sexta-feira, 28 de março de 2014

Moscou já sabe que, depois do golpe em Kiev, o “ocidente” tentará o golpe na Rússia

27/3/2014, [*] Sergei Markov, The Moscow Times
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Dica do prof. Luiz Alberto Moniz Bandeira, por e-mail. Grácias!

Ver também: 9/2/2014, redecastorphoto em: O Ocidente e a Ucrânia: cenários possíveis, Irina Lebedeva, Strategic Culture.

Barack Obama e Angela Merkel
Em conversa com o presidente Barack Obama dos EUA há algumas semanas, a chanceler alemã Angela Merkel teria dito que tinha a impressão de que o presidente Vladimir Putin viveria em outro mundo.

A frase, mal interpretada e fora de qualquer contexto, foi rapidamente repetida na imprensa-empresa ocidental e foi manchete durante dias.

Mas tudo sugere que Merkel – se disse o que se diz que teria dito – só o teria feito por não compreender a realidade da Rússia, o que acontece com muita frequência entre os “especialistas” ocidentais.

O golpe ocidental de 22/2 em Kiev foi só o aperitivo. O prato principal virá quando EUA e União Europeia se alinharem completamente à oposição na Rússia, na tentativa de mais um golpe, dessa vez tentando derrubar Putin e criar em Moscou um governo à moda Maidan.

Mas qual é a realidade russa? Se se fala da natureza dos conflitos na Crimeia e na Ucrânia, o entendimento que os russos têm desses eventos é em tudo diferente do que o ocidente vê – e divulga – nos mesmos eventos.

Na realidade russa, os protestos e o golpe de Maidan não fizeram a Ucrânia aproximar-se de mais democracia nem de governo legal, mas a empurraram na direção oposta: rumo à violência mais desbragada contra jornalistas, opositores políticos e cidadãos comuns. As autoridades do governo de Kiev estão sob controle de uma minoria extremista armada e violenta, que já planeja campanha de repressão em grande escala contra russos étnicos e outros grupos.

Do ponto de vista dos russos, não há governo legítimo na Ucrânia, depois que os “revolucionários” derrubaram o presidente democraticamente eleito.

Neonazistas ucranianos com braçadeiras estilizadas da suástica
Para nós, russos, a Ucrânia não tem autoridade soberana, porque os principais governantes do país não foram eleitos: foram nomeados, por trás das cortinas, pelos EUA. O que, se não isso, explicaria que o desconhecido Oleksandr Turchynov seja hoje presidente da Ucrânia, e Vitaly Klitschko, conhecido aspirante ao posto, mas não “eleito” pela vice-secretária de Estado dos EUA Victoria Nuland, tenha sido afastado? E por que e como Arseniy Yatsenyuk chegou a primeiro-ministro, apesar de não ser popular entre os ucranianos e de só ter sido “eleito”, exclusivamente, pela mesma sra. Nuland?

Os planos de Nuland para a Ucrânia tornaram-se afinal conhecidos depois do vazamento de uma conversa telefônica [“Foda-se a União Europeia”], semanas antes do golpe que derrubaria o presidente Viktor Yanukovych.

Pelo modo como os russos veem as coisas, os deputados ucranianos foram ameaçados e forçados a aprovar ministros que sequer conheciam. O que se vê é que a Ucrânia é hoje governada por uma junta composta de várias milícias. Além de Turchynov e Yatsenyuk, aquela junta inclui Andrei Parubiy, chefe do Conselho de Segurança e Defesa Nacional. Foi também chefe das forças de autodefesa da Praça Maidan, grupo armado que, em fevereiro, assumiu o controle das manifestações antes pacíficas, obedecendo ordens de Washington. A junta inclui também Dmitry Yarosh e Oleh Tyahnybok, chefes, respectivamente, das milícias armadas dos partidos neonazistas Setor Direita (Pravy Sektor) e Svoboda.

Quem são esses chefes? O que se ouve é que seriam nacionalistas, mas todos exibem símbolos neonazistas. Numa referência aos fascistas da IIª Guerra Mundial apresentam-se como seguidores de Stepan Bandera, Roman Shukhevych e do teórico fascista Dmitry Dontsov. Bandera e Shukhevych, como os russos sabem, juraram, ambos, fidelidade a Hitler. Entraram na Ucrânia em 1941 acompanhando a Wehrmacht, ou, mais precisamente, a SD – a divisão de inteligência dos nazistas alemães, onde serviam. Essa SD nazista forneceu armas, munição e empregos administrativos a extremistas ucranianos, nos territórios ocupados. Sob ordens dos alemães, esses extremistas combateram ativamente contra a resistência dos partisans soviéticos.

Neonazistas desfilam vestidos com a suástica estilizada e o retrato de Stepan Bandera
Os russos sabem também que, durante os três anos que Bandera passou, depois, num campo alemão de concentração de prisioneiros, sempre teve regalias, tinha um rádio e acesso à biblioteca. Em 1944, o líder nazista Heinrich Himmler retirou Bandera da prisão e o pôs de volta no serviço ativo, abastecido com dinheiro e armas.

Durante a Guerra Fria, os EUA e seus aliados usaram veteranos do grupo de Bandera em sua luta contra a União Soviética, fingindo ignorar seu passado de colaboradores dos nazistas. Mas os russos sempre vimos esses banderistas como fascistas e cúmplices de Hitler. Shukhevych, por exemplo, comandou o conhecido batalhão de execução e castigo Nachtigall, responsável por assassinato em massa de judeus e outros civis.

Hoje, os partidos Setor Direita e Svoboda atualizam muitas das ideias e práticas dos nazistas, usam símbolos nazistas estilizados, bandeiras nazistas e saudações nazistas (“Glória à Ucrânia – Glória aos Heróis”, saudação associada ao movimento dos nazistas bandeiristas). Esses dois grupos extremistas ucranianos pregam o antissemitismo, o ódio a outras etnias e povos, a russofobia, a glorificação de veteranos nazistas e são ativos “negadores” (negam que os nazistas tenham cometido qualquer crime).

Resultado disso tudo, os russos sabemos que os partidos Svoboda e Setor Direita não são “apenas” nacionalistas radicais, mas neonazistas de linha duríssima, que chegaram ao poder e agora controlam o governo e as principais forças policiais da Ucrânia.

Já havia dúzias de prisioneiros políticos na Ucrânia, mesmo antes de esses grupos tomarem o poder. No primeiro dia de “governo”, esse novo “governo” supostamente pró-Europa tomou a decisão de suspender a vigência da Carta Europeia para Idiomas Regionais e Minoritários; na sequência, fecharam todas as páginas do governo ucraniano distribuídas em língua russa; e proibiram as aulas dadas em russo, nas escolas. Quando a Corte Constitucional recusou-se a reconhecer o golpe, as autoridades neonazistas dissolveram a Corte e emitiram acusações contra todos os juízes.

Na Rússia, todos sabemos de tudo isso e, também, que militantes neonazistas mataram a tiros cidadãos que se manifestavam pacificamente em Carcóvia; sabemos também que os mesmos matadores receberam salvo-conduto para retornar a Kiev.

Quem conheça de perto essa realidade, vê que EUA e União Europeia agem irracionalmente quando abandonam o povo ucraniano à sanha das autoridades extremistas em Kiev e apoiam aqueles criminosos que hoje ocupam postos de governo em Kiev.

Quanto às sanções... Quem no mundo entenderá por que Andrei Fursenko, assessor do presidente Putin e ex-ministro, aparece naquela lista? Talvez... porque é proprietário de uma dacha na cooperativa Ozero?!

Os russos percebemos também que a lista de nomes “sancionados” foi diretamente copiada do artigo que o “vazador” Alexei Navalny publicara semana passada no The New York Times, imediatamente antes de as sanções serem anunciadas. A única explicação que os russos vemos para tudo isso é que o Departamento de Estado dos EUA está interessado em inflar o “prestígio” e a “influência” de Navalny na Rússia...

Barack Hitler, montagem de Maurício Porto (2014)
Aos olhos dos russos, ante a realidade da Rússia, a conclusão óbvia é que EUA e União Europeia tentam ajudar a oposição russa interessados, todos, em derrubar Putin e em implantar em Moscou um governo à moda neonazista de Maidan.

O plano para um golpe na Rússia? É simples: primeiro, instalarão em Kiev algum governante semelhante ao ex-presidente da Geórgia Mikheil Saakashvili – anti-Rússia cabeça quente e ambicioso, disposto a fazer o que o ocidente o mandar fazer. Depois, pagarão para rearmar o exército ucraniano [operação que muito interessa ao big business da indústria fabricante de armas]. Em seguida, em 2017 – às vésperas das eleições presidenciais na Rússia – despacharão para a Crimeia e também para outros pontos da Rússia, aquele exército ucraniano rearmado. Foi exatamente o que se viu acontecer em 2008, com o deslocamento de tropas georgianas.

Mas... será que o ocidente realmente crê que o presidente Putin receberá sem reagir essa agressão militar contra a Rússia?

A Rússia exige providências imediatas e acordo claro: que se constitua imediatamente uma nova coalizão de governo na Ucrânia; que os extremistas, ultranacionalistas e fascistas sejam desarmados; que se institua nova Constituição federalista e novo federalismo; que se deem garantias constitucionais de igualdade de direitos aos falantes de russo e de ucraniano; e que se realizem eleições limpas, livres e justas.

Mas, em vez disso, EUA e União Europeia só fazem ameaçar e insistir que a Rússia aceite sem qualquer reação o status quo.

Será que algum líder ocidental realmente supõe que Putin algum dia venha a aceitar o modo distorcido como o ocidente está apresentando as realidades em campo na Ucrânia?

De fato, ao insistir que Putin capitule, o ocidente vai, aos pontos deixando-o sem alternativas; só lhe restará a via de responder militarmente. E a história ensina claramente que diante desse tipo de dura realidade, a Rússia nunca escolheu a capitulação: sempre escolheu a guerra.





[*] Sergei Alexandrovich Markov (nascido na Rússia em 1958) é cientista político, jornalista e ativista social. Doutor em Ciência Política, professor assistente do departamento de Políticas Públicas da Faculdade de Filosofia da Universidade Estatal de Moscou, professor da Faculdade de Ciências Políticas no Instituto Estatal de Moscou de Relações Internacionais (MGIMO-University), diretor do Instituto de Estudos Políticos. Foi membro da "Comissão para combater tentativas de prejudicar os interesses russos por falsificar a história", que existiu entre 2009 e 2012. Atualmente é vice-presidente do Fórum Público de Assuntos Internacionais. Markov serve como co-presidente do Conselho Nacional Estratégico da Rússia e é membro do Conselho Presidencial para Facilitar o Desenvolvimento da Sociedade Civil e Instituições de Direitos Humanos da Federação Russa.

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