quarta-feira, 30 de abril de 2014

Ucrânia: Relatório de Situação (SITREP) 30/4/2014 − Atualização − 1612 UTC/Zulu

EUA/UE e suas “sanções apavorantes”

30/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

“Ninguém espanta porco-espinho, só com bunda pelada”
[provérbio russo]



  • A China já criticou fortemente, oficialmente, todas as sanções; disse que não servem para nada.
  • Outras seis cidades no leste da Ucrânia rebelaram-se.
  • Dmitry Rogozin, Embaixador Extraordinário Plenipotenciário e vice-primeiro ministro da Rússia, encarregado da indústria da Defesa, declarou que a Rússia responderá palavras, com palavras; e ações, com ações. Por exemplo, disse que, se os EUA tentarem causar dano à indústria aeroespacial russa, os russos podem mandar astronautas, eles mesmos, para a Estação Espacial Internacional.
  • Oleg Tsarev, uma das figuras políticas mais populares do leste da Ucrânia abandonou oficialmente a corrida presidencial; disse que sua participação é impossível.
  • Mikhail Dobkin, figura destacada do Partido das Regiões, e amigo próximo do prefeito de Carcóvia, Gennadi Kermes – que sofreu atentado à bala e está em estado crítico num hospital israelense, declarou que também está pensando em desistir da candidatura à presidência.
  • Pilotos russos informaram que o sinal de GPS sobre a Ucrânia parece ter sido degradado pelos EUA. Os EUA fizeram o mesmo na Líbia, e durante o massacre de 8/8/2008 em Ossétia. Por sorte, a constelação de satélites GLONASS operam em plena capacidade (24) e já assumiram todas as frequências.
  • O Secretário de Estado dos EUA John Kerry: “Hoje, que a Rússia tenta mudar a paisagem de segurança da Europa do Leste e Central, temos de deixar absolutamente claro para o Kremlin, que o território da OTAN é inviolável e nós defenderemos cada polegada dele”.
  • Em Kiev, o Setor Direita e os maidanistas estão brigando entre eles. Turchinov admite que essa operação falhou: “Gostaria de dizer francamente que no momento as estruturas de segurança não conseguem retomar rapidamente sob seu controle a situação nas regiões de Donetsk e Luhansk. O pessoal de segurança encarregado da proteção dos cidadãos está sem apoio. Mais que isso, algumas dessas unidades ou ajudam ou cooperam com os terroristas. Nossa tarefa é, antes de tudo, deter a disseminação da ameaça terrorista para todas as regiões da Carcóvia e Odessa”.
  • Foi anunciado pelas autoridades militares na Rússia, que dois recém-chegados participarão do desfile do próximo dia 9/5/3014, “Dia da Vitória”, em Moscou: uma unidade da Spetsnaz, com os novos uniformes à prova de bala e rifles com silenciador; e uma unidade de Infantaria Naval da Frota do Mar Negro que levará a bandeira da República Russa da Crimeia. Pode-se facilmente imaginar a fúria dos attachés da OTAN, convidados para assistir ao desfile (como são sempre convidados, anualmente).
  • Boris Nemtsov, ativista neoliberal pró-EUA cometeu suicídio político, ao mostrar-se na TV da Junta de Kiev, e comparar Putin a Stálin. Não que tenha grande coisa a perder, dado que seu partido “Parnas” não descola do 1-dígito, nas pesquisas eleitorais.
  • Nemtsov, Khodorkovsky, Kasparov e Navalnyi e alguns outros, já são, absolutamente, cadáveres políticos.
  • No mesmo programa da TV da Junta de Kiev no qual falou Nemtsov, Iurii Lutsenko, conhecido nacionalista ucraniano, declarou, com ares de máxima seriedade, que “o código genético do povo ucraniano dá aos ucranianos a habilidade de viver longe de mentiras, mas o código genético de filhos de Gengis Khan os faz desejar viver em mentira e disseminar a sífilis patriótica”. Esse comentário sobre a “genética” soou particularmente cômico, porque Lutsenko estava sentado ao lado de um judeu (Nemtsov), em programa de TV cujo apresentador é judeu (Savik Shuster) e está co-organizando a conferência que convidou Nemtsov a Kiev com outro famoso judeu (Khodorkovsky). Fico pensando por que esses judeus, que são usualmente super sensíveis a questões “genéticas”, mantiveram-se calados e sorridentes enquanto um nacionalista neonazista afirmava, a sério, que os genes asiáticos dos russos os tornariam menos capazes de resistir a mentiras de uma suposta “raça” ucraniana.
  • EUA e União Europeia adotaram mais sanções simbólicas contra a Rússia, que só ajudam numa direção: convencer os russos de que o ocidente não pode tomar e não tomará qualquer medida punitiva significativa contra a Rússia.
  • Os EUA estão noticiando entusiasticamente que as sanções estão fazendo a Rússia sangrar horrivelmente, por efeito de uma fuga de capitais. Há uma certa saída de capitais, mas é capital especulativo, que, como aconteceu em 08/08/2008, está sendo sacado por plutocratas ocidentais, em movimento para ser “noticiado”; e rapidamente o dinheiro voltará para a Rússia. Até aqui não se vê qualquer sinal de desinvestimento, pela simples razão de que os plutocratas ocidentais não têm interesse algum em sofrer as consequências desse movimento.
Talvez eu já tenha escrito sobre ele, mas há um excelente ditado russo sobre ameaças vazias: “Ninguém espanta porco-espinho, só com bunda pelada”.

É precisamente o que EUA e UE tentam fazer agora: querem espantar a Rússia com sanções que ferirão muito mais EUA e EU, que a Rússia. E não só isso.

A simples noção de que impedir 15 ou 30 pessoas de viajar à Eurozona por seis meses abalaria a alma de gente que resistiu por 900 dias contra o cerco de Leningrado pelas forças alemãs (e que passou fome, frio, sede, sob raids aéreos diários da Luftwaffe) é risível.

A boa notícia é que Turchinov já admitiu que perdeu Lugansk e Donetsk Oblast [província], e que agora lhe resta impedir que os mesmos eventos atinjam outras partes da Ucrânia como as regiões de Odessa e Carcóvia.

Mapa atual  (quase) com todas as províncias (oblasts) da Ucrânia
(clique na imagem para aumentar) 
Minha sensação pessoal é que a Carcóvia também já foi. Mas Odessa pode ser mais complicada. E a situação em Dnepropetrovsk é ainda mais complexa.

O que pode acontecer é uma desintegração da Ucrânia, em duas etapas. Na primeira etapa, as regiões de Lugansk, Donetsk e Carcóvia separam-se e formam sua própria república independente. Na sequência, uma relativa calmaria, as futuras eleições presidenciais (assumindo-se que venham a acontecer), a questão das aposentadorias, os preços sobem e o fim, completo, do fornecimento de gás russo à Ucrânia. Então, ao longo do verão e início do outono, o resto da Ucrânia explodirá em protestos sociais, que empurrarão regiões como Odessa ou Zaporozhie a romper, enquanto os oligarcas e neonazistas combatem uns contra os outros pelo controle de Kiev.

Como fator mais poderoso, que afetará o processo de desintegração da Ucrânia, haverá o boom econômico da Crimeia. Se, ano passado, os ucranianos comparavam a prosperidade econômica dos russos e dos cidadãos da União Europeia, esse ano eles compararão a situação econômica na Ucrânia-da-Junta (que chamo de “Banderastão”) e a da Crimeia.

Quanto à República Popular de Donetsk, terá de se integrar á Rússia, mais cedo ou mais tarde, nem que seja por razões de segurança.

John Kerry
Daí que só resta rir da mais recente ejaculação de conversa fiada, de Kerry. O que, exatamente, significa(ria) “nós temos de deixar absolutamente claro para o Kremlin, que o território da OTAN é inviolável e que defenderemos cada palmo dele”?!

Será que Kerry acredita seriamente que alguém – qualquer pessoa, mas muito menos, ainda, os russos – acreditaria que os tanques russos estejam prestes a atacar a OTAN? E ainda falta(ria) explicar como, exatamente, a OTAN planeja lutar contra a Rússia, se a Rússia “já ocupou os Estados Bálticos” (que a Rússia não quer e dos quais a Rússia não precisa)...

Kerry está-se convertendo em bufão ridículo em tempo integral, que faz Hillary parecer racional.

Uma última coisa: Tenho ouvido que quase 70% dos norte-americanos não estão felizes com Obama nem com o modo como Obama está administrando a crise ucraniana; enquanto a popularidade de Putin não baixa dos 80% de aprovação.

Pode-se concluir que o povo russo e o povo dos EUA têm pontos de vista bem semelhantes. Azar, mesmo, da plutocracia parasitária que pôs no poder uma não entidade do quilate de Obama.


The Saker

Ucrânia, Rússia e China — Por que Putin está na alça de mira de Washington?

29/4/2014, [*] Mike Whitney, Counterpunch
Tradução de mberublue

Washington quer enfraquecer Moscou economicamente, cortando suas receitas do gás, erodindo assim sua capacidade de defender-se ou defender seus interesses. Uma integração econômica entre Ásia e Europa não interessa aos EUA. Uma possível aliança de fato entre Rússia e União Europeia seria uma ameaça direta à hegemonia global dos Estados Unidos.

Obama adestrando os "poodles"europeus no Nuclear Security Summit (24/3/2014)
As provocações dos Estados Unidos na Ucrânia não podem ser entendidas sem se entender antes o “Pivoteamento para a Ásia” de Washington, que faz parte de um plano estratégico mais amplo que transfira a atenção do Oriente Médio para a Ásia. Atualmente, o assim chamado “reequilíbrio” é um projeto para controlar, de maneira compatível com as ambições hegemônicas dos Estados Unidos, o crescimento da China. Há várias correntes de pensamento sobre como se poderia conseguir isso, mas falando bem simplesmente, elas acabam caindo em uma de duas categorias: “matadores de dragões” e “amigos do panda”.

Matadores de dragões são a favor de uma estratégia de contenção, enquanto os amigos do panda são a favor de uma espécie de noivado. Qual política será adotada ainda não foi objeto de escolha definitiva, mas já ficou claro, pelas hostilidades no Mar do Sul da China e Ilhas Senkaku, que o plano dependerá muito de força militar.

Então, o que é que controlar a China tem a ver com a poeira levantada na Ucrânia?

Tudo. Washington vê a Rússia como uma crescente ameaça a seus planos de dominação regional. Este é o problema: Moscou cada vez mais se fortalecendo com a expansão de sua rede de oleodutos e gasodutos para a Europa, através da Ásia Central. Não por outra razão, Washington decidiu usar a Ucrânia como o palco para um ataque à Rússia, porque uma Rússia forte e que esteja economicamente integrada com a Europa é uma ameaça à hegemonia dos Estados Unidos. Washington precisa de uma Rússia fraca e que não ameace sua presença na Ásia Central ou seus planos de controlar recursos energéticos vitais.

Atualmente a Rússia fornece cerca de 30% (trinta por cento) do gás natural usado na Europa Ocidental e Central, dos quais 60% (sessenta por cento) passam pela Ucrânia. O povo e as empresas da Europa necessitam desse gás para ou esquentar suas casas ou mover suas máquinas. O fortalecimento mútuo de vendedores e compradores é o que resulta das relações comerciais entre Rússia e União Europeia. Os Estados Unidos nada ganham com a parceria entre União Europeia e Rússia, sendo esta a causa que faz Washington querer bloquear o acesso de Moscou a mercados tão essenciais. Essa forma de sabotagem comercial é ato de guerra.

Ao mesmo tempo, as grandes companhias petrolíferas ocidentais pensaram que poderiam competir com Moscou construindo gasodutos alternativos, o que significaria atender à prodigiosa demanda da União Europeia por gás natural. Porém o plano falhou, e então Washington resolveu apelar para o plano B; interpondo-se entre os dois parceiros comerciais, os EUA esperam supervisionar de perto a distribuição futura de suprimento de energia e controlar o crescimento econômico em dois continentes.

Oleogasodutos existentes e projetos na Ásia Central e Oriente Médio
(clique na imagem para aumentar)
O problema que Obama et caterva terão será convencer o povo da União Europeia que seria do seu interesse pagar o dobro do que pagam em 2014 para aquecer as casas em 2015, porque é isso o que vai acontecer se o plano de Washington for bem sucedido. No empenho de cumprir esta meta, os Estados Unidos empreendem todos os esforços para atrair Putin a uma confrontação, e por isso a mídia o denuncia como terrível agressor e ameaça enorme para a segurança da União Europeia. Alcançariam a justificativa necessária para interromper o fluxo de gás da Rússia para a UE, mediante a demonização de Putin e, ao mesmo tempo, estariam enfraquecendo a economia russa, enquanto providenciariam novas oportunidades à OTAN para estabelecer bases operacionais no perímetro ocidental da Rússia.

Para Obama, não faz a menor diferença se o povo será explorado em relação ao preço do gás ou se simplesmente congelará até a morte no inverno. O que lhe importa mesmo é o “pivoteamento” para os mercados mais promissores e prósperos do próximo século. O que importa é destruir Moscou, cortando fundo nas suas receitas do gás e reduzindo sua capacidade de autodefesa, bem como de defender os próprios interesses russos. O que importa é a hegemonia global e dominar o mundo. Isso é o que realmente importa. Todo o mundo sabe disso. Tentar acompanhar os acontecimentos da Ucrânia como se fossem isolados do panorama geral é simplesmente ridículo, porque eles fazem parte da mesma estratégia doentia. Parece um filme antigo sobre a segurança nacional dos Estados Unidos, narrado pelo conselheiro Zbigniew Brzezinski em discursos sobre política externa – no que diz respeito aos EUA, não é lógico separar as políticas para a Europa e da Ásia:

Zbigniew Brzezinski 
Com a Eurásia desempenhando atualmente um papel decisivo no tabuleiro de xadrez da geopolítica, já não basta ter uma política para a Ásia e outra para Europa. No território da Eurásia, o que acontece com a distribuição do poder tem importância vital para a primazia global da América e seu legado histórico (O perigo da guerra na Ásia, World Socialist Web Site).

Tudo se resume ao “pivoteamento” para a Ásia e ao futuro do Império. É por esse motivo que a CIA e o Departamento de Estado americanos engenharam um golpe de estado com o fim de expulsar do poder o presidente Viktor Yanukovich, colocando em seu lugar uma marionete que obedecerá bovinamente às ordens de Obama. Por este motivo, o Primeiro Ministro imposto, Arseniy Yatsenyuk, ordenou duas “operações antiterror”: reprimir ativistas desarmados no oriente da Ucrânia que se opõem à Junta no poder em Kiev. Por este motivo, a Administração Obama tem evitado travar com Putin um diálogo construtivo destinado a encontrar uma solução pacífica para a crise atual na Ucrânia. Tudo isso ocorre porque Obama quer atrair Putin para uma prolongada e desgastante guerra civil que enfraquecerá a Rússia, colocará Putin em descrédito e fará a opinião pública pender para o lado dos Estados Unidos e da OTAN. Por que Washington afasta enfaticamente uma política que certamente faria alcançar o objetivo que supostamente se busca? Porque sim. Leiam um trecho de artigo publicado no site antiwar.com:

Vladimir Putin
Relatórios oriundos de Moscou dizem que o Presidente Putin “encerrou” todas as conversações com o Presidente Obama, e disse que não está interessado em falar com os Estados Unidos novamente sobre o atual desenvolvimento da crise, de suas ameaças e atitudes hostis.

Putin e Obama falaram regularmente por telefone sobre a Ucrânia em março e início de abril, mas Putin não tem conversas diretamente com  o presidente Obama desde 14 de abril, e o Kremlin informa não ver mais nenhuma necessidade de mais conversações. (Putin suspende negociações em meio às ameaças de sançõesAntiWar.com)

Ele nada tem a ganhar em conversações com Obama. Putin já sabe o que Obama quer. Obama quer guerra. Isso é assim, porque o Departamento de Estado e a CIA querem derrubar seu governo. Não é por outro motivo que o diretor da CIA John Brennan surgiu em Kiev justamente um dia antes da ordem de Yatsenyuk determinando a primeira tentativa de reprimir os ativistas pró Rússia no leste. É também por isso que o vice-presidente Joe Biden esteve em Kiev, “por coincidência”, apenas horas antes de Yatsenyuk lançar a segunda tentativa de repressão aos ativistas no oriente da Ucrânia. Finalmente, é por esse motivo que Yatsenyuk promoveu o cerco à cidade oriental de Slavyanski, enquanto prepara um ataque contra os ativistas pró Rússia. A causa de tudo isso é a crença dos Estados Unidos de que uma conflagração violenta serve aos seus interesses geopolíticos na área. É inútil conversar com esse pessoal sobre o assunto, o que levou Putin a parar de tentar.

Atualmente a administração Obama está forçando uma nova rodada de sanções contra a Rússia, mas os membros da União Europeia quanto a isso estão lentos, arrastando os pés. Segundo a RT:

Barack Obama
No momento, não há consenso entre os membros da União Europeia sobre quais medidas contra a Rússia seriam aceitáveis, ou mesmo se são necessárias disse uma fonte da diplomacia europeia à agência Itar-Tass.

Falando sob condição de anonimato, um diplomata afirmou que apenas uma invasão abertamente realizada pela Rússia contra a Ucrânia ou provas irrefutáveis de militares russos clandestinamente presentes na Ucrânia causariam uma mudança de posição da União Europeia em relação às sanções econômicas. “Até agora, todas as supostas evidências tornadas públicas tanto por Kiev quanto por Washington sobre o alegado envolvimento de agentes russos na Ucrânia se revelaram inconclusivas ou mesmo falsas (Estados Unidos falharam na imposição de sanções econômicas contra a Rússia através de seus aliados da União EuropeiaRússia Today).

Mais uma vez: o envolvimento de tropas russas no conflito é essencial para que Washington alcance seus objetivos.

No último domingo, a RT exibiu imagens de satélite mostrando forte acúmulo de tropas em torno da cidade ucraniana de Slavyansk. De acordo com o repórter da Rússia Today:

160 tanques, 230 APCs (blindados de transporte) e BMDs (blindados para operações de infantaria) e pelo menos 150 peças, de artilharia a lançadores de mísseis, incluindo “Grad” e “Smerch”, lança-mísseis múltiplos, foram deslocados para a área. Um total de 15.000 soldados se posicionam nas proximidades de Slavyansk, disse ele.

Sergey Shoigu, Ministro da Defesa russo, afirmou que o grande incremento de tropas ucranianas, assim como os exercícios militares e desenvolvimento adicional de forças armadas da OTAN na região “forçaram” a Rússia a responder com seus próprios exercícios militares... Se a opção de Kiev for a escalada de repressão aos insurgentes na Ucrânia oriental usando contra eles armas assim pesadas, então a Rússia se reserva o direito de usar seus próprios meios militares para deter a carnificina. (Tanks, APCs, 15,000 troops’: Satellite images show Kiev forces build-up near Slavyansk, Russia Today)

Tropas ucranianas pesadamente armadas próximas de Slaviansk. Imagem de satélite tomada em 25/4/2013 distribuída pela Ria Novosti
Por várias vezes Putin declarou que essa será a resposta, caso cidadãos de etnia russa sejam mortos na Ucrânia. Essa é a linha vermelha. Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia fez questão de reforçar esta mesma mensagem na entrevista concedida na última semana para Sophie Shevardnaze, repórter da RT. Lavrov, normalmente amável, condenou o ataque de Yatseniuk a civis na Ucrânia como “criminoso” e avisou que qualquer ataque contra cidadãos russos será considerado um ataque contra a própria Federação Russa.

A declaração foi seguida de uma preocupante movimentação de tropas russas na fronteira da Ucrânia, o que indica que a Rússia está em preparos para uma intervenção, para acabar com a violência contra civis. De acordo com a agência russa de notícias Star Tass, “o Ministro da Defesa, Sergey Shoigu, afirmou que “a partir de hoje, os exercícios dos grupos de batalhões táticos começarão nas áreas de fronteira com a Ucrânia.” Também a aviação efetuará voos de simulação de ações militares perto da fronteira.”

Então, esta é a situação: no fim das contas, parece que Putin acabará sendo levado para a batalha, conduzido pelas provocações de Obama. Mas será que as coisas tomarão mesmo o rumo que Obama acha que tomarão?

Será que Putin seguirá mesmo o roteiro escrito por Washington e deixará suas tropas no leste, onde serão atormentadas por guerrilhas fundadas e apoiadas pelos Estados Unidos e por neonazistas, ou tem alguma outra carta na manga como, por exemplo, uma rápida blitz até Kiev com imediata remoção da Junta governamental, chamando em seguida forças de manutenção que impeçam qualquer violência adicional, voltando em seguida para suas próprias fronteiras, em segurança?

Qualquer coisa pode acontecer e não demoraremos muito para ver sua implementação. Se o exército de Yatseniuk atacar Slavyansk, Putin enviará seus tanques e um novo jogo começará.
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[*] Mike Whitney é um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua própria empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha regulamente como articulista freelance nos últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o premio Project Censored por um reportagem investigativa sobre a Operation FALCON, um massiva, silenciosa e criminosa operação articulada pela administração Bush (filho) que visava concentrar mais poder na presidência dos EUA. Escreve regularmente em Counterpunch e vários outros sites. É co-autor do livro Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press) o qual também está disponível em  Kindle edition.
Recebe e-mails por: fergiewhitney@msn.com.


terça-feira, 29 de abril de 2014

Pepe Escobar: “Estratégia” de Obama contra Rússia “pária”

29/4/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 


O governo de Barack Obama parece amar o som (vídeo em inglês acima) de sanções unilaterais pela manhã. Talvez lhe soem com som de vitória.  

Sanções reais, duras à vera, se algum dia vierem a ser aplicadas, serão mais devastadoras para os poodles da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), não para Moscou. Enquanto isso, os adultos (da energia) continuam no business normal de sempre.

Não há como compreender a Guerra Fria 2.0, sem um flashback até novembro de 2010, quando Vladimir Putin falou diretamente à indústria/business da Alemanha, propondo uma comunidade econômica de livre mercado, de Lisboa a Vladisvotok.

O interesse alemão nesse relacionamento estratégico chave foi recíproco. Amplificado para outras nações, implica, no longo prazo, uma integração econômica/comercial plena entre União Europeia e Rússia, e, no quadro maior, um passo a mais na direção de Europa-Ásia. O que se traduz em anátema absoluto para a debilitada e viciada em Monopólio hiperpotência/hegemon.

Sergey Lavrov
Para toda a think-tankelândia dos EUA, que fala e teoriza a perder o fôlego sobre “contenção” de “estado bandido” – o que, só até aí já é de morrer de rir, como se a Rússia fosse a Somália – a abrangente “estratégia” do governo Obama seria algo sem paralelo no universo. Mas essa obra prima de diplomacia juvenil delinquente resume-se a ignore Putin.

Podem chamá-la de escola de diplomacia do “não gosto de você; não falo com você; estou de mal de você; tomara que você morra”. Comé que Talleyrand nunca pensou nisso?! Mas, com conselheiros tão espantosa, inacreditavelmente medíocres feito Ivo Daalder, ex-embaixador à OTAN, não surpreende que Obama não precise de inimigos.

All we need is Lavrov [1]

A histeria das sanções visa a obrigar o Presidente Putin a curvar-se aos desejos do hegemon, como parte da “estratégia”; criar um “consenso internacional” para “isolar” a Rússia; e fazer dela “estado pária”. “Estado pária” que não para de fazer meganegócios, (Rússia e Índia) como todos veem (Rússia e Irã).

Pois ainda assim o pensamento desejante-delirante predominante dá voltas em torno de algum “estrangulamento”, agora contra a Rússia – como foi insistentemente tentado contra o Irã (ao qual os iranianos resistiram bravamente). Dentro da bolha em que vivem, os “teóricos” desejantes-delirantes dos think-tanks já se autoconvenceram até de que Pequim “está conosco” [com eles], sem se darem conta de que Pequim vê claramente a histeria de sanções + “doutrina do ignore-Putin” como ramo do mesmo “pivoteêmo-nos para a Ásia” – que é, essencialmente, projeto para conter militarmente a China.

Barack Obama "pivoteando-se" nas Filipinas em 27/4/2013
No final, o Kremlin chegou à mesma conclusão: é inútil conversar com Washington. Afinal a lista de lavanderia do hegemon é sempre a mesma – o Kremlin não recebeu autorização de Washington para apoiar protestos no leste e no sul da Ucrânia; todo mundo tem obrigação de submeter-se aos neofazistas/aliados dos neofascistas mudadores de regime, de Kiev; e a Crimeia tem de ser “devolvida” – à OTAN – para que a OTAN consiga expulsar Moscou do Mar Negro.

O mais recente sonho molhado de Washington seria interromper os embarques de gás, pela Gazprom, da Rússia para a União Europeia – ato de sabotagem comercial, que Moscou interpreta como ato de guerra. Enquanto isso, o “Plano A” de Washington/OTAN ainda é induzir o Kremlin a uma “invasão”, de tal modo que Putin possa ser (como de fato já está sendo) pintado como “o novo Hitler” e como ameaça absoluta à União Europeia.

A isso se resume o coquetel-Martini “contensão/isolamento”, de arrogância, ignorância, impotência e temeridade. Finesse diplomática? Esqueçam Obama. Em termos de verdadeiro diplomata em ação, sintam-se à vontade para assumir que All we need is Lavrov.

De volta à Guerra dos Tronos/Game of Thrones [2]

Moscou tem várias vias para retaliar duramente, realmente, contra o hegemon: na Síria; no dossiê nuclear do Irã; na vergonhosa retirada da OTAN, do Afeganistão, pela Rede Norte de Distribuição que passa pela Rússia; no futuro do Afeganistão.

Vladimir Putin
Se a Casa Branca e o Departamento de Estado dos EUA quisessem realmente prestar atenção ao modo como Putin enquadra o relacionamento entre o Ocidente e a Rússia, o Kremlin já o repetiu várias vezes. A Rússia espera ser respeitada pelos “nossos parceiros ocidentais”, os quais, desde 1991 tratam a Rússia não como “participante independente e ativo nas questões internacionais”, “com interesses nacionais próprios a serem levados em conta e respeitados”, mas como se fosse nação atrasada ou perigosa, a ser descartada e “contida”.

Os registros históricos mostram claramente que Washington não respeita interesses nacionais de ninguém; a única coisa que conta é que os tais interesses de outros têm de estar subordinados aos interesses de Washington.

O Kremlin, em resumo, convidou Washington a jogar realpolitik. Não Monopólio. O governo Obama, no melhor dos casos – e já é muita generosidade – joga Bingo. Moscou joga xadrez. Movimento ensandecido para gerar caos nas fronteiras oeste da Rússia, e ares de quem “ignora” Putin, não mudarão em nada a defesa, pelo Kremlin, do que entende como interesses nacionais russos.

Putin joga xadrez com o "Ocidente"... Simultaneamente!
Digamos que o “projeto” era tomar a Ucrânia, expulsar Moscou da base em Sebastopol e, assim, do Mediterrâneo leste; e na sequência tomar a Síria, de modo que o Qatar – não Irã-Iraque-Síria – tivesse “seu” quinhão do Oleogasodutostão, via Jordânia e uma Síria governada pelos sunitas, em direção aos mercados da União Europeia. Esse “projeto” está fracassando miseravelmente.

Mas o jogo das sanções continua (como continuou contra Cuba, Iraque, Irã). A Casa Branca já está cozinhando mais do mesmo. Nenhum adulto na Europa acompanhará o “projeto”. Até os poodles farejam que o governo Obama não se qualifica, sequer, para jogar Jogos dos Tronos no PlayStation 3.




Notas dos tradutores

[1] Há ecos aí de All you need is love, dos Beatles, lançada em 1967. Perguntado, então, se seria canção de propaganda, Lennon respondeu: “Claro que sim. Sou artista revolucionário. Minha arte é dedicada a fazer mudar”. Ouve-se/Assiste-se a seguir

 [2] Título de um seriado de televisão: Game of Thrones. Trailer a seguir:
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.