segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Conflicts Fórum: Comentário semanal de 8−15/8/2014

25/8/2014, [*] Conflicts Forum de 8-15/8/2014
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Comentário da Maria Boa, Cuscuzeira da Vila Vudu, sobre a frase-chave: “O maior risco que o sistema financeiro global corre não é a recessão, mas a exposição ao risco político; TAÍ! TAÍÍÍÍ! Isso explica o interesse direto, diretíssimo, que George Soros, Banco Itaú et caterva adjunta têm nas eleições no Brasil; por isso também, eles PRECISAM ELEGER candidato DELES; por isso estão INVENTANDO a tal de Marina Silva, só porque não há ninguém melhor que isso, depois que cerras & aécins se autodetonaram pela própria exposição deles mesmos ao que eles chamam de “risco político”, mas é, de fato, para eles, um “risco democrático” ou “perigo democrático” ou “ameaça democrática”.

Estátua de Sócrates
(em frente à Academia - Atenas, Grécia)
Para os filósofos antigos, matar – e o pólo oposto, viver em paz – eram coisas curiosamente inter-relacionadas. Esses dois polos aparentemente opostos mantinham-se sobre um fio de navalha: a qualquer instante, um dos polos sempre podia deslizar na direção do outro. Em outras palavras, implica que cada um desses lados (o mecanismo para matar e o mecanismo para fazer-viver) é de algum modo constituído pelo outro e é inerente ao outro.

Quando as energias humanas são distorcidas, diziam os antigos, emerge um ciclo vicioso: a temperatura (o temperamento!) se aquece, produz-se volatilidade, que produz arbitrariedade e intenções flutuantes, intenções frustradas produzem emoções, e emoções inflamadas geram o impulso irresistível para agir (eventualmente, para matar).

Mas o que nós (humanos) enfrentamos nessa “luta” – quando somos tomados por aquela volatilidade – não é algo “real”. No Hades, Hércules, quando tenta degolar o Cérbero e demais demônios do “outro-mundo”, é admoestado firmemente por Hermes, que o faz lembrar-se de que aqueles monstros apavorantes que ele tenta matar não são reais. Não podem portanto ser mortos pela espada. Aqueles monstros são imagens: os “demônios” que Hércules tenta “matar” brotaram do fundo de sua própria psique

Hércules e Cérbero
(De Zubaran)
A chave aí é “virar tudo”: mudar do niilismo do fazer-morrer, para o fazer-viver. Não é mudança fácil (os antigos sempre alertam), mas um ciclo virtuoso está à distância de um fio de navalha; ideia crucial para conseguir essa virada é capacidade para compreender polaridades aparentemente opostas inerentes a todas as coisas: ver com “dois olhos”.

Aí parece estar o significado da luta recente em Gaza. Israel simplesmente não pode, não consegue, considerar a possibilidade de dar a virada: sair do fazer-morrer (matar) para o fazer-viver. Está condenada, como Hércules, ao impulso de continuar a ferir com sua espada impotente os “demônios” do , “outro-mundo”.  Mas não tem quem a oriente (um Hermes!), exceto uns poucos, raros homens e mulheres de coragem, e diga aos israelenses que aqueles demônios tornaram-se tão assustadores para os israelenses precisamente porque estão enterrados no fundo da psique coletiva deles mesmos. Não se cogita de ver o outro lado; nenhuma virada parece possível. O temperamento (a temperatura!) dos muçulmanos, em resposta ao massacre sem fim, só se aquece cada vez mais; e sentimentos – já inflamados – exigem ação. A crise sempre se agrava.

E na esfera sunita, o mecanismo niilista está-se abrindo em vários fronts: o ISIL estabeleceu uma cabeça de praia no Líbano, na cidade de Arsal, e a dinâmica adversa desse conflito com o exército libanês já se alastra até Trípoli, a segunda maior cidade do Líbano; até Accra; e até o campo de refugiados Ain el Helewei. O ISIL abriu uma frente contra os curdos da Síria e de Barzani no Iraque (dando a Maliki a oportunidade para oferecer apoio aéreo à guerrilhaPeshmerga que combate contra o ISIL); o ISIL continua a consolidar seu “estado”(tomando mais campos de petróleo, executando dissidentes e ocasionalmente crucificando um ou outro) no Iraque e na Síria; e já está em luta contra a frente Zarqawi na Líbia.


O reino tem procurado ajuda do Egito e do Paquistão. Ninguém sabe exatamente o que o ISIL teria planejado, mas é claro que grupo desse tipo atacará Meca, se puder. Esperamos que eles [ISIL] percam impulso; mas não vamos correr riscos – disse um conselheiro do governo saudita.

Meca e a peregrinação do Islã
O que estamos vendo aqui – na esfera sunita – é a inversão, de cabeça para baixo, de uma estratégia que foi a pedra de toque do pensado dos EUA e do ocidente em geral para o Oriente Médio por pelo menos 60 anos: a ideia de que a Arábia Saudita poderia “administrar” o Islã sunita e levá-lo a promover seus interesses, de ter um “Islã” atenuado, de “uma voz” (salafista), uma autoridade (o Rei) e uma única leitura do Corão (o que implica controlar também a mesquita) – ao mesmo tempo em que vai facilitando os objetivos políticos dos EUA no Oriente Médio e além.

O Islã sunita foi “administrado” para conter a influência soviética no Oriente Médio; para minar o ba’athismo e o nasserismo; para derrotar a União Soviética no Afeganistão; para conter o Irã; para minar o presidente Assad na Síria e para lançar um golpe de estado contra o governo do primeiro-ministro Maliki no Iraque.  Esse relacionamento íntimo efetivamente ligou o Ocidente intimamente à segurança do Golfo e, mediantes suas diversas intersecções (SandhurstWest PointWall Street e a City), os governos ocidentais acabaram por assimilar profundamente a “narrativa” do Golfo.

Passar à Europa e aos EUA o bastão da “narrativa” saudita facilitou pintar o rival regional dos sauditas (Irã) como o “outro” ameaçador, perigoso, aos olhos ocidentais.

Durante a maior parte desse período, a Arábia Saudita, sim, administrou e financiou o “gênio” do radicalismo sunita incendiário, na direção do que interessava à Arábia Saudita e aos EUA. Até a própria al-Qaeda realmente se enquadrou e ali permanece, dentro do paradigma wahhabista. Mas o ISIL, não. O ISIL é diferente.  

Tanque T62 capturado do exército iraquiano pelo ISIL  desfila em Al-Raqqah-Iraque
O ISIL está realmente em guerra contra o Reino Saudita, diferente do falso conflito que “havia” entre sauditas e o bin-ladenismo. O ISIL acintosamente descarta os três pilares da legitimidade e da autoridade dos sauditas, e reinterpretou a história islâmica para fazer-lhes guerra e tomar-lhes o poder: os estados do Golfo estão exatamente na linha de tiro do ISIL. O “gênio” converteu-se no senhor que, originalmente, o libertara da lanterna onde vivia preso.

O que todos esses conflitos disparatados no Oriente Médio têm em comum? Todos eles são conflitos profundamente antissistema, cada um a seu diferente modo. Todos eles visam a pôr abaixo a velha ordem. Em Gaza, as pessoas já não suportam viver sob sufocamento. Querem romper o cerco – mesmo que lhes custe preço altíssimo, em sofrimento pessoal. A posição do Hamás (ala militar que está comandando a ação) é clara: nada mais de “remendos” distribuídos pelo Egito ou mediadores ocidentais: “ponham fim à prisão de Gaza”. Israel talvez até deseje, de certo modo, fazer exatamente isso, mas não pode.

O ISIL também está tentando pôr abaixo a velha ordem (a Ordem Árabe) e tomar o poder pela violência, usando os métodos horrendos dos dois primeiros Califas, Abu Bakr e Omar (ou táticas de Ghengis Khan, de usar o medo absoluto para avançar sobre as fortalezas do poder, sem muito trabalho). Irã e Síria desafiam a ordem global – e sentem em Rússia e China parceiros poderosos para essa empreitada.

A “velha ordem” está visivelmente ruindo – e como um dos convidados de recente seminário deste Conflict Fórum observou acuradamente, a “nova ordem” será forjada por aqueles estados cujos populações mostrem-se cheias de vida e vitalidade; que conservaram a própria soberania ou que a reconquistaram – e que comandem fontes de energia e outros recursos.

Não surpreende que Washington não saiba o que fazer sobre Gaza, ISIL, Síria, Líbia, Egito, etc., etc.. Os EUA estão em declínio, a ordem global faliu; e Arábia Saudita e Israel (os dois “escritórios de negócios” dos EUA na região) estão ambas em confronto com o atual governo dos EUA, e estão totalmente incapacitadas para qualquer “virada” que lhes permitissem emergir da crise. Para ser justo: há bem pouco que os EUA possam fazer.

Qual então a importância de todo esse tumulto no Oriente Médio bizantino, para os americanos ou europeus médios? Por que ele/ela não pode simplesmente ignorar aquele tumulto?

A resposta é que o maior risco que o sistema financeiro global corre não é a recessão, mas sua exposição ao risco político.

O pool de dinheiro líquido real dos Estados do Golfo é parte absolutamente indissociável de um sistema financeiro alavancado e endividado até os olhos. O Golfo é essencialmente o único grande pool de “dinheiro livre” que restou no mundo. O resto não passa de um hiperpesado edifício “Ponzi” de crédito alavancado globalizado, que se equilibra sobre uma base mínima de “dinheiro (europeu e norte-americano) hipotecado”. O sistema global simplesmente não suportará uma quebradeira do Golfo ou regional [orig. a Gulf or regional meltdown]. Agora, sim, esse é risco real: em Gaza, no ISIL, numa grande confrontação no Iraque que arraste para lá a Arábia Saudita e o Irã – tudo isso, agora, é possível.

Petrodólar, o risco da crise no Oriente Médio

E é essa “ameaça” de risco político e a natureza de nosso sistema financeiro global que aproxima e ata um ao outro os dois riscos de conflito: no Oriente Médio e na Ucrânia – como uma única categoria de “exposição política”.

Um sistema financeiro global pode dar aos EUA poderes não controláveis para “disciplinar” outros estados; mas precisamente porque é global, o sistema se torna altamente vulnerável a crises do Oriente Médio que ameaçam aquele seu pool de dinheiro no Golfo – ou causam torvelinho mediante o medo na mesma região. Esse pool tornou-se inerente, indissociável deWall Street, da City de Londres e da estabilidade financeira do ocidente.

É o sistema financeiro global também – por causa da atual centralidade nos EUA e no dólar – que conecta diretamente a Ucrânia aos conflitos centrais no Oriente Médio. Impuseram-se sanções à Rússia; mas ao sancionar a Rússia, a Europa e os EUA geraram o ímpeto para que Rússia e China desenvolvessem um comércio multimonetário paralelo ao dólar, e para empurrar o renminbi na direção de tornar-se moeda paralela de reserva. O quanto e com quanta determinação Rússia e China meterem o pé por essa trilha terão implicações profundas para o Oriente Médio.

O conflito na Ucrânia ressoa fortemente pelo Oriente Médio

Síria e Irã (e outros) facilmente leem a intervenção ocidental na Ucrânia como repetição de outras intervenções comandadas pelo ocidente e atentadas contra seus países. Depois que sanções relacionadas à Ucrânia foram impostas à Rússia, a Rússia, em movimento de retaliação, moveu-se para estrategicamente mais perto de Irã, Síria, Iraque e Egito.

Sistema financeiro global baseado no US dólar
A criação e o início de qualquer sistema financeiro paralelo permitirá ao Irã livrar-se dos tentáculos do Tesouro dos EUA e passar ao largo do sistema financeiro baseado no dólar; o mesmo vale para a Síria. E não há mudança no sistema financeiro global que não afete os Estados do Golfo. A fatia em dólares das reservas globais já encolheram para 61%, dos mais de 72% em 2001. Se Rússia e China começam a negociar energia fora do sistema baseado no dólar, a OPEP não conseguirá ignorar esse desenvolvimento.

Em resumo: as ondas geradas pelas sanções contra a Rússia terão forte influência para definir a região: o quanto a Rússia estiver à frente, quando reemergir depois desse conflito, será o quanto os sauditas e os Estados do Golfo estarão enfraquecidos. O grau em que a Rússia reorientar sua política energética em consequência das sanções, será o grau em que se redefinirá a direção dos futuros oleodutos da bacia Iraque-Irã e a orientação da energia de toda a região. (o Iraque não esquecerá a rápida ajuda que a Rússia garantiu-lhe, depois do assalto do ISIL  ao Iraque).

Dessa ampla categoria de risco político dentro do sistema financeiro global, o efeito do potencial para escalada que se constata no conflito da Ucrânia (e seu impacto no Oriente Médio) é o mais perigoso.

[A análise de situação de Conflicts Forum, datada da 1ª quinzena de agosto, desatualizou-se e foi aqui omitida. Atualizaçoes são encontradas  e no blog redecastorphoto (NTs)].

Destroços do MH17 na Ucrânia
Putin parece estar jogando no longo prazo: a Rússia anunciou contramedidas muito cuidadosamente construídas. Interessante, concentram-se em produtos agrícolas, muito mais do que em produtos de alto valor tecnológico (o que é um modo de preservar a força das exportações da Alemanha para a Rússia). (...).

O “cisne negro” no contexto europeu parece ainda ser o ataque ao voo MH17 (sic). Ainda não se viram provas que expliquem o destino do avião. Aconteça o que acontecer, nada alterará o curso da narrativa dos EUA (como o professor Stephen Walt escreveu recentemente,“os neoconservadores são sempre lépidos ao espancar a verdade, para promover seus objetivos políticos”), mas muita coisa pode acontecer que afete a opinião pública alemã. Depois do escândalo da Agência de Segurança Nacional dos EUA, os alemães mantêm-se com um pé atrás, em tudo que envolva a veracidade de informes sobre a economia dos EUA.
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[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás de narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

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