terça-feira, 11 de março de 2014

Luta entre os oligarcas na Ucrânia (2/2)

9/3/2014, Jessica Desvarieux entrevista [*] Aleksandr Buzgalin, TRNN  (Baltimore)
Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu

Ver também: 7/3/2014, TRNN em: Luta entre os oligarcas na Ucrânia (1/2)


JESSICA DESVARIEUX, Produtora de TRNN: Obrigada por nos receber outra vez, Aleksandr. Aleksandr é professor de economia política na Universidade Estatal de Moscou.

ALEKSANDR BUZGALIN: Obrigado a vocês pela oportunidade de discutir essas questões extremamente importantes para todos – especialmente para nós.

DESVARIEUX: São questões realmente importantes. Falemos primeiro, Aleksandr, sobre o que está acontecendo na Rússia. Os russos apoiam o movimento de Putin, de invadir a Crimeia?

BUZGALIN: Repito que, na Rússia, não se ouvem essa terminologia e essas expressões “intervenção na Crimeia” ou “intervenção na Ucrânia”. Na Rússia, estamos falando – quero dizer, a imprensa de massa, os funcionários etc. – sobre apoiar o povo da Crimeia, as pessoas nas regiões leste da Ucrânia, que não querem obedecer às novas leis fixadas pelo governo da Praça Maidan em Kiev e em regiões do oeste da Ucrânia, com apoio de forças ucranianas nacionalistas. E isso criou uma grande onda de nacionalismo russo.

Mas também é verdade que essa onde tem uma base real, porque no leste, no sudeste da Ucrânia, especialmente na Crimeia, a maioria da população são falantes de russo, e temos tradições e amizade muito antigas de vida em comum. Para nós, ter tropas da OTAN, por exemplo, na Crimeia, é algo como, digamos, sei-lá, a Marinha Russa aparecer e implantar-se em New York, no Rio Hudson. É equivalente. Qual seria a reação de norte-americanos, digamos ‘normais’, se a Rússia implantasse bases em New York? Nós somos muito pacíficos, os russos. É só uma imagem.

Outro exemplo. Por que estamos tão emocionais – e há muita emoção, não são só análises, na Rússia? Por quê? A situação é semelhante, por exemplo, na Bélgica. Você sabe que há uma parte que fala francês e outra parte fala flamengo, na Bélgica. O que aconteceria se passasse a ser proibido falar francês, a metade da população da Bélgica, em todos os graus, todas as universidades, todas as escolas, livros escolares, programas na televisão, a televisão estatal, tudo passasse a usar só o flamengo, nada mais em francês? Qual seria a reação da França e dos falantes de francês na Bélgica? Como reagiriam os europeus?

DESVARIEUX: Mas o primeiro-ministro já vetou essa lei, Aleksandr. E o presidente Putin a dizer que os russos na Ucrânia estavam sendo atacados... Quero dizer: as pessoas estão acreditando nisso? É que... Esse foi um modo pelo qual o presidente Putin conseguiu obter muito apoio na Rússia?

BUZGALIN: É a questão de não intervir com tropas. Espero que não haja intervenção, porque poderia ser uma provocação para guerra. E guerra entre a Ucrânia e a Rússia, isso, em primeiro lugar, é tragédia, mas também é algo extremamente negativo do ponto de vista moral, do ponto de vista cultural, em todos esses aspectos. É. Não se trata só de vítimas e problemas materiais. Há também grandes problemas morais e culturais. São muito importantes, porque temos aqui, muitos, muitos anos – temos centenas de anos de amizade. É importante.

Essa é a razão, do meu ponto de vista, porque na Rússia temos reais sentimentos de amizade pelos ucranianos e, especialmente, pela parte pró-Rússia da Ucrânia. A realidade é essa. Não é coisa artificialmente criada por Putin ou por outro qualquer. Há uma parte pró-Rússia da Ucrânia. É aproximadamente metade da população.

Mas há também os jogos geopolíticos, há também os objetivos geopolíticos, e há a tentativa de mostrar que a Rússia é hoje uma superpotência, e que todos devem levar isso em consideração.

Afortunadamente ou infortunadamente – não importa – mas a Rússia não é superpotência. E um dos países importantes do mundo, mas mais nada. E espero que encontremos solução pacífica, sem tropas russas e sem tropas da OTAN.

Mas se a Ucrânia passar a ser parte da OTAN – e a Crimeia, nesse caso, for base para a frota da OTAN e tal, Sebastopol será parte do território da OTAN. Isso será terrível, gerará todos os tipos de sentimentos negativos na Rússia. E haverá manifestações explosivas de massa contra isso, não só por causa do nacionalismo, mas também por causa de tradições históricas e heroicas, como já falamos. Quanto a isso, todo o cuidado é pouco.

DESVARIEUX: Sim. Bom que você tenha falado da OTAN, porque quero perguntar-lhe sobre sua perspectiva das elites políticas russas e de como estão preocupadas com os ucranianos tecerem laços mais próximos com a União Europeia. Putin também está preocupado? Se se criarem laços mais próximos com a União Europeia... eventualmente poderá implicar que se tornem parte da OTAN? Pode comentar um pouco esses aspectos?

BUZGALIN: OK. Para começar, União Europeia e OTAN não são a mesma coisa, mas, sim, há interconexão muito profunda entre elas. E essa interconexão não é, pode-se dizer, muito positiva.

De modo geral, as pessoas estão pensando em relações econômicas, culturais, políticas mais próximas com a UE, interessadas nos padrões da socialdemocracia europeia. Tudo isso é positivo.

Mas se se pensa que nos tornaremos parte das políticas da OTAN, que ataca, por exemplo, o Iraque... Isso é muito gravemente negativo. A verdade é que há um enorme ponto de interrogação, porque há uma enorme contradição, entre a OTAN e os valores da socialdemocracia europeia

E estamos pensando mais, não sobre os valores da socialdemocracia, mas sobre a OTAN. Por quê? Porque na periferia dos países da União Europeia veem-se bem poucos traços do modelo da socialdemocracia. Não há proteção social, ou só há muito pouca; nem justiça social – que só se vê, tipicamente, nos países escandinavos. Mas há muito interesse em usar esses ‘novos’ territórios que interessam à União Europeia, como partes para o processo de manipulação, para favorecer os objetivos da OTAN. Por isso a questão tornou-se tão tensa.

A imagem de que a OTAN não é organização amiga dos russos é também parte da realidade, infelizmente, também. Muito frequentemente, os russos temos dificuldades para entender contra quem a OTAN luta – contra o terrorismo? Mas, aqui, não é preciso implantar armas estratégicas. Contra a China? Mas isso, se é isso, ninguém diz. Contra a Rússia? Se é, ninguém diz.

Esse é um grande ponto de interrogação para todos os russos: a OTAN existe contra o quê? Contra quem? Por que não podemos criar um sistema internacional de segurança sob a supervisão da ONU? Por que alguém precisa da OTAN? E para os russos essas são perguntas importantes.

A militarização da Rússia é tendência negativa, mas para muitos é tendência compreensível, enquanto existir a OTAN. Eu não gosto nem de uma coisa nem da outra, nem da militarização nem dessas novas tendências na mentalidade dos russos.

Na Rússia também há gente que realmente defende o respeito aos direitos humanos, a proteção da soberania nacional e tudo isso...

Mas o que se vê com muita frequência são políticos dos EUA, a própria política da OTAN, todos com dois pesos e duas medidas, com padrões ambíguos. O que está certo para a OTAN não está certo para a Rússia. A OTAN pode iniciar uma guerra em qualquer região do mundo, sem a autorização dos russos. Mas a Rússia não pode fazer guerra em lugar algum do mundo, sem a autorização dos cidadãos russos. A OTAN se apresenta como os únicos policiais do mundo, só a OTAN, mais ninguém. Não sei se todos os países concordam com isso, no ocidente. O que sei é que, na Rússia, a maioria não aceita, a maioria não concorda com isso.

E há mais um aspecto. Há o aspecto negativo do comportamento de nossos liberais de extrema-direita, para os quais todas as decisões da extrema-direita ocidental estão sempre certas; todas as demais opiniões e decisões são más e estão erradas, e não importa quem tenha tomado uma ou outra decisão. Pode ter sido o presidente de Cuba, o presidente da Venezuela, o presidente da Rússia, o presidente da China: se Obama diz que é decisão errada, é errada e não se fala mais nisso.

Esse tipo de comportamento da intelligentsia da chamada “elite” russa de extrema-direita gera alienação e separa completamente essa chamada “elite” e a maioria dos russos; e vai provocando sempre mais e mais nacionalismo.

Por fim, há democratas e internacionalistas sinceros, como eu, como nossos amigos e como os que se reúnem na rede “Alternatives”, nos movimentos em defesa da democracia, de defesa de melhor educação etc., nós vamos ficando numa posição terrível.

Porque hoje, se se fala de democracia, para a maioria está-se falando da “democracia” das tropas da OTAN, implantadas pelas tropas da OTAN, não de verdadeira democracia de baixo para cima.

E cada vez que temos de discutir essa questão, é indispensável explicar que não se trata da geopolítica da OTAN, que é necessidade do povo russo, que nós e a OTAN dizemos coisas muito diferentes...

O mesmo acontece no caso da Ucrânia, por exemplo. Não sei se alguma praça ocidental apoiará a Rússia se for o caso de unir a Ucrânia à Rússia. Será que a ‘mídia’ ocidental apoiaria uma praça Maidan favorável à Rússia? Será que a imprensa ocidental publicaria que é perfeito que o povo da praça invadisse os prédios do governo que queria se unir à União Europeia?

Imaginem a cena, por favor: Yanukovich decide que a Ucrânia, sim, será parte da União Europeia; e o povo ucraniano diz que não, nós não queremos nos integrar à União Europeia... [Será que a imprensa ocidental daria ao evento contra a integração, o mesmo destaque que deu ao evento a favor da integração, que aconteceu quando Yanukovich decidiu que a Ucrânia não se integraria à UE?] O que acontece é que 50% dos ucranianos, ou bem perto disso, um pouco mais, um pouco menos, não querem ser integrados à União Europeia. Daí veio a Praça Maidan e a ocupação dos prédios que se viu.

Mas se acontecesse o contrário [o governo decide a integração e a Praça se manifesta contra], qual seria a reação dos EUA? Diriam “bravo, povos da Ucrânia. Querem ser parte da Rússia? Ótimo. Respeitamos a decisão de vocês. Gostamos da democracia de vocês!” É claro que isso jamais aconteceria. Aconteceria o contrário disso!

Na Rússia, entendemos que aconteceria o contrário. Que não haveria aplausos. Por isso nós não confiamos muito no apoio que o ocidente oferece só à chamada socialdemocracia ocidental, infelizmente.

DESVARIEUX: Muito obrigada. Aleksandr Buzgalin, professor da Universidade Estatal de Moscou. Obrigada por conversar conosco.

BUZGALIN: O obrigado a você, pela oportunidade de expor essas sugestões, provocativas e discordantes, mas importantes.

[fim da entrevista]



[*] Aleksandr Buzgalin é professor de Economia Política na Universidade Estatal de Moscou. É também editor da revista da esquerda democrática independente Alternatives, e coordenador do movimento social russo “Alternatives”, autor de mais de 20 livros e de centenas de artigos traduzidos ao inglês, ao alemão e outras várias línguas.


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