terça-feira, 5 de novembro de 2013

O futuro do Afeganistão (3/3)

12/10/2013, [*] Nikolai BOBKIN, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Leia antes:


Mapa político do Afeganistão e suas fronteiras
(clique no mapa para visualizar)
Washington não exclui que a repetição do cenário da Síria, causado pela retirada da OTAN do Afeganistão, pode resultar em vantagem estratégica a favor de seus interesses. O caos controlado é método conhecido e testado. Uma possível guerra no Afeganistão permitirá aos norte-americanos controlar os uigures da Região Autônoma de Xinjiang; manter a instabilidade nas vizinhanças das fronteiras do Irã; e exacerbar as relações entre Índia e Paquistão. E os EUA terão base a partir da qual pressionar contra a Ásia Central. A partir de 2014, o Afeganistão deve converter-se em grave problema de segurança para a Rússia...

Com seus aliados – membros da Organização do Tratado de Segurança Coletiva [ing. Collective Security Treaty Organization (CSTO)] – a Rússia planeja, em ritmo de urgência, medidas de segurança que, de fato, já deveria ter tomado há muito tempo. No final de setembro, houve uma reunião da CSTO em Sochi, prévia à grande conferência, na qual a Rússia foi eleita para a presidência da organização, também antes do previsto. Presidentes da Rússia, Bielorrússia, Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão conversaram sobre passos práticos pelos quais enfrentar os aspectos principais do problema de segurança. Si vis pacem, para bellum (Se quer paz, prepare-se para a guerra).

Dia 1/10/2013, a Câmara Baixa do Tadjiquistão ratificou um acordo sobre o status da 201ª base militar russa. Assinado em 5/10/2012, em alto nível, o acordo da base militar russa tem vigência até 2042. Com as forças tadjiques, a base garantirá a segurança do Tajiquistão. A Rússia já começou a transferência ao país, de um pacote de $200 milhões de ajuda militar. Equipamentos para a força aérea e outros materiais de guerra serão transferidos gratuitamente para as forças armadas tadjiques.

Vladimir Putin e Emomalii Rahmon inauguram a 201ª base russa  no Tadjiquistão
Segundo os especialistas, há passos a serem empreendidos com urgência; por exemplo, o deslocamento de guardas russos de fronteira para cobrir os quase 1.500km de fronteira entre Afeganistão e Tadjiquistão, hoje protegidos por apenas 16 mil guardas tadjiques. De modo algum as autoridades tadjiques conseguirão enfrentar sozinhas o problema dos refugiados e das gangues armadas. Há oito anos, os guardas russos de fronteira deixaram a área, onde permaneceram apenas algumas poucas dúzias de fortes grupos operacionais. Desde então, a situação só piorou. Novos pontos de confronto surgiram ao longo da fronteira tadjique, os extremistas ganharam influência, o número de campos de treinamento para militantes vindos dos países membros da CSTO só fez aumentar.

Falando na reunião de Sochi da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, o presidente do Tadjiquistão, Emomalii Rahmon, pediu esforços combinados para reforçar a fronteira afegã. Muitos políticos e militares russos apóiam a ideia de enviar soldados russos de fronteira, de volta para o Tadjiquistão. Mas Nikolay Bordyuzha, secretário-geral da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, opôs-se à ideia. Para ele, o Tadjiquistão precisa de ajuda para treinar e dar melhor qualificação técnica às próprias forças de fronteira, incluindo combate em área de alta montanha e entrega de novos equipamentos.

O acordo da parceria EUA-Afeganistão hoje vigente deve deixar nove prédios-instalações militares no Afeganistão, mantendo a capacidade de resposta de emergência, e de socorrer as forças do governo afegão, no caso de a situação agravar-se repentinamente. As demais forças militares devem permanecer em Kabul, Mazari Sharif, Jalalabad, Gardez, na base aérea Bagram e nas províncias de Kandahar, Helmand e Herat.

Bagram é a maior base aérea dos EUA no Afeganistão e poderá permanecer.
Nessa lista falta a cidade de Kunduz, no norte, capital da província de Kunduz, junto à fronteira tadjique, apesar de ser essa a primeira área de maior população cuja segurança já foi transferida para as forças afegãs.

Da cerimônia de transferência, realizada há pouco tempo, participaram o ministro da Defesa alemão e outras autoridades. Kunduz tem lugar importante na história das forças armadas alemãs. Durante 10 anos, cerca de 20 mil soldados da Bundeswehr lutaram ali. Em nenhum outro momento ou lugar do mundo, desde os dias da 2ª Guerra Mundial, morreram mais militares alemães que ali, em Kunduz.

Os parlamentos russos e do Quirguistão ratificaram o acordo de status na base aérea russa em Kant. Os militares russos ali ficarão por, no mínimo, mais 20 anos. A Rússia reformará as instalações, para convertê-las em efetivo posto avançado da Organização do Tratado de Segurança Coletiva na Ásia Central, uma presença com a qual contar. Hoje, a base hospeda bombardeiros de combate SU-24; aviões de ataque SU-25; combatentes de elite SU-27 SM e um grupo de helicópteros. Forças de terra e ar do Quirguistão e do Tadjiquistão iniciaram exercícios militares conjuntos no dia seguinte ao encerramento da reunião dia 24/9. (...)

Base aérea russa de Kant no Quirguistão
Claro, Astana, capital do Cazaquistão, está longe do Afeganistão; mas mesmo assim há preocupação sobre a possibilidade de a desestabilização afetar a Ásia Central. O Cazaquistão apóia a assistência ao Tadjiquistão e ao Quirguistão, porque atende também seus próprios interesses de segurança nacional. Vale também como defesa coletiva do espaço aéreo da Ásia Central, fortalecimento das capacidades das Forças Coletivas, também para o combate contra o tráfico de drogas.

Não tem havido confrontos sangrentos no território da República do Cazaquistão, enquanto o Uzbequistão, que se separou da Organização do Tratado de Segurança Coletiva há algum tempo, tornou-se alvo preferencial dos terroristas. O país mantém um acordo de parceria estratégica com Astana. Mas o Cazaquistão é membro da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, e o Uzbequistão empenha-se em melhorar o relacionamento com os EUA.

Islam Karimov
Até a algum tempo, o relacionamento EUA-Uzbequistão parecia estar piorando. A Casa Branca condenou o governo pela repressão contra os protestos em Andijan em 2005. O rompimento parecia inevitável. Agora, Washington restaurou as relações com Islam Karimov, considerando a opção de deixar algumas unidades militares em solo uzbeque, depois de retiradas do Afeganistão. Muita conversa sobre valores democráticos, direitos humanos e a perseguição a opositores do governo no Uzbequistão nada vale, de fato, se comparada ao desejo de Washington, de preservar sua presença militar na Ásia Central.

Os EUA dependem do Uzbequistão para manter uma plataforma a partir da qual manter sua influência no Afeganistão e influir o processo da integração de Rússia e Ásia Central. Em todos os casos, Tashkent será recompensada por garantias dos EUA e suprimentos de armas ocidentais, como paga por manter-se afastada da Organização do Tratado de Segurança Coletiva. O Uzbequistão está sob embargo de armas dos EUA e da Europa Ocidental, mas nem isso paralisou o governo uzbeque.

O governo uzbeque apresentou à OTAN um pedido para que o equipamento e as armas usadas no Afeganistão sejam deixados no país. Tashkent tem esperanças de que os EUA apoiarão o pedido de dar aos uzbeques posição privilegiada na parte norte do Afeganistão, onde a população é constituída, na maioria, de uzbeques étnicos.

O Uzbequistão tem experiência na posição de “aliado chave” dos EUA na Ásia Central; é difícil prever quanto tempo durará a amizade dessa vez, tanto quanto é difícil prever se os EUA realmente partirão do Afeganistão sem deixar lá qualquer “presença”.

As insinuações sobre a OTAN retirar-se antes do início da “temporada de combates” na primavera de 2014 são como um balão de ensaio para testar reações, inclusive a resposta da Rússia.

A Federação Russa prefere não esperar pela retirada da ISAF liderada pelos EUA; esperam-se para os próximos meses os primeiros raids-testes partidos do território afegão.

O Quênia, por exemplo, onde militantes perpetraram um sangrento massacre, não é incidente isolado, é uma tendência. A intervenção militar dos EUA sob o pretexto de “combater o terrorismo internacional” não levou a paz alguma. O Afeganistão é, hoje, um dos estados mais vulneráveis do mundo. Mais uma vez, e sempre e sempre, colhemos os frutos da dominação militar pelos EUA.

Nessas circunstâncias, a Rússia tem de assumir uma missão global e usar uma abordagem pelo sul, para conter o cenário que os EUA patrocinam. Cabe aos russos estimular uma “transição no Oriente Médio, do eixo da instabilidade para o eixo da liberdade”.
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[*] Nikolay Bobkin; PhD em Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.

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