quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O Império e a “faca só lâmina” [1]: exércitos globais + ONGs [2/4]

Dividir nações soberanas & substituí-las por sistemas de administração global

12/2/2012, [*] Tony Cartalucci, Blog Land Destroyer  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu (sugestão do Chico Villela)

Leia antes:


Parte 2: A administração imperial britânica (as proto-ONGs)

Imperialismo
(clique na imagem para aumentar)

Livro de valor inestimável para compreender a administração imperial britânica é Colonial Georgia: A Study in British Imperial Policy in the Eighteenth Century [Georgia Colonial: Estudo sobre a política imperial britânica no século 18]. Editado pela editora da Universidade da Georgia, o livro é resultado bem-sucedido do projeto do autor, Trevor Reese, de “ilustrar praticamente todas as facetas da política colonial britânica”, usando o estado da Georgia, EUA, para estudo de caso.

A colônia britânica da Georgia – hoje, no sul dos EUA – foi fundada, essencialmente, como uma proto-ONG; especificamente, nesse caso, como organização dedicada a “reformar as prisões”. O que o projeto de fato fez foi identificar, dentre prisioneiros das prisões londrinas, os que pudessem ser mandados para a Georgia, na América, para trabalhar pela Coroa Britânica.

A operação, que começou como “Dr. Bray & Associados”, e adiante se converteu em “Acionistas para o Estabelecimento da Colônia da Georgia na América”, ou, simplesmente, Georgia Trustees [Acionistas da Georgia], reúne, sob o mesmo rótulo, vários cooperados de bom coração e nobres intenções, dedicados a explorar a tragédia humana, em benefício da elite endinheirada.

Uma das faces do selo dos “Acionistas da Georgia”  com o lema, em latim: Non Sibi Sed Aliis, que significa “não para si, mas para os outros”. Era, sim, uma proto-ONG, um “sistema de administração”. O selo mostra uma lagarta (“bicho-da-seda”), uma folha de amoreira e um casulo. Perfeitamente claro: a lagarta comerá a folha de amoreira para produzir o fio, que fará o casulo e, dali, a seda... que a nova colônia britânica da Georgia logo estaria exportando para Londres, para fazer prosperar o império; riqueza “para os outros”, claro!
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Ainda que haja quem argumente que seria ótimo para os prisioneiros londrinos serem mandados para a Georgia, a questão é ditar o destino de uns seres humanos para lucro de outros, sem informar às vítimas, de que bem poderia acontecer de a ‘vida nova’ na Georgia converter-se em obrigação de guerrear para defender a expansão do império britânico no Novo Mundo. A mesma análise de custo-benefício se fez também para outra prática essencialmente imoral: a escravidão.

O protestantismo inglês também foi precursor das Organizações Não Governamentais (ONGs) como as conhecemos hoje. As denominações religiosas dividiam-se conforme as linhas das divisões políticas no século 18 na Europa. E quando navios carregados de Protestantes foram enviados rumo à Georgia, com eles vieram também as redes políticas nas quais estavam inseridos aqueles Protestantes. Mais uma vez, intenções nobres foram – e continuam a sê-lo até hoje! – usadas como fachada para devotados ‘militantes da causa’, sempre a serviço, de fato, da igreja do Império, cujo real projeto era construir, de alto a baixo, uma rede de pessoas convencidas da nobreza, decência, dignidade de seus atos, quando, as próprias pessoas, de fato, são como bucha de canhão para cada um de seus respectivos impérios.

Desgraçadamente, apesar das nobres intenções e grandes obras de muitas daquelas pessoas, quando a Coroa precisou daquelas mesmas redes sociais de pessoas para promover causas menos nobres, usou a doutrinação organizacional para empurrar gente para suas outras lutas. E, exatamente como fazem as ONGs contemporâneas, as organizações religiosas e protestantes mantinham contato e interface ativa e apoiavam diretamente os administradores regionais; no caso da Georgia, apoiavam e colaboravam ativamente com os “Acionistas da Georgia” [ing. Georgia Trustees].

No livro de Reese, lê-se, à pág. 21 [aqui traduzido]:

(...) ao aprovar o projeto Georgia, o Governo Britânico não foi motivado por nenhuma intenção de caridade como as que inspiravam os “Acionistas da Georgia”. O Ministério absolutamente não tinha qualquer interesse em minorar o sofrimento de devedores insolventes e desempregados; só o interessava a defesa do Império.

Assim também, há hoje nas ONGs gente sinceramente inspirada e dedicada a tentar salvar alguns desgraçados, motivada, essa gente, para fazer caridade, como os “Acionistas”. Mas, de fato, só ajudam a atrair cada vez mais “adeptos” para as causas que mobilizam seus patrocinadores, os quais, se comece por onde for, acabam sendo sempre algum George Soros, alguma Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), algum National Endowment for Democracy do Departamento de Estado dos EUA, e outros promotores do imperialismo fascista-empresarial global.

Os interesses do Império Britânico na colônia norte-americana da Georgia eram interesses econômicos, sob uma farsa-fachada de “altruísmo” inventada para povoar e administrar a colônia.

Outro traço característico do imperialismo é manter a situação de dependência dos colonizados. À pág. 27, diz Reese:

(...) o risco [do ponto de vista da Metrópole] dessas províncias tornadas privadas está no estímulo que oferecem para a instalação de autoridades independentes, o que contradizia todo o princípio da colonização.

No contexto do mercantilismo – essencialmente, a exportação de matérias primas das colônias para ser beneficiada [refinada] na Europa e, então, importada de volta para as colônias como bens manufaturados – tudo visava a construir a dependência mais servil, tanto política quanto econômica, apesar do fato de que, mesmo nesses casos, podem-se encontrar inúmeros traços de “democracia” nas colônias.

O conceito contemporâneo de acordos de “livre comércio” afirma que recursos, manufatura, refino e consumo são também interdependentes na escala global, apesar da evidência de que a tecnologia existe hoje para garantir que todos os estados ou províncias – para nem falar de nações inteiras – pareçam economicamente independentes.

 Apesar das boas intenções, das causas religiosas e da lealdade à Coroa, a destinação final de todas essas boas intenções era a “Câmara de Comércio” que gerenciava o fluxo permanente de riqueza que saía das colônias britânicas diretamente para Londres. 
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Como as Organizações Não Governamentais (ONGs) de hoje, as redes administrativas que ergueram o Império Britânico foram, em muitos casos, inteiramente dependentes de dinheiro que lhes chegava de Londres, dado que eram raros os locais dispostos a colaborar. Reese observa (pág. 39, aqui traduzido) que “a carência constante de dinheiro tornou os “Acionistas da Georgia” permanentemente dependentes do Parlamento inglês, sem cujo apoio a colônia deles não poderia ser mantida”.

O império britânico cuidou atentamente de manter o equilíbrio nas “doações”, de modo que não faltassem recursos para que suas redes coloniais pudessem fazer o que tinham de fazer, mas de modo que jamais recebessem o suficiente para ser independentes. A política financeira correspondia aos padrões imperiais, e as políticas locais, das administrações locais, eram interconectadas com a “Câmara de Comércio”, em Londres. – Exatamente assim, hoje, as ONGs locais são ligadas a organizações internacionais, segundo regras e normas definidas por instituições internacionais. [2]

Reese anota, no epílogo, palavras de Vincent Harlow, que disse, falando da possibilidade de a Georgia vir a tornar-se independente da Grã-Bretanha:

(...) as mentes dos homens realmente já concebem novas noções e planejam novos projetos, mas todos brotados do mesmo pensamento antigo e sob a influência potente de características fixadas há muito tempo.  





Notas dos tradutores
[1] É imagem-criação de João Cabral de Melo Neto, no poema A faca só lâmina: “assim como uma faca / que sem bolso ou bainha / se transformasse em parte / de vossa anatomia”. Lê-se, na íntegra, na Revista Bula.. Recolhemos aqui, para traduzir o título original “Empire’s Double Edged Sword: Global Military + NGOs”.
[2] De onde se conclui que o presidente Vladimir Putin, que sancionou lei pela qual empregados de ONGs mantidas por dinheiro que lhes venha do exterior são definidos como “agentes estrangeiros” [na prática, quase como espiões estrangeiros], sabia bem o que fazia:

A lei diz respeito a organizações que recebem dinheiro do exterior e envolvem-se em questões políticas domésticas da Rússia. A Rússia decidiu que tem de preservar a vida política nacional contra qualquer interferência exterior. Além disso, entendemos que temos de ser informados sobre o que acontece na esfera do financiamento dessas ONGs – disse Putin, numa conferência de imprensa, ao lado do presidente da Finlândia (25/6/2013, Ria Novosti, em: NGO Law to Protect Russia from Foreign Interference – Putin)
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[*] Tony Cartalucci é um pesquisador de geopolítica e escritor sediado em Bangkok, Tailândia. Seu trabalho visa cobrir os eventos mundiais a partir de uma perspectiva do Sudeste Asiático, bem como promover a auto-suficiência como uma das chaves para a verdadeira liberdade.

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