segunda-feira, 31 de março de 2014

Documentário: “Viva a Venezuela”

Comentário: Jacob Blinder
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu
Créditos: Inseridos no vídeo


O Documentário “Viva a Venezuela” atende a atualidade venezuelana, ao legado de Hugo Chávez e à Revolução bolivariana.


Muitas vezes de dentro e por fora do país caribenho algumas pessoas opinavam que o chavismo estava condenado a desaparecer devido o falecimento de Hugo Chávez. Ledo engano, essa revolução continua firme e forte simplesmente porque o povo desse país comprou a ideia do socialismo e dentro de uma visão de solidariedade internacionalista através do exemplo - mostra a todos os povos e países do mundo que é possível construir, sociedades que sejam mais justas e equânimes para seus habitantes.

HispanTV − um meio informativo do Irã que transmite em  espanhol −  procura reproduzir as realidades do mundo através de noticias, documentários, programas, filmes e seriados teve a iniciativa de disseminar esse documentário.

“Viva a Venezuela” foi realizado por cineastas ingleses e tem duração de 48 minutos. Seu áudio está em espanhol e inglês, mas legendado em espanhol quando isso se torna necessário.

Jacob David Blinder

Caso esse documentário seja vetado pelo YouTube  acesse o enlace a seguir que está diretamente vinculado ao HispanTV: Viva a Venezuela

Pepe Escobar − “A partida de xadrez Kerry-Lavrov”

31/3/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Não é partida de xadrez entre iguais – um joga xadrez; o outro, Monopólio. É como se o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, esteja adiando o xeque mate, enquanto o Secretário de Estado, John Kerry, dos EUA vai percebendo que tem pela frente o inevitável.

Como Lavrov já explicou repetidas vezes, a única solução possível para a Ucrânia é criar-se uma federação fluida, como parte de uma “profunda reforma constitucional”. Implica que o leste e sul da Ucrânia – os russos étnicos e também os sentimentalmente russos – devem ser amplamente autônomos. Há cerca de duas semanas, Kerry deu sinais de concordar que essas regiões ucranianas precisam ter mais poder para decidir. Mas então a Casa Branca recomeçou com sua blitzkrieg moralista – que coincidiu com a viagem do Presidente Barack Obama a Haia e Bruxelas. Mesmo assim, depois de jogo inconclusivo de quatro horas entre Kerry-Lavrov em Paris, o xeque mate está a caminho.

A solução russa é o mesmo plano que Moscou já propôs há poucas semanas, e foi outra vez discutido por telefone por Obama e o Presidente Vladimir Putin na 6ª-feira (28/3/2014) – telefonema que fez Kerry redirecionar seu avião para Paris. Cada região da Ucrânia, segundo Lavrov, poderá controlar a própria economia, impostos, cultura, idioma, educação e “conexões econômicas e culturais externas com países e regiões vizinhas”. É plano tão bom, que é aceito até por ex-guerreiros da Guerra Fria (ou guerreiros eternos da Guerra Fria, dependendo do “especialista” consultado) – como Henry Kissinger e Zbig Brzezinski.

O problema chave é que Washington se meteu empedernidamente na cabeça que o atual arranjo vigente em Kiev – também conhecido como o “Khaganato dos Nulands”, criado pela Secretária-Assistente do Departamento de Estado, Victoria Nulands – seria legítimo. Moscou vê ali um bando de putschistas e fascistas. E Washington ainda se recusa a pressionar para que Kiev aceite um sistema federal – único modo de permitir, dentre outras coisas, que o russo seja aceito como segunda língua oficial.

Victoria Nuland
A última dos norte-americanos é uma campanha massiva de propaganda, do gênero Os Vermelhos estão chegando, com imagens e “informações” sobre concentração massiva de soldados russos [1] na fronteira com a Ucrânia(a imprensa-empresa servil está falando de mais de 100 mil). (Tudo mediatamente macaqueado por O Globo, Terra, TV Cultura... da imprensa-empresa de macaqueação que há por aqui... [suspiro] NTs)

Kerry, por hora, está conseguindo, pelo menos, disfarçar os sintomas de histeria; já admitiu que Washington e Moscou concordam que é indispensável chegar a uma solução diplomática, nem que seja só para poder retornar ao mais novo meme posto em circulação, perfeitamente artificial, o tal “prelúdio de uma invasão”, inventado pelo Pentágono/OTAN.

A posição oficial de Washington continua a ser que Moscou “tem de” desarmar suas forças na Crimeia (não acontecerá); admitir observadores internacionais (Moscou talvez decida admitir); e recuar seus soldados para dentro da fronteira leste (Moscou diz que as tropas estão em manobras, e que ali não há um soldado extra, só os de sempre: menos de 20 mil). Lavrov, obrigado a repetir e repetir e repetir que não há qualquer plano russo para invadir a Ucrânia, já começa a expor Kerry ao mais perfeito ridículo.

Cuidado! Vem aí o Império do Caos

E há as próximas eleições presidenciais. Podem-se apostar rios de vodka: vai ser operação imundíssima. Os sabujos do partido Svoboda e do Setor Direita (Pravy Sektor) que estão hoje em posição de poder farão de tudo para falsificar resultados (porque sabem que não são o que se entende normalmente por “governo bem quisto pelos eleitores”). Depois que o cavalo da Chanceler alemã, Angela Merkel – o ex-boxeador “Klitsch” – abandonou o páreo, o líder é – e como poderia não ser?! – um oligarca: o bilionário, rei do chocolate, Petro Poroshenko. Já anunciou que não quer saber da solução de federalizar a Ucrânia; para ele, seria “plano de alguém por lá, no governo russo, que quer nos ensinar o tipo de sistema de governo que devemos ter”.

Trata-se sempre da Dominação de Pleno Espectro... Via OTAN

Mas, para começar, não se trata absolutamente de “democracia”. Os mudadores-de-regimes, como Kommersant noticiou, trabalham a pleno vapor para reescrever a Constituição ucraniana, com o Primeiro-Ministro, Arseniy “Yats” Yatseniuk exigindo que entreguem a redação final em, no máximo, duas semanas.

O tigre siberiano que está na sala e do qual não se fala é um detalhe, inegociável para os russos: Kiev tem de prometer oficialmente que a Ucrânia não se unirá à Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN. E todos nós sabemos, desde que foi instalado o Khaganato dos Nulands, que, aí, só se trata, mesmo, da expansão da OTAN comandada pelo Pentágono.

A “cenoura” que Putin exibe para Obama é algo que Putin também lhe disse ao telefone: o futuro da Transdnistria na Moldávia, na fronteira sudoeste da Ucrânia, tem de ser decidido por conversações em formato de 5+2: Moldávia, Transdnistria, a Organização para Segurança e Cooperação na Europa, Rússia e Ucrânia, mais a União Europeia e observadores norte-americanos. Mais uma vez, não se cogita de qualquer “invasão”.

Acima de tudo isso paira, sim, um fato já consumado e inafastável: a reincorporação da Criméia na Federação Russa. E não há volta possível – e EUA, UE e Kiev que espalhem quanta propaganda queiram espalhar.


Tudo isso, contudo, introduz mais um problema. O raciocínio de Putin para agir na Crimeia – depois que a inteligência russa descobriu um complô para reproduzir em Simferopol o golpe em Kiev – assumia, como pressuposto necessário, que só a autonomia da Crimeia não bastaria para proteger a região contra a ação dos mudadores de regime. O mesmo valeria logo depois no caso dos russos étnicos e falantes de russo no leste e no sul da Ucrânia. Implica dizer que as condições da autonomia – e a reforma da Constituição – terão de ser muito, muito firmes e sólidas e garantidas. E muito provavelmente não serão.

Onde está o botão Liga-Desliga desta coisa?

Seja como for, também é fato inamovível que nem EUA, nem União Europeia nem o Fundo Monetário Internacional (FMI) dão qualquer bola ao “povo ucraniano” (a Rússia, pelo menos, interessa-se pelo destino dos russos na Ucrânia). Outro problema posterior ainda mais sensível, assumindo-se que Washington e Moscou cheguem a algum acordo, é até que ponto alguém pode(ria) confiar na “palavra” do governo dos EUA. A Rússia tem experiência direta nesse assunto (Bush Pai prometeu a Mikhail Gorbachev que a OTAN não avançaria na direção do leste da Europa. E, sim, a OTAN avançou exatamente naquela direção – como geleca assassina, de filme B de terror).

Não se pode jamais perder de vista o Grande Quadro: como no caso do complexo Panopticon-orwelliano da Agência de Segurança Nacional, trata-se sempre, sobretudo, da aplicação da doutrina de Dominação de Pleno Espectro do Pentágono, que implica cercar a Rússia (via OTAN), movimento que se articula a outro cerco (esse, de estilo “pivô”), contra a China. A lógica que rege tudo isso nunca muda: é o Império do Caos em ação.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

Diplomacia infantilóide e neodemonização da Rússia

24/3/2014, [*] Frank Furedi, Spiked Online e 30/3/2014, 4th Media, Pequim
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A arrogância autista dos neodemonizadores da Rússia no ocidente é espantosa.

Vladimir Putin
Será que diplomatas e jornalistas ocidentais falam sério quando acusam o governo russo de estar lançando uma nova Guerra Fria? Será que realmente acreditam em sua própria retórica, quando dizem que Putin tem ambições expansionistas e quer reconstruir o Império Soviético?

Será que Hillary Clinton, ex-secretária de Estado dos EUA falava a sério quando disse que as ações da Rússia na Crimeia seriam semelhantes “ao que Hitler fez antes, nos anos 1930s”? Outros observadores anti-Rússia disseram também que a incorporação da Crimeia na Rússia seria análoga à anexação da Áustria pela Alemanha nazista nos anos 1930s. Será que toda essa gente acredita sinceramente na própria interpretação dos atuais eventos geopolíticos?

É sempre difícil, se não perigoso, especular sobre o processo mental que leva diplomatas poderosos e líderes políticos a dizer certas coisas. É especialmente difícil dar conta do significado da dinâmica que converteu a crise na Ucrânia em perigosa disputa internacional.

Em entrevista recente, um jornalista russo perguntou-me por que a imprensa-empresa ocidental tornara-se tão descuidada no trabalho de checar informações sobre a Ucrânia e, em geral, sobre a Rússia. Senti-me sem argumentos para responder e fui forçado a pedir tempo para pensar melhor.

Depois de analisar as declarações sobre a Ucrânia feitas por diplomatas ocidentais ao longo das duas últimas semanas, cheguei à conclusão, nada confortável, de que os motivos por trás da demonização da Rússia são decorrência de convicções sinceras. [1] Claro que há muita propaganda, distorções propositais e muita fantasia nessa campanha – mas a ‘'ideia geral'’ que a campanha manifesta foi tão profundamente internalizada por tantos no ocidente, que, agora, já constitui a realidade deles, uma espécie de para-realidade.

E o fato de que uma nova ninhada de pressupostos cruzados da Guerra Fria tenham-se autoconvencidos da ‘'verdade'’ da própria retórica pode ter consequências ainda mais desestabilizadoras do que se a campanha fosse só exemplo cínico de realpolitik à moda antiga. A realpolitik tinha o mérito, pelo menos, de ter raízes plantadas no mundo real; a atual campanha anti-Rússia, ao contrário, é baseada em confusão generalizada e, ainda pior, em autoengano.

A hitlerização infantil de Putin
Dois pesos e duas medidas

O autoengano do qual padece a atual diplomacia ocidental pode ser mais claramente percebido no modo como aplica dois pesos e duas medidas em suas avaliações dos assuntos globais. O autoengano simplório, quase infantil, do modo como o ocidente se posiciona em relação à Rússia foi-me apresentado, bem visível, em maio passado, numa visita a Budapeste. Depois de várias reuniões sobre o papel dos jovens na sociedade civil, tive oportunidade de conversar com jovens norte-americanos empregados de uma ONG que tem sede nos EUA e que trabalhavam na Rússia.

Durante a conversa, uma jovem ongueira, de Seattle, disse que muito se surpreendera ao descobrir que alguns funcionários do governo russo a tratavam como se ela fosse “agente de uma potência estrangeira”. Vários colegas dela também se mostravam muito surpresos ante o fato de eles e a ONG para a qual trabalham serem tratados pelos russos... ora bolas!... como o que eles e elas realmente são: empregados de organizações que promovem os valores norte-americanos em outros países.

Quando me mostrei surpreso ante a reação deles, e perguntei “Mas vocês não sabem que trabalham para uma organização estrangeira e, ainda mais importante, para uma organização que critica muito ativamente o governo do país onde vocês estão trabalhando?”, eles e elas simplesmente não entenderam a pergunta. Quando perguntei: “E como o governo dos EUA classificaria uma ONG russa que estivesse promovendo valores da Igreja Grego Ortodoxa nas ruas de NY”?, ninguém me respondeu.

Só quando perguntei qual seria a reação do governo do país deles, se um grupo de ongueiros de ONGs russas tivesse oferecido ajuda financeira e de pessoal para o movimento Occupy ou para o Tea Party, um dos meus interlocutores, afinal, reconheceu que eu talvez tivesse alguma razão.

O movimento Occupy Wall Street em New York City
Essa minha experiência em Budapeste mostrou-me o quanto é profunda a pressuposição autista, autorreferente, de autoperfeição, nas ações, e de retidão, nos próprios motivos, entre esses agentes que promovem valores ocidentais; a tal ponto, que jovens muito inteligentes, nem por isso, conseguiam ver que, claramente, estavam-se servindo de dois pesos e duas medidas: promover valores norte-americanos na Rússia seria “certo”; mas promover valores russos nos EUA seria “errado”. Por que pensam assim? Porque essa diplomacia de dois pesos e duas medidas é construída sobre o implícito de que haveria diferença essencial entre os países, no plano moral.

Esse pressuposto autorizaria os líderes ocidentais a “dar aulas” aos seus contrapartes estrangeiros sobre comportamentos certos e errados, aceitáveis e não aceitáveis. Diplomacia de dois pesos e duas medidas, que leva um lado a tratar o outro como se o outro lado fosse criança ou, no limite, como se fosse perfeito imbecil.

Observem, por exemplo, o à vontade com que importantes líderes políticos dos EUA e da União Europeia apareceram em Kiev, há poucas semanas, para manifestar sua solidariedade aos manifestantes golpistas.

Imaginem a reação, nos EUA e na Grã-Bretanha, se Putin ou algum alto governante russo aparecesse, distribuindo sanduíches em praças, no auge do movimento Occupy ou durante os tumultos de rua em Londres, e declarasse o apoio do governo russo aos grupos na rua. O ultraje seria cataclísmico. Mas, graças à diplomacia de dois pesos e duas medidas, com a Rússia tratada como se fosse criança, os líderes norte-americanos não veem problema algum em agir de modo que considerariam inaceitável, em outros.

Num ambiente global, onde o tráfego (tráfico?) cultural cresce sempre mais numa direção que na outra, com pequena variação e praticamente nenhuma oposição ativa, a Rússia é demonizada como sociedade atrasada e moralmente inferior, a ser condenada e, se necessário, a ser castigada, até que se modifique e aceite como seus os valores de seus críticos iluminados. E como ficam as coisas se o povo russo tiver outro padrão moral, diferente do que reina em Washington, Londres ou Hollywood? Pouco importa aos diplomatas que só sabem ver o próprio umbigo, especialistas em moral dupla, que querem-porque-querem que todos vejam o mundo como eles veem.

O ethos dos dois pesos e duas medidas é particularmente danoso no campo político. Formalmente, as elites culturais e políticas que dominam a sociedade ocidental creem nos ideais da democracia representativa. E falam da democracia representativa como pré-requisito para uma sociedade aberta.

Infortunadamente, contudo, a atual coorte de líderes ocidentais adotaram, de fato, uma atitude altamente seletiva e desonesta em relação à democracia. Entendem que eleições são maravilhosas, se eles são eleitos, ou partido ou candidato aprovado por eles. Se um partido não apreciado pelos iluminados diplomatas ocidentais vence eleições, então, para os norte-americanos, o processo democrático teria falhado; e os norte-americanos passam a trabalhar para a “mudança de regime” mediante golpe; e o golpe se torna(ria) solução legítima.

Assim, em dezembro de 1991, a Frente de Salvação Islamista obteve vasta maioria dos votos – 181 cadeiras, de 231 – no primeiro turno das primeiras eleições legislativas livres na Argélia. O exército da Argélia reagiu com cancelamento das eleições e entregou o poder a uma comissão de cinco membros não eleitos. Ouviu-se um suspiro de alívio no ocidente e – surpresa, surpresa! – nenhuma sanção foi imposta à Argélia em resposta àquele golpe de estado.

Ano passado, foi a vez de o Egito descobrir que, quando são eleitos “os errados”, o ocidente num segundo esquece seu compromisso com o princípio da democracia representativa. Outra vez, o golpe militar no Egito derrubou o islamista Mohamed Mursi; e outra vez não se ouviu qualquer pregação, pelos políticos ocidentais, em defesa das virtudes das instituições democráticas.

E assim chegamos à Ucrânia. O governo livremente eleito do presidente Yanukovich foi derrubado pelo que se conhece convencionalmente como golpe, ilegal; pois para a imprensa-empresa ocidental a coisa não passou de “desenvolvimento democrático”. Hoje, temos uma situação na qual a imprensa-empresa ocidental apresenta o novo governo ucraniano como entidade legal e, ao mesmo tempo, diz que o regime legal que realizou um referendo na Crimeia seria regime ilegal. Extraordinários dois pesos e duas medidas!

Claro, os que foram escolhidos pelo povo na Argélia, Egito e Ucrânia ao longo das décadas recentes não eram democratas agradáveis, de ideias arejadas. Nos últimos anos, os governos da Ucrânia, incluído o de Yanukovich, apresentaram poucas qualidades recomendáveis. Yanukovich, como virtualmente toda a elite política ucraniana, é membro de uma oligarquia corrupta e interesseira.

Mas, diferente de Oleksander Turchynov, que foi posto em seu lugar, Yanukovich, pelo menos, é oligarca eleito! Se os governos ocidentais agem como se não houvesse problema algum em derrubar governos eleitos que não os satisfaçam, o que aqueles governos ocidentais fazem e minar a autoridade moral da própria democracia.

Por isso na Ucrânia hoje a maior ameaça à democracia vem do comportamento dos que são cúmplices na desestabilização e no golpe que derrubou regime democraticamente eleito. Os que protestaram em Kiev tinham todo o direito de protestar e desafiar o governo. Mas, se o veredito das urnas pode ser tão facilmente desmoralizado, o maior problema é que a genuína política democrática está sendo desmoralizada. A política de dois pesos e duas medidas de Washington e da União Europeia em Kiev desmoraliza a autoridade da política democrática em toda aquela região.

Diplomacia Ocidental Infantil
Diplomatas infantilóides

Qualquer pessoa que acredite no que vê e lê na mídia ocidental encontrará motivos para pensar que a Rússia seria potência expansionista e agressiva, à espera de uma chance para capturar o vizinho estado da Ucrânia. Nada mais falso. A realidade é que, apesar de uma ou outra posição nacionalista do presidente Putin, a Rússia está convertida em potência em status quo defensivo clássico. Desde a ruptura da União Soviética, a Rússia viveu um processo no qual seu poder e influência só diminuíram.

A Rússia lutou para preservar posições no Cáucaso e enfrenta movimento islamista radical muito maior que qualquer das forças que desafiam diretamente as sociedades ocidentais. E em seu front oeste, a Rússia sente-se ameaçada por pressões políticas e culturais que lhe chegam da Europa. Nessas circunstâncias, é compreensível que muitos, na elite russa, sintam que próprio tecido nacional russo esteja sendo esgarçado.

A principal realização do ocidente, especificamente da diplomacia da União Europeia na Ucrânia, foi empurrar a Rússia para posição ainda mais defensiva. A ação da Rússia na Crimeia é, pelo menos em parte, uma reação ao que os russos percebem como interferência estrangeira sistemática na Ucrânia. Mas... o que a União Europeia esperava que acontecesse, quando tentou anexar a Ucrânia à sua esfera de influência?

Stephen Cohen
Como o professor Stephen Cohen observou, esse perigoso conflito foi desencadeado:

(...) pelo temerário ultimato, em novembro, feito pela União Europeia, para que um presidente democraticamente eleito em país profundamente dividido, escolhesse entre Europa e Rússia .

O ocidente alega que já vão longe os velhos tempos do século 20, quando potências globais buscavam consolidar e dominar suas esferas de influência. Mas, desde o esfacelamento da União Soviética, o que sempre se viu foram tentativas sistemáticas para aproximar das fronteiras da Rússia, cada vez mais, a esfera de influência ocidental. A linha que dividia Leste e Oeste mudou de lugar: saiu do meio de Berlim, para a fronteira da Rússia.

Nenhum russo, hoje, dará sinais de paranoia se sentir que seu país está sendo cercado e lentamente minado por forças hostis à sua própria existência. Diplomatas ocidentais que não percebam nem isso são, esses sim, os paranoicos que já perderam completamente o contato com a realidade geopolítica.

A União Europeia e os EUA agem como se não tivessem nenhuma responsabilidade pela crise na Ucrânia e pelas tensões nas relações entre o ocidente e a Rússia. É possível que o ocidente se tenha autoenganado a tal ponto sobre os assuntos globais, que já nem consiga ver o quanto o próprio ocidente é cúmplice na atual crise. Esse autoengano delirante implica que as regras normais que regem as relações internacionais já nada regem, substituídas por “sermões” e pregações do moralismo mais oco, sempre interessado em gerar a reação mais bombástica, na mídia.

Essa corrosão da diplomacia ocidental é hoje um real perigo a ameaçar a estabilidade global. Ela mina também a autoridade moral da democracia. Num certo ponto, a política dos dois pesos e duas medidas em assuntos internacionais desmoralizará a tal ponto os ideais democráticos, que até a integridade das instituições democráticas dos próprios países agressores também ruirá, minada por dentro.
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Nota dos tradutores
[1] Impossível não lembrar Film Socialisme (Godard, 2010): “O que nunca muda é que sempre haverá fascistas. O que mudou hoje é que os fascistas são sinceros”) [aqui traduzido]. Trailer a seguir:

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[*] Frank Furedi (nascido em 1947, em Budapeste , Hungria) é Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Kent, Reino Unido. É conhecido por seus trabalhos sobre Sociologia do Medo, Educação, Terapia pela Cultura, Paranoia Parental e Sociologia do Conhecimento.
Nos últimos anos, seu trabalho tem sido orientado para explorar a Sociologia do Risco e Baixas Expectativas. Furedi, autor de vários livros sobre o tema, mais recentemente escreveu Wasted: Why Education Isn't Educating (Continuum 2009) e Invitation to Terror: The Expanding Empire of the Unknown (Continuum 2007), uma análise do impacto do terrorismo pós 9 / 11. Suas publicações mais recentes: On Tolerance: A Defence of Moral Independence (Continuum 2011) e Authority: A Sociological Introduction (Cambridge University Press), debatendo os problemas de inter-relacionamento entre liberdade e autoridade. Ele é, segundo pesquisas, o sociólogo mais citado na imprensa britânica.

Para criticar a “mídia”, é preciso dar nomes aos bois!

A PROPÓSITO DE: 28/3/2014, [*] Glenn Greenwald, The Intercept [excerto]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 
A hipocrisia de tratar o Rei Abdullah como democrata e Maduro como ditador

Entreouvido na Viela do Xixi na Vila Vudu: Esse artigo não é nenhuma brastemp, não tem novidade, ainda não é propaganda política de democratização, mas já é jornalismo de democratização E É MUITO BOM, como exemplo disso. Greenwald é jornalista liberal e ainda crê no jornalismo liberal. Além disso, trabalha em ambiente de (muuuito) melhor jornalismo, que nós, cá no Brasil, condenados todos ao monopólio e à mediocridade quase INACREDITÁVEL do “jornalismo” das empresas imprensa do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão). Mas até Greenwald, por jornalista liberal que seja, JÁ SABE que se pôr a criticar “a mídia”, sem dar nomes aos bois, é perder tempo e energia.
Criticar “a mídia” só faz algum sentido e tem alguma serventia no mundo real, se a crítica inclui nome, RG, CPF, profissão e residência , bem divulgados, dos agentes da tal de “mídia”, os próprios jornalistas (editores e repórteres, todos, agentes discursivos MUITO MAIS DIRETAMENTE ATIVOS de fascistização da opinião pública, até, que os patrões deles), caso a caso: é indispensável dar nomes aos bois.
Ou só se critica uma palavra (a tal de “mídia”) e não se critica nem o pensamento (sujo) nem o serviço (ainda mais sujo) que OS JORNALISTAS, alguns políticos que sabem servir-se da tal de “mídia” e seus marketeiros são pagos para fazer e fazem (e alguns, jornalistas empregados fascistas sinceros, fascistas convictos, fariam também, igualzinho, mesmo que tivessem de PAGAR pra fazer).
Vejam aí que a crítica é personalizada, dirigida, nome, história, profissão e endereço e tuuuudo.

 
Tommy Vietor em casa
Tommy Vietor foi porta-voz do Conselho de Segurança Nacional do presidente Obama, no primeiro mandato. Deixou o posto para criar uma empresa de consultoria (associado a Jon Favreau, que escrevia discursos para Obama), a serviço da qual pôs seus contatos na Casa Branca, para construírem estratégias de ação nas redes sociais e na mídia em geral para empresas que negociam (grandes negócios) com o governo. Sua sala de trabalho, hoje, é adornada com pôsteres do presidente Obama (como se vê no vídeo).

A função de Vietor [não são INCRÍVEIS esses jovens empreendedores?! 8-))))))) [NTs]), que ele cumpre aplicadamente é simples: expressar e incorporar as ideias mais definitivas, mais convencionais, do que a Washington imperial pensa sobre ela mesma.

Na 2ª-feira (24/3/2014), Vietor foi ao Twitter, para atacar publicamente Oliver Stone, por ter manifestado seu apoio ao governo de Maduro na Venezuela:


[no tuíto:] @Oliver Stone: Como você pode apoiar Maduro, quando ele mantém ilegalmente presos líderes da oposição como #LeopoldoLopez?

Aí, claro, nada se vê além da velha tática preferida da Washington oficial: fingir cinicamente que se preocupa com direitos humanos, ao mesmo tempo que trabalha para minar governos que não obedeçam às ordens dos EUA.

Para os tommy vietors do mundo, o governo de Maduro não é ruim porque “mantém ilegalmente presos líderes da oposição”; é ruim porque se opõe a políticas dos EUA, recusa-se a obedecer ordens dos EUA e derrota, em eleições livres e populares, os candidatos neoliberais subservientes preferidos dos EUA. Até aí, nada de novo.
 
Tommy Vietor, vestindo trajes patrióticos
A coisa para de me parecer cômica, contudo, quando vejo a habilidade dos tommy vietors do mundo para convencerem, em primeiro lugar eles mesmos e, na sequência, também outros, de que conseguem distribuir esse tipo de “comentário”, sem serem imediatamente arrastados para praça pública, em desgraça. A mesma pessoa que invoca preocupações com direitos humanos a ponto de condenar publicamente Stone por apoiar governo democraticamente eleito na Venezuela passou anos apoiando tiranias – essas sim! – brutais e viciosas, que jamais foram eleitas para governar coisa alguma.

O governo Obama, do qual Vietor foi porta-voz, várias vezes forneceu armas ao governo do Bahrain para esmagar brutalmente manifestações democráticas de opositores do ditador. O mesmo governo Obama apoiou vigorosamente o repelente regime de Mubarak, aliado dos EUA por muito tempo, até que a queda tornou-se inevitável; Hillary Clinton, logo depois de nomeada Secretária de Estado, não teve pejo:

Realmente considero o Sr. e a Sra. Mubarak amigos de minha família.

Obama várias vezes abraçou os monarcas do Qatar, dos Emirados Árabes Unidos e do Kuwait. E tudo isso, independente do apoio político, financeiro, diplomático e militar inigualável que os EUA dão com prodigalidade a Israel, mesmo depois de décadas ininterruptas de ocupação, repressão e agressão aos palestinos.

E há também o mais íntimo dos aliados dos EUA, o principal, que é também uma das ditaduras mais brutalmente repressivas do mundo: a Casa de Saud. Durante o mandato de Vietor, o governo Obama revelou planos para entregar aviões de guerra à Arábia Saudita, negócio de mais de US$ 60 bilhões, o maior negócio de vendas de armas nos EUA em toda a história, e “conversações com o reino saudita sobre upgrades nos sistemas naval e de mísseis de defesa que poderiam chegar a mais dezenas de bilhões de dólares”.

Há cinco meses, o Pentágono anunciou “planos para vender à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos US$ 10,8 bilhões em armamento avançado, incluindo mísseis Cruiser ar-terra e munição de precisão”, um pacote que “inclui as primeiras vendas dos EUA a aliados no Oriente Médio das novas armas fabricadas por Raytheon e Boeing que podem ser lançadas à distância pelos aviões F-15 da Arábia Saudita, e F-16 dos Emirados Árabes Unidos”.

A Casa Branca de Obama repetidas vezes afirmou sua forte parceria com a tirania saudita.

Hoje [anteontem, 28/3/2014)], Obama chega a Riad, para garantir aos monarcas sauditas que os EUA continuam tão firmes como sempre na íntima parceria entre os dois governos, e tentar acalmar as ansiedades sauditas. Vai-se encontrar com o rei Abdullah, “terceiro encontro entre Obama e o rei, em seis anos”.


(...) tentar suavizar as relações com a Arábia Saudita, mostrando ao antigo aliado dos EUA que não está esquecido.

De fato “altos conselheiros do presidente dizem que a visita é um investimento numa das mais importantes relações dos EUA no Oriente Médio”.

Se você quer justificar tudo isso e argumentar cinicamente que seria benéfico para os EUA apoiar tiranias brutais e repressoras, OK, vá em frente. Pelo menos, será falar conforme age, postura honesta. Mas não se ponha a falar como se os EUA fossem alguma espécie de bastião contra a repressão política e a violação de direitos humanos, quando já se sabe que a verdade é, tão dolorosamente, o contrário disso.

E se você já trabalhou tanto, por tanto tempo, para garantir todos os tipos do mais irrestrito apoio vital a todos os regimes mais brutais do mundo, não se meta, agora, a fazer pose de líder da gangue, a criticar os que defendem governos mais democráticos e benignos.



[*] Glenn Greenwald (6 de março de 1967) é advogado um norte-americano, especialista em Direito Constitucional  dos EUA, colunista, blogueiro, comentarista político e escritor estadunidense. Atualmente (2014), vive no Rio de Janeiro Brasil. Divulgou, inicialmente através do jornal britânico The Guardian, as informações sobre os programas de Vigilância Global dos Estados Unidos, que vieram as claras através dos documentos fornecidos por Edward Snowden. Foi colunista do sítio Salon.com, do jornal britânico The Guardian e atualmente, desde o início de 2014 lançou o site de notícias The Intercept, uma publicação da First Look Media, criado pelo próprio Glenn Greenwald juntamente com Laura Poitras e Jeremy Scahill.3
Greenwald é premiado colunista de política nos Estados Unidos  e autor dos best-sellers, How Would a Patriot Act? (2006), A Tragic Legacy (2007), e Great American Hypocrites (2008). Suas análises sobre a vigilância governamental americana e a Teoria da separação dos poderes são usualmente citados nos jornais The New York Times, The Washington Post e  em debates no Senado e na Câmara de Representantes dos EUA.