domingo, 1 de junho de 2014

Ucrânia: Relatório de Situação (SITREP), 29/5/2014, 16:06 UTC/Zulu - Poroshenko e sua guerra esquisita

29/5/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
Introdução: o contexto mais amplo da crise ucraniana

Antes de examinar os desenvolvimentos mais recentes na Ucrânia, parece-me importante mencionar, pelo menos, dois grandes eventos recentes que envolvem a Rússia.

Primeiro, Rússia, Cazaquistão e Bielorrússia assinaram a constituição da União Econômica Eurasiana, UEE [orig. Eurasian Economic Union (EEU)] à qual em breve também se unirão Armênia e Quirguistão.

Segundo, a China requereu oficialmente a constituição de uma nova aliança de segurança com Rússia e Irã, provando, afinal, que erraram gravemente todos os que disseram que a China não teria qualquer intenção real de formar aliança alguma com a Rússia. Como já mencionei em Relatório de Situação anterior, o objetivo e a natureza dos recentes acordos econômicos entre Rússia e China já constituíam o que chamei de uma cripto-aliança; agora, estamos vendo o primeiro movimento oficial da China para que se possa apagar a parte “cripto” da aliança.

Lukashenko, Nazarbaev e Putin assinam a constituição da União Econômica Eurasiana
É mais uma modificação realmente tectônica, na política mundial. É também, se pode dizer, a criação da mais poderosa coalizão de países da história do mundo.

O título de padrinho dessa nova coalizão deve realmente ir para os EUA e Barack Obama, os quais com suas políticas hostis e comicamente arrogantes em relação às duas potências, China e Rússia, muito contribuíram para que se forjasse essa aliança.

O processo, por falar dele, está só começando e está longe de acabar. Não apenas há discussões para expandir os BRICS para incluir outros países (fala-se da Argentina), como também a Organização de Cooperação de Xangai ou a Organização do Tratado da Segurança Coletiva podem também ser expandidas para incluir o Irã ou o Paquistão.

Quanto à União Econômica Eurasiana, eventualmente se metamorfoseará numa única entidade política, uma aliança eurasiana que pode vir a incluir a China em acordos econômicos e/ou de segurança.

Toda a massa de terra eurasiana está lenta mas inexoravelmente sendo integrada numa zona livre: livre, porque não controlada pelos anglo-sionistas; e livre, porque livre do dólar. O Império Anglo-sionista está com os dias contados.

Mais recentes desenvolvimentos na Ucrânia

A ofensiva ucraniana conheceu outra escalada dramática, com uso, pela primeira vez, dos Grad (lançadores de foguetes múltiplos) na cidade de Slaviansk. Pelo menos um helicóptero ucraniano, que transportava, segundo foi noticiado, um general e outros 12 passageiros, foi abatido pelas Forças de Defesa da Novorossia [orig. Novorossia Defense Forces (NDF)]. Foi ouvido fogo esporádico de artilharia, às vezes intenso, durante toda a noite e feridos continuam a chegar aos hospitais locais. Várias unidades ucranianas já depuseram armas e, basicamente, renderam-se às Forças de Defesa da Novorossia. Em Sebastopol foram demarcados organização e quartéis-generais especiais para lidar com o fluxo crescente de refugiados. Em Kiev, o Parlamento já considera declarar lei marcial, que, na prática, daria poder ilimitado à Junta e suspenderia direitos civis.

GRAD - lançador múltiplo móvel de foguetes
Há dois modos de olhar para esses eventos. Pode-se dizer que muita coisa aconteceu, que está acontecendo uma escalada, que há mortos dos dois lados, helicópteros estão sendo derrubados, unidades recusam-se a obedecer ordens que consideram criminosas, etc. Mas pode-se também dizer que, de um ponto de vista puramente militar, nada absolutamente aconteceu. Pensem do seguinte modo:

– O que se viu desde que a Junta neonazista deu início à sua operação de terror na Novorossiia? Slaviansk e Kramatorsk foram cercadas e bombardeadas. Forças da Junta neonazista tomaram os aeroportos próximos de Slaviansk/Kramatorsk e Donetsk. E só.

Para início de conversa: esses aeroportos não têm nenhuma importância estratégica. Absolutamente não são estrategicamente importantes. Normalmente, na maioria dos conflitos militares, aeroportos são alvos muito importantes, especialmente as pistas e os radares. Mas nesse caso a tomada dos aeroportos de Slaviansk/Kramatorsk e Donetsk não implicou que a Junta passasse a usar os aeroportos. De fato, há combate muito intenso nas áreas que cercam os aeroportos, para que eles possam ser usados com alguma segurança para pousos e decolagens.

Além do mais, quem precisaria de aeroportos, se se pode ir por terra a qualquer ponto do país? Talvez... para impedir que os aeroportos fossem usados pelas Forças de Defesa da Novorossia ou pelos russos, caso decidam intervir? Ora, ora! As Forças de Defesa da Novorossia não tem força aérea; e os russos com absoluta certeza não precisam de aeroportos para pôr em terra um Regimento, uma Brigada ou, até, uma Divisão Aerotransportada.

Petro Poroshenko
Assim sendo, por que a Junta decidiu comprometer suas melhores forças, para tomar aqueles aeroportos? Simples: porque não são cidades. Ou, dito de outro modo: porque os aeroportos estão localizados fora de cidades. O fato é que a Junta simplesmente não tem as forças necessárias para ocupar e controlar qualquer cidade. Então tiveram de se contentar com objetivos localizados fora das cidades: os aeroportos serviram muito bem para essa ação de “ocupação militar” que é pura encenação.

Petro Poroshenko anunciou que o que a Junta chama de “operação antiterroristas” não deve durar semanas: no máximo algumas horas. Se é assim, é preciso perguntar o seguinte: se o mix completo das forças da Junta (militares + esquadrões da morte) não conseguiu tomar e controlar nem Slaviansk (130 mil moradores) nem Kramatorsk (165 mil moradores), que chances teria o mix de tomar e controlar Donetsk (1 milhão de habitantes)? É perguntar e responder: chances zero, é claro. E menos que zero, se a coisa tiver de ser feita em poucos dias e horas!

Qual o sentido de tudo o que se vê acontecer por lá?

Será que os líderes políticos e a Junta são simplesmente estúpidos ou totalmente mal informados?

Não, não é assim tão simples. Por um lado, falar de alguma “estratégia da Junta” ou “estratégia de Poroshenko” é simplesmente errado, porque implica aceitar como verdade o mito de que haveria governo independente na Ucrânia. E não há. De fato, todas as decisões são tomadas pelo Tio Sam e seus representantes em Kiev, e as ditas “autoridades” não passam de colaboracionistas que operam com os EUA e simplesmente cumprem ordens do patrão. E com todos os pecados que carregam, o pessoal de Washington, DC, não é nem estúpido, nem mal informado. Assim sendo... Qual é a estratégia de Washington nessa guerra civil que, para dizer o mínimo, é esquisitíssima?

O primeiro projeto-objetivo, idealmente, dos anglo-sionistas seria disparar uma intervenção militar russa em proteção à Novorossia. Assim se recriariam as tensões, do tipo da Guerra Fria, de que esse pessoal tem tanta saudade. Haveria justificativa para manter existente a OTAN e, se a coisa fosse bem jogada, talvez conseguissem até pôr forças russas e da OTAN, frente à frente uma da outra, uma em cada margem do rio Dniepr.

Além de ser a concretização dos sonhos do complexo industrial-militar dos EUA, essa situação permitiria que os EUA alcançassem um de seus mais importantes objetivos estratégicos: manter a Europa sob colonização dos EUA; e impedir qualquer chance de a Europa integrar-se ao Leste.

Essa estratégia nada tem de estúpida; pode ser declarada brilhante, uma vez que só deixa ao presidente Putin duas escolhas: se a Rússia não intervém, Putin aparece como fraco, indeciso ou, até, como traidor do povo russo; mas, se a Rússia intervém, então Putin é declarado o “Novo Hitler” ou o “Novo Stálin”, mais um nacionalista russo enlouquecido dos infernos, querendo reconstruir a União Soviética e esmagando sob as esteiras dos seus tanques os bons europeus amantes da liberdade. São só clichês? Claro que sim, mas serão usados. Putin foi empurrado para uma situação de “maldito se faz, maldito também se não faz”...

A segunda opção é desgastar as Forças de Defesa da Novorossia, até que, eventualmente, tenham de render-se. Não que seja provável, mas é teoricamente possível. Caso aconteça, a rendição poderá ser apresentada como dupla vitória de Poroshenko: esmagou os “terroristas” e “obrigou o Urso Russo a retroceder”. Mais uma vez, há muito aí de delírio desejante, mas, em teoria, os EUA podem analisar esse resultado como pouco provável, mas possível.

Opção três: a velha estratégia dos EUA de “se não posso controlar, queimo tudo”. Basicamente, a estratégia aí é destruir Novorossiia, ou causar o maior dano possível, de modo que qualquer recuperação seja a mais demorada e a mais custosa possível. Serve também como lição a todos que ousem desafiar o Império: desobedeçam e nós os faremos pagar muito caro pela ousadia.

Opções russas:

Como já mencionei acima, a Rússia tem bem poucas opções. Qualquer intervenção direta dos russos na Ucrânia – opção que, em termos militares, nada teria de difícil ou complexo – teria vastíssimas consequências políticas para o futuro da estabilidade da Europa. Na essência, ao não intervir, a Rússia está negando aos EUA a Guerra Fria versão 2 que os EUA desejam tão furiosamente.

Se a Rússia intervier – e é muito possível que intervenha – significará que o Kremlin aceita que o preço real de sua intervenção é a ressubmissão de longo prazo de toda a Europa aos interesses dos EUA.

Claro que a Rússia, sim, tem a opção de oferecer ajuda clandestina às Forças de Defesa da Novorossia (e pessoalmente, cá comigo, não tenho dúvida alguma de que já está fazendo exatamente isso); mas é ação a ser empreendida por via remota e muito cuidadosamente, de modo a não dar aos EUA nenhum tipo de prova do apoio secreto russo. Mesmo assim, já se veem em alguns vídeos armamento avançado antiaéreo e antitanque, sinal bem claro de que alguém está ajudando a Resistência.

A Rússia também já começou a vazar informações sobre unidades ucranianas envolvidas em operações de terrorismo contra o povo do Donbass.

Por exemplo, a TV russa anunciou ontem que as seguintes unidades estiveram envolvidas no bombardeio contra o aeroporto de Donetsk: a Brigada 299 de Aviação Tática de Nikolaev (Su-25) e a 40ª Brigada Aérea de Vasilkovo (MiG-29), que usa a Ivan Kozhedub Air Force Universidade de Carcóvia (Mi-24; Mi-8) como base de operações de combate. Blogueiros russos também vazaram fotos e nomes dos pilotos envolvidos. Vídeo, legendado em inglês, a seguir:


Juristas russos criaram escritórios especiais de advogados que recolhem testemunhos de ucranianos cujos direitos tenham sido violados pela Junta, para instruir processos em cortes ucranianas de justiça. Claro, não há dúvida de que cortes ucranianas rejeitaram qualquer denúncia de violações cometidas pelo “governo” da “Ucrânia”; mas os russos sempre poderão levar suas ações legais para a Corte Europeia de Direitos Humanos.

A boa notícia para a Rússia é que não há meio pelo qual a Junta consiga tomar Donetsk ou Lugansk. E ainda que forças da Junta conseguissem entrar nessas cidades, nem assim teriam como controlar as cidades. Os estrategistas militares russos compreendem isso com total clareza. Afinal, os russos têm a maior experiência de combate em ambiente urbano, de todos os exércitos do mundo.

Durante a IIª Guerra Mundial, as forças soviéticas libertaram 1.200 cidades tomadas pelo Exército Alemão; e essa experiência é incansavelmente analisada e reanalisada nas academias militares russas. Além do mais, embora só uma minoria dos homens em idade de combater no Donbass tenham-se unido às Forças de Defesa da Novorossia, o bombardeio incessante e o terror do assalto pela Junta tem motivado muitos outros a unir-se à Resistência.

O tempo corre a favor da Novorossia e da Rússia

Minha impressão é que Poroshenko acordará em breve e anunciará alguma espécie de “iniciativa de paz”, que provavelmente não implicará total retirada das forças da Junta hoje na Novorossia como exigiram as autoridades locais, mas incluirá alguma “suspensão” das operações de combate. Poroshenko – que absolutamente não é idiota – sabe que tem de sentar e iniciar negociações com os russos, e sabe também que os russos não podem negociar com ele enquanto houver operações de combate.

Não tenho prova alguma, mas acho que o próprio Poroshenko já compreendeu tudo isso e que, agora, ele está tentando convencer os EUA de que é necessário aceitar os fatos em campo. Nesse momento, Poroshenko pode esconder-se por trás da pequenina folha de parreira que é o fato de que ainda não foi formalmente empossado. Dentro de poucos dias (dia 7 de junho) essa desculpa sumirá. Desconfio que, logo depois de tomar posse, ele anunciará alguma espécie de “iniciativa de paz”.

Até lá, os russos terão de esperar, rangendo os dentes ante cada nova atrocidade cometida pela Junta neonazista e seus esquadrões da morte. Depois virá o tempo de colher os frutos da espera. Mas a primeira prioridade tem de ser e será negar aos anglo-sionistas a Guerra Fria que eles estão tão desesperadamente tentando deflagrar.


The Saker

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