sábado, 16 de novembro de 2013

Conversações de Genebra - P5+1 e Irã: Lavrov afinal explica o que houve “no último momento”

Dossiê Irã 


15/11/2013, [*] Gareth Porter, InterPress Services
Traduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu

“Sem consultar a Rússia, a delegação dos EUA modificou o texto que já fora discutido com o Irã” (Serguey Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Rússia, na 5ª-feira - 7/11/2013)

Entreouvido no quiosque “Trôxa num entra” na Vila Vudu: O autor do artigo não se atreveu a concluir, mas... O que tuuuuuuuuuuuudo isso significa é, de fato, que há negociadores norte-americanos, do grupo “de Genebra”, que estão trabalhando sob ordens de... Bibi Netanyahu e contra Obama! Fabius, o estafeta, só fez anunciar o resultado. Lavrov foi o único que falou de “a delegação dos EUA”. Pobre Obama! [pano rápido]

Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia
WASHINGTON, 15/11/2013 (IPS) – O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov explicou detalhe crucial, na 5ª-feira – 7/11/2013, sobre as conversações nucleares da semana passada com o Irã em Genebra, que afinal explica muito mais claramente que todas as notícias anteriores, por que a reunião terminou sem acordo.

Lavrov disse que os EUA circularam uma versão que havia sido emendada por pressão dos franceses sobre outros membros dos P5+1 para ser aprovada; a ação dos EUA aconteceu “literalmente no último momento, quando todos já nos preparávamos para deixar Genebra”.

A revelação de Lavrov, que foi ignorada até aqui pelos grandes veículos, surgiu numa conferência de imprensa no Cairo na 5ª-feira, dedicada na maior parte a Egito e Síria. Mas foi quando Lavrov ofereceu os primeiros detalhes reais sobre as circunstâncias nas quais o Irã deixou Genebra sem concordar com a versão do acordo apresentada pelo P5+1.

A citação literal das palavras de Lavrov naquela conferência de imprensa são acessíveis graças à correspondente Ksenya Melnikova, de Voice of Russia.

Lavrov observou que, diferente de reuniões anteriores que haviam envolvido o P5+1 e o Irã, “dessa vez o grupo P5+1 não formulou nenhum documento conjunto”.

Em vez disso, “havia uma proposta de texto, redigida pelos EUA, com a qual o Irã havia concordado”. Lavrov assim confirmou o fato de que EUA e Irã já haviam chegado a um acordo informal em torno de um texto já negociado.

Confirmou também que, até ali, a Rússia fora consultada, bem como as demais quatro potências que negociavam com o Irã (China, França, Alemanha e Reino Unido), sobre aquela versão do acordo – tudo leva a crer que isso aconteceu na 5ª-feira à noite, conforme outras informações publicadas.

Já havíamos aprovado firmemente aquela versão – disse Lavrov. – Se era documento já apoiado por todos, era como se já tivesse sido adotado. Provavelmente, já estaríamos cuidando de implementar os estágios iniciais do acordo construído naquele documento.

Foi quando Lavrov explicou pela primeira vez que, por insistência da França e sem consultar a Rússia, a delegação dos EUA modificou o texto negociado que havia sido trabalhado com o Irã.

Mas, de repente, apareceram as modificações [feitas na versão negociada] – disse Lavrov. Até ali, nós não havíamos percebido as mudanças. E a versão modificada apareceu, literalmente, no último momento, quando já nos preparávamos para deixar Genebra.

Lavrov deixou sugerido que a delegação russa, forçada a decidir rapidamente sobre o texto emendado, não percebeu o quanto as alterações ameaçavam o próprio acordo e podiam levar ao fracasso todas as negociações até ali.

Num primeiro exame, a delegação russa não viu problema significativo nas alterações feitas – disse Lavrov.

Mas deixou bem claro, isso sim, que hoje considera a manobra dos negociadores norte-americanos – que tentaram “levar na conversa” todos os envolvidos nas negociações, ao emendar um documento já discutido, para redigi-lo em termos mais duros (embora os redatores norte-americanos tenham suavizado o palavreado), sem qualquer consulta prévia ao Irã – uma rematada tolice diplomática.

Evidentemente, a linguagem na qual se expressam os pontos negociados tem de ser aceitável para todos os negociadores, do P5+1 e do Irã – disse Lavrov.

John Kerry
Os detalhes cruciais que Lavrov forneceu sobre o momento em que o documento foi modificado, lança nova luz sobre o que o secretário de Estado Kerry disse na 2ª-feira, à imprensa, em Abu Dhabi, sobre a convergência dos seis negociadores sobre o documento.

Estávamos acertados no sábado, quando apresentamos a proposta aos iranianos – disse Kerry; e acrescentou: todos haviam concordado que era proposta equilibrada e justa.

Kerry não deu qualquer indicação sobre em que momento, no sábado, o documento havia sido aprovado pelas demais cinco potências, nem reconheceu explicitamente que se tratava de versão diferente da já negociada com o Irã. Lavrov, sim, deixou bem claro que os demais membros do grupo não tiveram tempo suficiente, nem, de fato, tempo algum, para estudar e discutir as mudanças, antes de decidir se aprovavam ou não o documento (já modificado).

Embora a natureza das modificações permaneça em segredo, o ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, afirmou que são mudanças graves, e que afetam mais profundamente o que estava discutido e aprovado entre os EUA e o Irã, do que qualquer dos participantes reconheceu até agora.

Javad Zarif
Em tuítes na 3ª-feira – 5/11/2013, Zarif, em resposta ao que Kerry dissera em Abu Dhabi, escreveu:

Sr. Secretário, foi o Irã quem estripou metade da versão dos EUA, na 5ª-feira à noite?

O comentário de Zarif indica que as mudanças nas palavras anularam todo o entendimento a que Irã e EUA haviam chegado sobre várias questões.

As duas questões que o ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, levantou em Genebra tinham a ver com o que o Irã teria de fazer sobre o reator de água pesada de Arak e o estoque de urânio enriquecido a 20%.

O acordo que havia sido negociado com o Irã antes do sábado, determinava que o Irã não “ativaria” o reator de Arak, mas não exigia o fim absoluto de todas as atividades no reator, segundo resumo vazado para a CNN por dois altos funcionários do governo Obama, dois dias antes do sábado, na 5ª-feira à noite, dia 7/11/2013.

Laurent Fabius
por Gervais
A mudança do verbo “ativar” por outro verbo que sugeria que o Irã teria de suspender totalmente o trabalho em Arak – exigência na qual Fabius insistia no sábado, obedecendo ordens de Israel – anularia completamente qualquer acordo prévio entre EUA e Irã.

Ainda mais sensível, em termos políticos, era o acordo alcançado na 5ª-feira (7/11/2013) à noite sobre o destino do estoque iraniano de urânio enriquecido a 20%. Era a principal preocupação do governo Obama, que entende que aquele estoque pode, pelo menos em termos teóricos, ser enriquecido o suficiente para ser usado em armas atômicas.

Mas a versão vazada para a rede CNN indicava que, no acordo já negociado entre EUA e Irã, o Irã teria de “tornar inefetiva a maior parte do atual estoque” – formulação que deixava aberta a opção, para os iranianos, de continuar a produzir combustível para o Reator de Pesquisas de Teerã ou para outro reator similar no futuro.

Segundo o mais recente relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, divulgado na 5ª-feira, o Irã enriqueceu 420 kg de urânio até 20%, um pouco mais da metade dos quais já foi convertido em combustível. O acordo construído antes do sábado, evidentemente antecipava que o Irã poderia converter em combustível os restantes 197 kg, durante a execução do acordo temporário.

Assim, o estoque estaria reduzido a menos de 100 kg, cerca de 1/5 dos 250 kg de urânio enriquecido a 20% que Israel sugeriu que bastariam para, enriquecidos suficientemente, construir uma bomba atômica.

Mas se o texto foi modificado, trocando “tornar inutilizável” para um verbo que significaria “obrigação de exportar” grande parte ou todo o estoque, como parece que era o objetivo da intervenção de Fabius, a modificação anularia o compromisso básico, que tornara possível o acordo entre EUA e Irã.

Hassan Rohani
O tuíte de Zarif, combinado às palavras do presidente Hassan Rouhani à Assembleia Nacional no domingo, quando disse que o direito de enriquecer urânio é “linha vermelha” que não poderia ser cruzada, sugere ainda mais que a linguagem do texto original, na parte relativa a esse tópico, também foi modificada no sábado.

O próprio Kerry fez alusão a essa questão, ao falar em Abu Dhabi, ao dizer, numa formulação muito esquisita, que nenhuma nação tem “direito existente a enriquecer” [urânio].

Não parece haver dúvida alguma de que uma das modificações introduzidas no texto negociado teve a ver com essa questão, e visou a atender exigência de Israel, ao preço do apoio iraniano ao texto negociado com os EUA.

Agora, o governo Obama terá de tomar uma decisão: ou pressiona o Irã para aceitar as mudanças, ou volta ao compromisso que já firmara com os iranianos. Esse é o problema de Obama para quando as seis potências voltarem a reunir-se com os iranianos, no próximo dia 20/11. Essa decisão será o principal indicador de o quanto Obama está interessado em assinar o acordo com o Irã.
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[*] Gareth Porter (nascido em 18 junho de 1942) é um historiador americano, jornalista investigativo, autor e analista político especializado na política de segurança nacional dos EUA.Especialista em Vietnã e ativista anti-guerra durante a Guerra do Vietnã, servindo em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service International nos anos 1970-1971 e, mais tarde, como co-diretor do Centro de Recursos da Indochina.Foi muito criticado por seu entusiasmo pelo Khmer Rouge, partido do governo do Camboja, na época. Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of Power and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os Estados Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al Jazeera – em inglês, The Nation, Inter Press Service, The Huffington Post e Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn de jornalismo, que é atribuído anualmente pelo Club Frontline em Londres. Porter é formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política Internacional na Universidade de Chicago e seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste Asiático na Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre Política Internacional no City College of New York e na American University. Atualmente atua como jornalista free-lancer para inúmeras publicações internacionais.


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