua de Washington-Wall Street, “de importantes fontes de financiamento denominadas em dólar”. Dito eufemisticamente, não podem nem chegar perto de “capital ocidental” – e quem fala de capital ocidental fala de dólar e euro. Quem acompanha os grandes movimentos que se vão sobrepondo em direção a um mundo multipolar, já sabe que a Rússia já não precisa de dólares norte-americanos e de euros.

Moscou pode usar essas moedas para comprar-trocar por bens e serviços nos EUA e na União Europeia. Mas, mesmo esses bens e serviços, podem ser comprados em outros pontos do mundo. Para tanto, você não precisa de “capital ocidental” – com Moscou fazendo avançar rapidamente o uso das respectivas moedas nacionais com outros parceiros comerciais. A gangue atlanticista assume que Moscou precisaria de bens e serviços dos EUA e UE, muito mais do que EUA e UE precisariam de bens e serviços da Rússia. Não passa de falácia.

A Rússia pode vender seus abundantes recursos de energia em qualquer moeda exceto dólares norte-americanos e euros. A Rússia pode comprar da Ásia e da América do Sul todas as roupas de que precisa. No front eletrônico e de alta tecnologia, praticamente tudo já é fabricado, mesmo, na China.

Crucialmente, será muito excitante assistir à União Europeia – que ainda não tem política comum de energia para todo o bloco – forçada a negociar com fornecedores alternativos. Azerbaijão, Turcomenistão e Qatar, por grande número de razões complexas – que vão de gás em quantidade insuficiente para vender, à ausência de gasodutos – não entram nessa dança.

O governo Obama, por sua vez, simplesmente não permitirá que a União Europeia ponha-se a importar energia do Irã a partir de, pode-se dizer, amanhã cedo. Mesmo que o acordo nuclear hoje cambaleante venha a ser assinado antes do final de 2014 – e presumivelmente abra o caminho para o fim das sanções contra o Irã.

Os mercados ditos “irracionais” nada têm de irracionais: os mercados estão vendo o que realmente está acontecendo. Mercados são movidos pela busca de lucro máximo, derivado darealpolitik.

Entrementes, Moscou ainda nem contragolpeou. E pode ser contragolpe letal – que vise exportadores para a Rússia e mesmo consumidores de energia russa. Na sequência, a União Europeia retaliará. E a Rússia contrarretaliará. É exatamente o que Washington quer: guerra econômica/comercial que devaste e rache a Eurásia.

Barack Obama
(foto: Gary Cameron)
Sobre aqueles US$ 20 trilhões…

No front político, Ucrânia e União Europeia já concordaram, inicialmente, em “adiar o Acordo de Associação com a União Europeia para o final de 2016”.

O tal acordo é absolutamente irrealizável; fizeram, agora, o mesmo que Yanukovich havia feito em novembro passado, porque sabia que Kiev não podia perder praticamente todo o comércio que a liga a Ucrânia à Rússia, em “troca” de um muito vago “livre comércio” com a União Europeia. O acordo para “adiar” o acordo foi, de fato, supervisionado por aquela indescritível insuperável mediocridade que atende pelo nome de José Manuel Barroso, presidente em final de mandato da Comissão Europeia.

Mas foi quando o Parlamento Europeu, em sessão plenária em Estrasburgo, correu a ratificar o Acordo de Associação da Ucrânia, no mesmo momento em que o presidente Petro Poroshenko submetia o documento ao Parlamento ucraniano. Não significa que o Acordo passa(ria) a ser imediatamente vigente. A “integração” econômica com a União Europeia – fórmula eufemística para a invasão de mão-única, da Ucrânia, por produtos da União Europeia – só começará em janeiro de 2016. E não há como uma União Europeia detonada pela crise vir a incorporar a Ucrânia, antes daquela data, ou jamais, seja quando for.

Na 5ª-feira (18/9/2014), Poroshenko reúne-se com patrão dele, o presidente Barack Obama dos EUA, e falará em sessão conjunta do Congresso dos EUA. Preparem-se para um choque de retórica contra o “império do mal” de dimensões intergalácticas.

Mas será no sábado, em Berlim que a coisa real começa a desdobrar-se: negociações de energia entre Rússia, União Europeia e Ucrânia. Desnecessário repetir: Moscou tem todas as cartas decisivas.

A dívida-monstro de Washington já está chegando aos US$ 20 trilhões – e não para de aumentar. Com crise-monstro se aproximando como tsunami vindo do inferno, não surpreende que Washington tenha tido de recorrer à tática diversionista perfeita: o retorno do “império do mal”. É a escola Marvel Comics de política, tuuuuuuuuuuuudo outra vez.

A Rússia tem enorme reserva de capital estrangeiro – e pode atravessar a tempestade. A Alemanha – principal economia da União Europeia – por sua vez, já começou a sofrer. O crescimento ali já é negativo (-0,2%). O vento histérico das sanções está soprando precisamente nessa direção – desencaminhando ainda mais as economias europeias. E ninguém tem qualquer esperança de que a UE tenha colhões para enfrentar Washington. Não naquela Bruxelas infestada de vassalos.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan,  Nimble Books, 2009.

Um comentário:

  1. Tenho que discordar do Pepe. Barack Obanana não é patrão de ninguém. No máximo chefe de departamento. Tremendo de um pau mandado da plutocracia.

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