domingo, 13 de abril de 2014

Europa: Cresce a resistência contra a política dos EUA para a Ucrânia

13/4/2014, [*] Nikolai Bobkin, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os EUA sempre tentaram separar a Rússia da União Europeia
Os EUA sempre fizeram de tudo para enfraquecer a Rússia. Conseguir meter uma cunha entre Rússia e União Europeia é missão prioritária. Mas a Crimeia e a Ucrânia frustraram os planos. Atada na crise ucraniana, a Europa começa a suspeitar de que não lhe interessa muito seguir as políticas dos EUA e dá os primeiros sinais de interesse em desescalar o confronto com a Rússia. “O Grande Motin”, pode-se dizer, está amadurecendo, embora a “revolta” não implique muito mais que se separar de algumas iniciativas dos EUA...

Parece que Bruxelas vai deixar partir a Ucrânia, sem escândalos. O frenesi revolucionário já passou, e a UE não dá sinais de interesse em tomar qualquer medida anti-Rússia. O Kremlin fez-se ouvir, e gradualmente a Europa começa a ouvi-lo. A Rússia assumiu a iniciativa diplomática, não dá sinais de muita preocupação com o que digam os EUA e, além disso, a Rússia assumiu posição muito mais consistente, insistindo num diálogo de todas as regiões da Ucrânia como instrumento para administrar a crise. As esperanças ocidentais, de que Moscou reconheceria, pelo menos indiretamente, o governo ilegal de Kiev vão-se frustrando. A Rússia entende que os esforços para a paz, que visam a pôr os putschistas de Kiev também na mesa de negociações, em vez do recurso a medidas coercitivas, é o objetivo a ser buscado; e em cooperação com as estruturas euro-atlânticas.

Sergey Lavrov
O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, convocou as autoridades em Kiev a tomar medidas urgentes para construir um diálogo nacional com todas as forças políticas e as regiões na Ucrânia. Para ele, todos os atores externos, inclusive Bruxelas e Washington, devem empurrar as autoridade ucranianas para que assumam a responsabilidade pela situação e iniciem um diálogo, com a participação de todas as partes interessadas na Ucrânia. Todas as regiões devem participar nas conversações.

A posição é clara. Todos sabem que os EUA temem um movimento civil no sudeste da Ucrânia. Uma milícia esfarrapada de fantoches norte-americanos se apossou do poder na Ucrânia. O objetivo de Washington é eliminar qualquer oposição ao seu projeto. A Casa Branca parece disposta a fingir que não vê metade, pelo menos, da população da Ucrânia. E já foi longe demais nessa via, ao mesmo tempo em que empurrou a Europa na direção do alto risco de envolver-se numa guerra civil, e ao lado dos golpistas.

O que se tem, é que a política de Obama para a Ucrânia resume-se a algumas manipulações toscas, com objetivos imundos, influenciada pelo confronto global com a Rússia. O campo de batalha caminhou, do Oriente Médio, para as fronteiras com a Rússia. A União Europeia e a OTAN não apoiaram a intenção de Obama de atacar a Síria. Não há dúvidas de que a razão prevalecerá em Bruxelas.

Barack Obama tenta agora acalmar os europeus, dizendo que o mundo está mais seguro quando EUA e Europa mantêm-se lado a lado. Foi o que disse no final de março, quando a Europa vivia em pleno choque, depois de tomar conhecimento da opinião de Victoria Nuland, que não deixou dúvidas de que prefere a mediação da ONU, à da União Europeia. Foi bem clara:

Acho, para ajudar a colar essa coisa toda, melhor a cola da ONU e, você sabe, a União Europeia que se foda.

Victoria Nuland
Por que, depois disso, a União Europeia continuaria a seguir a orientação do Departamento de Estado? Obama disse que a Europa é o mais próximo parceiro de Washington no cenário mundial e que a Europa é a pedra fundamental do engajamento dos norte-americanos com o mundo. Difícil saber o que pensam os EUA, então, dos seus outros parceiros menores. Os EUA têm modo bem estranho de definir parcerias “próximas”.

A Agência de Segurança Nacional dos EUA continua a manter centenas de altos políticos europeus sob vigilância ininterrupta. Só resta a Obama manifestar simpatia, compaixão. Espionagem, chantagem, ameaças e provocações – eis o padrão corriqueiro da diplomacia dos EUA na Europa. Nem surpreende que o continente não esteja dando sinais de estar muito satisfeito com a política ofensiva do parceiro transatlântico.

É tudo desarranjo e confusão em Washington, como na Ucrânia. Não raro, o Departamento de Defesa vê as coisas de um modo, e o Departamento de Estado, de outro. O Congresso cuida de remar a própria canoa. O presidente sobe no muro, ou tenta correr com os cavalos e caçar com os cães, em vez de cuidar de definir claramente suas políticas. Não é por acaso, que tantas decisões de Obama andam na direção contrária à boa lógica: é reflexo de sua extrema irritação contra o resto do mundo externo à sua bolha.

O que aguarda o Afeganistão se assinar SOFA (Status of Force Agreement)
É o Afeganistão, que teima e teima, e não assina aquele acordo colonialista. É o Irã, que passa sem tomar conhecimento delas, por todas as provocações; e avança firme e consistentemente na direção de uma solução diplomática para o problema nuclear. É o governo legal e legítimo da Síria, que não “desce” nem se deixa derrubar; e nada de “mudança de regime”, por lá. É Israel e a Arábia Saudita, que se vão afastando do domínio pelos EUA. E, agora, é a Ucrânia – país sobre o qual os políticos norte-americanos não sabem nem o b, a, ba – e onde se meteram enlouquecidamente, fazendo deles mesmos motivo de piada em todo o mundo. Nenhum desses eventos passa despercebido, na Europa. A Europa está vendo tudo isso. 

A verdade é que a Europa está dividida. Os britânicos mantêm-se fiéis às táticas de fazer alianças temporárias, uma aliança para cada problema. Mas no caso da Ucrânia, Washington aceita qualquer aliança com qualquer um que se posicione contra a Rússia. Mesmo que, em vez de grandes aliados, só encontre fantoches: por exemplo, os Estados do Báltico, ou o governo da Geórgia. As declarações anti-Rússia desses governantes são frases perdidas no passado. E, além do mais, os Estados do Báltico cuidam para não ir longe demais: sabem perfeitamente que o equilíbrio militar regional pende a favor de Moscou.

A recente resolução sobre a Ucrânia adotada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [orig. Parliamentary Assembly of the Council of Europa (PACE)] parece ter sido urdida por seres extraterrestres.

A resolução “declara”, por exemplo, sem qualquer prova, do nada, que a Rússia planeja agressão militar não provocada contra a Ucrânia. Na sequência, os representantes da Geórgia foram os primeiros a propor aquela Assembleia Parlamentar suspendesse a Rússia da sua condição de membro. Ora! A Rússia paga 4% do dinheiro que sustenta aquela Assembleia Parlamentar: é um dos cinco principais mantenedores do orçamento da PACE! A parte boa é que os representantes da Rússia, agora, podem ignorar a Assembleia e tudo que se diga ou discuta-se ou decida-se naquelas sessões. Seja como for, é mais que hora de a Rússia separar-se de um fórum que só tem feito distorcer as políticas russas para a Ucrânia.

A França e seu "excepcionalismo" (The Economist)

À União Europeia só restou a via de alistar-se ao lado da Rússia, se quiser equacionar e resolver a questão da Ucrânia. Moscou sabe que o “velho continente” não tem voz de líder ou presidente que fale por toda a Europa, com o qual seja possível discutir alguma coisa. Portanto, para começar, os europeus têm de aprender a falar como uma única voz. Não é fácil. A Grã-Bretanha tem visão própria sobre o próprio “excepcionalismo”. A França, idem, também tem sua própria visão sobre o próprio “excepcionalismo”. Alemanha, Polônia, sempre a repetirem que têm “papel especial” a desempenhar... Até aqui, qualquer ideia de a União Europeia participar de conversações sobre a Ucrânia é ideia absolutamente abstrata. Os europeus só querem esquecer – e já esqueceram – que foi movimento para a integração da Ucrânia na Europa que disparou toda a confusão em Kiev.

O melhor que uma delegação europeia pode fazer é fingir que acredita que todos acreditam que a União Europeia tem posição unificada sobre a Ucrânia. Mas... não é posição que interesse à Alemanha – porque a Alemanha quer superar a crise na Ucrânia, mas sem que isso arranhe suas relações com a Rússia. E quer preservar, também, seu domínio sobre o Leste da Europa (e sabe que não conseguirá isso, se não cooperar estreitamente com os norte-americanos).

É hora de os políticos europeus ainda capazes de liderar alguma coisa, começarem a agir com independência e criticarem as políticas dos EUA, sob o prisma de seus próprios interesses, caso a caso.
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[*] Nikolai Bobkin é Ph.D. em Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para diversos sites e blogs tais como:Strategic Culture, Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.
 

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