quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Optar por sair - O Estado Corporativo de Vigilância

29/10/2013, [*] Ralph NaderCounterpunch
Traduzido por João Aroldo


Liberdade pessoal? Independência? Democracia?
Os EUA foram fundados nos ideais de liberdade pessoal, independência e democracia. Infelizmente, a espionagem em massa, vigilância e a infinita coleção de dados pessoais ameaça minar as liberdades civis e nossos direitos à privacidade. O que começou como meio necessário de reconhecimento e coleta de inteligência durante a Segunda Guerra Mundial se transformou em um estado espião fora de controle em que entidades tanto governamentais como comerciais estão desesperadas por coletarem o máximo de dados que conseguirem. Nós estamos no meio de uma invasão total do que não é da conta deles e isso parte tanto de fontes governamentais quanto corporativas. Espionagem e coleta de dados virou um grande negócio. Nada está fora do alcance deles.

Edward Snowden
A Agência Nacional de Segurança (National Security Agency - NSA) fortalecida pelo Patriot Act certamente abriu uma trilha. As revelações proporcionadas por Edward Snowden trouxeram à luz os piores medos que os críticos do Patriot Act expressaram em 2001. O estado nacional de segurança deu um cheque em branco para a paranoica comunidade de inteligência a fim de coletar dados sobre quase todo mundo. Internet e comunicação telefônica de milhões de cidadãos norte-americanos e milhões de cidadãos e líderes de outros países. Mesmo de países amigos como Alemanha, França e Brasil foram alvos de espionagem – mais de 30 líderes estrangeiros, como a chanceler alemã Angela Merkel e a presidente brasileira Dilma Rousseff foram alvos dessa espécie de arrastão de coleta de dados. Mais flagrantemente, dispositivos secretos teriam sido colocados em escritórios da União Europeia e, antes, pelo Departamento de Estado de Hillary Clinton nas Nações Unidas para espionar diplomatas. Os líderes mundiais não estão satisfeitos, para dizer o mínimo.

Muitos americanos também não estão satisfeitos. E enquanto a maioria na recente revolta pública nos EUA tem sido direcionada para casos de espionagem do governo, empresas privadas gigantes são tão ou mais culpadas da preocupante invasão da privacidade. Empresas como Google, Apple, Microsoft e Facebook descaradamente coletam e comercializam dados pessoais - muitas vezes disfarçando suas ações com complicados contratos de usuário em letras miúdas que a maioria das pessoas, que são seus proprietários, “aceita” sem qualquer consideração. Ao clicar em “Eu concordo” em um contrato de usuário amplo, não negociável, para um site ou um programa de software é, para a maioria das pessoas, apenas mais um clique sem sentido do mouse no processo de inscrição.

Esses contratos “pegar ou largar” deixam o consumidor com pouco poder para proteger seu próprio interesse. Leia em Fair Contacts, artigo de 25/10/2013 Cat Lobster Warns: Save Your Face!, nosso extenso trabalho sobre esta questão. Visite também o blog Terms of Service; Didn’t Read (“Termos de Serviço; Não Li”) para obter um recurso valioso que resume e revisa contratos online e para que os usuários possam ter um melhor entendimento do que estão aceitando.

Gato-Lagosta (Cat Lobster)
Na semana passada, foi noticiado que o Google planeja lançar um novo recurso de publicidade chamado “Apoios compartilhados”. Esta política permite ao Google o direito de criar endossos de usuários em anúncios online. Assim, se um usuário do Google partilhar sua preferência por um determinado produto online, o seu endosso pode acabar em destaque em um anúncio sem qualquer aviso prévio ou pagamento. Claro, os usuários podem optar (“opt-out”) por não fazerem parte deste programa — mas quantos milhões vão continuar ignorantes do fato de que eles involuntariamente optaram por participarem ao clicar seu consentimento aos termos do contrato que eles não se deram ao trabalho de ler por falta de hábito. (A declaração oficial do Google afirma que a ação é para “assegurar que suas recomendações cheguem às pessoas que se preocupam”).

Opting-out (Optar por sair) deve ser a opção padrão para todos estes tipos de acordos.

Crianças em idade escolar também estão sendo alvo dos coletores de dados em massa. InBloom, uma organização sem fins lucrativos com sede em Atlanta, oferece uma solução de banco de dados para registro de estudantes entre as classes K-12 (ensino pré-escolar até o início do médio). Em teoria, este serviço deveria tornar mais fácil para os professores utilizarem produtos e ferramentas educacionais emergentes. Mas, na prática, muitos pais estão preocupados com a forma como esses dados serão utilizados – em um caso, por exemplo, os números de segurança social dos alunos foram enviados para o serviço. Um pai disse ao New York Times:

É uma nova experiência para centralizar uma quantidade enorme de metadados sobre as crianças para compartilhar com os fornecedores... e, em seguida, os vendedores irão lucrar com a comercialização dos seus produtos de aprendizagem, suas aplicações, seus materiais curriculares, os seus videogames, de volta para os nossos filhos.

O Facebook apresenta outro risco de data mining para crianças. Embora o Facebook não permita crianças com menos de 13 anos — a lei de proteção da privacidade infantil online (Children’s Online Privacy Protection Act) previne a coleta de dados online sem permissão dos pais — mais de cinco milhões de crianças usam as redes sociais. Isto as expõe (e sua informação) a milhares de anunciantes que usam o Facebook para coletar dados de marketing e promover seus produtos. 

Crianças no Facebook, uma péssima ideia...

Veja o recente relatório do Centro para Democracia Digital (Center for Digital Democracy), Five Reasons Why Facebook is Not Suitable For Children Under 13. Recentemente, o Facebook mudou sua política de privacidade para permitir que adolescentes entre 13 e 17 anos pudessem compartilhar seus posts com todo mundo, ao invés de apenas com sua rede de amigos.

O apetite insaciável por dados também está atingindo além do âmbito digital.

O Washington Post recentemente informou que a Mondelez International, a empresa atrás das marcas de snacks Chips Ahoy e Ritz, tem planos para usar sensores de câmeras em prateleiras de salgadinhos para coletar dados de consumo. Estas “prateleiras inteligentes” podem fotografar e armazenar a estrutura facial do consumidor, idade, peso e mesmo detectar se eles pegaram alguma coisa das prateleiras. Este dispositivo depois pode usar os dados coletados para atingir consumidores com “anúncios personalizados”. Por exemplo, na fila do caixa, uma tela de vídeo pode oferecer um desconto de 10% de uma caixa de biscoitos que você pegou, mas depois desistiu de comprar. O Post informa:

A empresa espera que a prateleira ajude a levar mais os produtos certos diretamente para os consumidores certos, e até mesmo convença os indecisos a se comprometer com uma compra por impulso.

Câmera Kinect da Microsoft (sensor)
Esta prateleira inteligente é feita com a tecnologia de câmera “Kinect” da Microsoft, que tem a capacidade de escanear e lembrar de rostos, detectar movimentos e até mesmo ouvir as batidas do coração. A Microsoft desenvolveu a câmera Kinect como um dispositivo de controle de videogame caseiro. À luz da relatada conexão da Microsoft ao programa de coleta de dados PRISM da NSA, por que alguém conscientemente levaria uma sofisticada câmera espiã para sua sala de estar?

Imagens (à esquerda) obtidas com a Câmera Kinectic
Na mesma linha, alguns varejistas estão usando smart phones para rastrear o movimento de clientes em sua loja para obter informações sobre os produtos que eles olham e por quanto tempo — semelhante à forma como Amazon rastreia hábitos de compradores on-line para que possa encaminhá-los para outros produtos que os algoritmos decidam ser interessantes. O O senador Chuck Schumer (Democrata-NY) pediu para a Comissão de Comércio Federal (FTC) regular essa prática perturbadora.

Ele anunciou recentemente um acordo com oito empresas analíticas para instituir um “código de conduta” para a utilização desta aparente tecnologia orwelliana. O senador Schumer disse à Associated Press:

Quando você entra em sua loja para suas compras de Natal, haverá um sinal que diz que você está sendo monitorado e, se você não quiser, você pode muito simplesmente optar por sair.

Os detalhes sobre como exatamente alguém sai (opt-out) desta tecnologia invasiva, sem ter que deixar seu celular em casa, ainda não está claro.

Com todos esses exemplos invasivos do Big Brother, poder-se-ia querer optar por sair completamente do mundo digital, e evitar supermercados e lojas que espionam os clientes. Infelizmente, isso está se tornando cada vez mais difícil em um mundo cada vez mais obcecado pela tecnologia.

É hora de os cidadãos se levantarem e exigirem seus direitos à privacidade, que é uma propriedade pessoal. A vigilância em massa e a coleta de dados desenfreada não são aceitáveis e não devem ser o status quo. Lembre-se que houve uma época em que o governo federal poderia defender o nosso país sem o acesso ilimitado aos registros de computador, e-mails, histórico de busca on-line e escutas telefônicas sem autorização judicial. As empresas poderiam ter sucesso sem rastrear e registrar seus hábitos de compras e os registros dos alunos não são mercadorias para serem negociadas. Por que eles agora fazem o que fazem? Porque podem.

Lembre-se, o que você permite ser tirado de você pelas empresas privadas também pode acabar nos arquivos de órgãos governamentais.

Neste sábado, uma coalizão de grupos incluindo a ACLU, Public Citizen, Electronic Privacy Information Center (EPIC), o Partido Libertáro, (Libertarian Party) e muitos mais estão se reunindo no National Mall para protestar contra a vigilância em massa pela National Security Agency. Este é um positivo primeiro passo para avisar nossos representantes eleitos que cessar a coleta de informação pessoal privada sobre você é importante e a vigilância em massa deveria ser proibida.

Visite Stop Watching Us para mais informações sobre a passeata deste domingo (é passado) (27/10/2013). Junte-se ao movimento para acabar com esses abusos crescentes que fortalecem a tirania exercida pelas esquivas agências federais.
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[*] Ralph Nader é um defensor dos consumidores, advogado e autor de Only the Super-Rich Can Save Us! É co-autor de Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion, publicado pela AK Press. Hopeless também está disponível como edição Kindle .


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