quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O longo (20 anos!) “pas de deux” de Rússia e EUA está chegando ao fim? (1/2)

12/10/2013, The Saker [falcão peregrino], Blog “The Vineyard of the Saker”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama e Vladimir Putin em Lough Erne na reinuão do G8
As recentes tensões entre União Europeia e Rússia, por causa do “basta” que o Greenpeace recebeu no Ártico só confirma um fato que já ninguém perde tempo com tentar desmentir: as elites políticas e financeiras ocidentais absolutamente odeiam Putin e estão em pânico ante o comportamento da Rússia, seja dentro da Rússia seja na cena internacional.

Essa tensão estava bem visível na fisionomia de Obama e Putin na reunião do G8 em Lough Erne, onde ambos se mostravam absolutamente incomodados um com o outro.

As coisas pioraram quando Putin fez algo jamais visto na história da diplomacia russa: disse publicamente que Kerry é desonesto, e até o chamou de mentiroso. Vídeo a seguir:


Apesar de as tensões terem atingido uma espécie de clímax na questão síria, os problemas entre Rússia e EUA nada têm de novidade. Rápido exame do passado recente basta para mostrar que a empresa-imprensa ocidental dedica-se empenhada e sustentadamente numa campanha estratégica para identificar e explorar qualquer pressuposta fragilidade no “escudo político” russo, e para pintar a Rússia como se fosse país mesquinho, não democrático e autoritário ou, em outras palavras, grave ameaça para o ocidente. Basta listar alguns episódios da campanha de difamação da Rússia (na ordem em que me ocorrem agora):

·         Berezovsky apresentado como empresário “processado”
·         Politkovskaya “assassinada pelos assassinos da KGB”
·         Khodorkovsky na cadeia, por seu amor à “liberdade”
·         A “agressão” da Rússia contra a Georgia 
·         As guerras “genocidas” dos russos contra o povo checheno
·         “Pussy Riot” [Agito das Bucetas] como “prisioneiras de consciência”
·         Litvinenko “assassinado por Putin”
·         Homossexuais russos “perseguidos” e “maltratados” pelo estado
·         Magnitsky e, na sequência, a “Lei Magnitsky”
·         Snowden como “traidor escondido na Rússia”
·         “Eleições roubadas” para a Duma e para a presidência
·         A “Revolução Branca” na praça Bolotnaya
·         O “novo Sakharov” (Alexei Navalnyi)
·         O “apoio da Rússia” a “Assad, o “açougueiro (químico) de Bagdá”
·         A constante “intervenção dos russos” em assuntos da Ucrânia
·         O “total controle”, pelo Kremlin, sobre a mídia russa

A lista nem se aproxima de ser completa, mas basta para nossos objetivos. Permitam acrescentar imediatamente, aqui, que meu objetivo hoje não é desmentir todas essas acusações, uma a uma. Já o fiz várias vezes nesse blog. Quem se interesse, que procure. Hoje, me dedicarei apenas a declarar algo extremamente importante, que não posso provar, mas do que estou absolutamente convencido, sem sombra de dúvida: 90% ou mais do público russo considera todas essas “causas” perfeito, absoluto nonsense, tolices, não questões infladas até se converterem... não se sabe em que, se não totais sandices. Além disso, a maioria dos russos acredita que as chamadas “forças democráticas” que as elites ocidentais apoiam na Rússia (Iabloko, Parnas, Golos, etc.) são, basicamente, agentes pagos para fazer propaganda pró-ocidente, sustentados pela CIA, pelo MI6, por George Soros e por oligarcas judeus exilados. O que é garantido é que, exceto esses pequenos grupos liberais/ democráticos, ninguém, na Rússia leva a sério essas acusações. A maioria dos russos vê essas questões exatamente pelo que são: campanha de difamação.

Em muitos sentidos, tudo isso é ainda reminiscência de como eram as coisas na Guerra Fria, quando o ocidente usou seus imensos recursos de propaganda para demonizar a União Soviética e apoiar forças antissoviéticas em todo o mundo, inclusive dentro da própria URSS. Entendo que esses esforços foram muitíssimo bem-sucedidos e que, à altura dos anos 1990s, a vasta maioria dos soviéticos, inclusive os russos, estavam muito desgostosos com seus líderes. Assim sendo, por que a diferença, hoje?

Para responder essa pergunta, temos de olhar na direção do passado, dos processos que aconteceram na Rússia nos últimos 20 anos aproximadamente, porque só assim, só se conhecermos o que houve nessas duas décadas, será possível chegar à raiz dos atuais problemas entre EUA e Rússia.

Quando a União Soviética realmente desapareceu?

A data oficial do fim da União Soviética é 26/12/1991, dia em que o Soviete Supremo da União Soviética adotou a Declaração n. 142-Н, que oficialmente reconheceu a dissolução da União Soviética como estado, submetido à lei internacional. Mas esse é mofo muito superficial, formal, de ver as coisas. Alguém poderia argumentar que a União Soviética encolheu até ficar do tamanho da Federação Russa, mesmo assim ela sobreviveu nessas fronteiras reduzidas. Afinal, leis não mudam da noite para o dia, muito menos grande parte da burocracia. Mesmo que o Partido Comunista tenha sido banido depois do golpe de agosto de 1991, o resto do aparato do estado continuou a existir.

Para Yeltsin e seus apoiadores, essa realidade criou situação MUITO difícil. Já tendo banido o Partido Comunista da União Soviética e desmantelado a KGB, os liberais de Yeltsin ainda enfrentavam um adversário formidável: o Soviete Supremo da Federação Russa, o Parlamento da República Russa Soviética Federativa Socialista – eleito pelos deputados do Congresso do Povo da Federação Russa. Ninguém aboliu essa instituição MUITO soviética, que rapidamente se tornou o centro de quase todas as forças anti-Yeltsin e pró-Sovietes no país. Não posso aqui entrar nos detalhes desse pesadelo legal. Basta dizer que o Soviete Supremo apresentou-se como “Parlamento Russo” (o que, de fato, não era) e que seus membros engajaram-se numa campanha sistemática para impedir que Yeltsin implementasse suas “reformas” (em termos bem gerais, pode-se dizer que tentaram impedir que Yeltsin arruinasse o país). Pode-se dizer que a “nova Rússia” e a “velha URSS” disputavam entre elas o futuro do país. Como seria de prever, o Soviete Supremo desejava uma democracia parlamentarista, e Yeltsin e seus liberais queriam uma democracia presidencialista. Os dois lados mostravam o que, para a maioria dos russos, parecia ser claro contraste:

1) O presidente russo Bóris Yeltsin: oficialmente, representava a Rússia, em oposição à União Soviética; se autoapresentava como anticomunista e democrata (esqueçam que ele fora membro de alto escalão do Partido Comunista da União Soviética e membro não votante do Politburo!). Yeltsin era também muito claramente o queridinho do ocidente, e prometia integrar a Rússia ao mundo ocidental.

Alexandder Rutskoi (E) e Ruslan Khasbulatov (D)
2) O Soviete Supremo: comandado por Ruslan Khasbulatov com o apoio do vice-presidente da Rússia,Alexander Rutskoi, o Soviete Supremo tornou-se o ponto em torno do qual se reuniram todos os que acreditavam que a União Soviética fora ilegalmente dissolvida (o que é verdade) e contra o desejo da maioria do povo russo (o que também é verdade). Muitos, embora não todos, os apoiadores do Soviete Supremo eram, se não completos comunistas, com certeza, no mínimo, socialistas e anticapitalistas. Grande parte do muito desorganizado movimento nacionalista russo também apoiava o Soviete Supremo.

Nós todos sabemos o que aconteceu: Yeltsin esmagou a oposição num vastíssimo banho de sangue, muito pior do que o noticiado pela empresa-imprensa ocidental (ou russa). Escrevo isso com alto grau de certeza, porque é informação que obtive de fonte muito boa: aconteceu que eu estava em Moscou naqueles dias trágicos, e em contato diário com um coronel de uma unidade das forças especiais mais secretas da KGB chamda "Vympel" (mais sobre isso, adiante), o qual me contou que a KGB, para efeito interno, estimava que o número de pessoas assassinadas no Moscow Oblast chegara bem perto de 3.000.

Sou testemunha ocular, também, de que os combates duraram muito mais tempo do que reza a narrativa oficial: assisti a uma batalha de fogo ininterrupto, de metralhadora, exatamente abaixo da minha janela, que durou cinco dias inteiros, depois de o Soviete Supremo já se ter rendido. Insisto em anotar isso, porque acho que ilustra uma realidade muito frequentemente apagada: a chamada “crise constitucional de 1993” foi, na verdade, uma mini guerra civil, em que se disputou o destino da União Soviética. Só depois dessa crise é que a União Soviética realmente desapareceu.

Nos dias que precederam o assalto dos tanques contra o Soviete Supremo, tive a oportunidade de passar muito tempo com apoiadores do presidente e do Soviete Supremo. Tive tempo para longas conversas, tentando ver por mim mesmo o que cada lado defendia e se me deveria aliar a um ou a outro lado. Cheguei a uma conclusão bem triste: os DOIS lados eram compostos, basicamente, de ex- (ou não ex-) comunistas; os DOIS lados diziam que defendiam a democracia e os DOIS lados se acusavam, um ao outro, de serem fascistas. De fato, os dois lados eram, isso sim, muito parecidos. Acredito que não fui o único a sentir isso, naqueles dias, e desconfio que muita gente na Rússia sentia, profundamente, exatamente a mesma coisa que eu, e terminaram realmente desgostosos de todos os políticos envolvidos “naquilo”.

Quero partilhar aqui uma história pessoal: aqueles foram dias pessoalmente muito divertidos para mim. Aqui estava eu, jovem, nascido numa família de russos emigrados e furiosamente antissoviéticos, que passara muito anos combatendo contra o sistema soviético e, especialmente, contra a KGB. E, mesmo assim, por ironia, acabei passando praticamente todo o meu tempo na companhia de um coronel de uma unidade das forças especiais da KGB (o modo como nos encontramos é longa história, para outro postado). O mais divertido para mim foi o fato de que, apesar de todas as nossas diferenças, nós dois tivemos exatamente a mesma reação aos eventos que se desenrolavam ali, diante dos nossos olhos. Os dois decidimos que não poderíamos nos alistar em nenhum dos dois lados em conflito – os dois lados nos pareciam igualmente repugnantes.

Eu estava no apartamento dele, quando ele recebeu um telefonema do quartel general da KGB, ordenando-lhe que se apresentasse num ponto da cidade, para preparar-se para um assalto, pelas forças especiais, contra a “Casa Branca” (apelido “de rua”, do prédio do Parlamento Russo) – ele recusou-se a obedecer, disse ao chefe que não ia e desligou o telefone. Não foi o único, nessa resposta: como em 1991, nem os soldados regulares russos, nem os agentes das forças especiais russas aceitaram atirar contra russos (outros, pressupostos mais “democráticos”, atiraram sem dó). Em vez de obedecer aos chefes, meu novo amigo dedicou-se a dar-me vários conselhos, muito úteis, sobre como retirar de Moscou um parente meu, em segurança, sem sermos, nem mortos, nem presos (falante nativo da língua russa, com passaporte estrangeiro, eu absolutamente não estava em segurança em lugar algum, naqueles dias).

Quis contar essa história aqui, porque ela mostra algo muito importante: em 1993, uma vasta maioria de russos, inclusive emigrados exilados, e até coronéis das forças especiais da KGB, estavam muito desgostosos, de fato, estávamos fartos, dos DOIS partidos envolvidos naquela crise. De certo modo, poder-se-ia dizer que muitos russos estavam à espera de que surgisse uma TERCEIRA força, na cena política.

De 1993 a 1999 – um pesadelo democrático

Depois de os bandidos de Yeltsin terem esmagado a oposição, as portas do inferno realmente se abriram na Rússia: o país inteiro foi tomado por máfias, e os vastos recursos nacionais russos foram pilhados por oligarcas (judeus, a maioria deles). A chamada “privatização” da economia russa criou dois grupos: um de poucos multimilionários, e outro, de dezenas de milhões de miseráveis que mal conseguiam sobreviver. Em todas as cidades cresceu a criminalidade, a infraestrutura nacional entrou em colapso e muitas regiões da Rússia passaram a planejar ativamente para separarem-se da Federação Russa. A Chechênia foi autorizada a separar-se da Federação Russa, depois de uma guerra grotesca e sangrenta, em que se viram os militares russos ser apunhalados pelas costas, pelo Kremlin.

E ao longo de todos aqueles anos infernais, as elites ocidentais garantiram o mais pleno apoio a Yeltsin e aos seus oligarcas. A única exceção a essa festa amorosa, foi o apoio político, econômico e militar que a anglosfera deu aos chechenos insurgentes.

Até que o que tinha de acontecer afinal aconteceu: o país declarou falência em 1998, ao desvalorizar o rublo e dar calote nas dívidas. Embora não se venha jamais a saber com certeza, creio firmemente que, em 1999, a Rússia esteve a poucos passos de sumir completamente, como país e como nação.

O legado deixado pelos liberais/democratas

Tendo esmagado a oposição em 1993, os liberais russos obtiveram completa liberdade para escrever uma nova Constituição que servisse perfeitamente aos seus objetivos. E, com a visão caolha que lhes é típica, adotaram uma nova Constituição que dava poderes imensos ao presidente e poderes realmente mínimos ao novo Parlamento, a Duma Russa. Chegaram até a abolir o posto de vice-presidente (não queriam algum outro Rutskoi, a sabotar os planos deles).

Gennadi Zuiganov 
Mesmo assim, nas eleições presidenciais de 1996, os liberais só por um triz não perderam tudo. Para horror deles, o candidato comunista Gennadi Zuiganov foi mais votado no 1º turno das eleições, o que obrigou os liberais a tomarem duas medidas: primeiro, claro, falsificaram os números da contagem oficial de votos; e, segundo, alinhavaram às pressas uma aliança com o general de exército Alexander Lebed, nome muito popular. Essas duas medidas tornaram possível para os liberais declarar vitória no 2º turno das eleições (embora, de fato, o vitorioso tenha sido Ziuganov). Também nesse caso, o ocidente apoiou Yeltsin integralmente. Ora... E por que não apoiariam? Já haviam apoiado Yeltsin no massacre dos apoiadores do Soviete Supremo. Por que não o apoiariam numa eleição roubada, OK? Perdidos por um, perdidos por mil.

Mas Yeltsin só se dedicava empenhadamente, mesmo, a manter-se quase ininterruptamente embriagado, e logo ficou bem claro que não duraria muito. Em pânico, o campo liberal cometeu erro de dimensões gigantescas: permitiram que um burocrata pouco conhecido e absolutamente pouco interessante ou impressionante saísse de São Petersburgo para substituir Yeltsin como presidente em exercício: Vladimir Putin.

Putin era burocrata competente, calado, discreto, cujo principal atributo pareceu ser a falta de personalidade. Era o que pensavam os liberais. Mas rapaz... Que imenso erro de avaliação!

Hadji Kadyrov (E) e Vladimir Putin (D)
Imediatamente depois de nomeado, Putin agiu com a rapidez do raio. Surpreendeu todos, ao envolver-se pessoalmente na 2ª Guerra da Chechênia. Diferente do antecessor, Putin deu total liberdade aos comandantes militares para que guerreassem como achassem melhor. E Putin outra vez surpreendeu todos quando obteve acordo realmente histórico com Ahmad Hadji Kadyrov, para fazer a paz na Chechênia. Kadyrov comandara a insurgência durante a 1ª Guerra da Chechênia.

A popularidade de Putin atingiu a estratosfera, e ele imediatamente usou o evento a seu favor.

Num movimento realmente surpreendente, de virada histórica inesperada, Putin usou a mesma Constituição redigida e aprovada pelos russos liberais, para implementar uma série muito rápida de reformas cruciais, e para eliminar a base do poder dos liberais: os oligarcas judeus (Berezovksy, Khorodkovsky, Fridman, Gusinsky, etc.).  Também fez aprovar muitas leis destinadas a “fortalecer o poder vertical”, que dava ao Centro Federal o controle direto sobre as administrações locais. Assim, não apenas esmagou muitas das máfias locais, que já haviam corrompido e estavam infiltradas nos governos locais, como, simultaneamente, deteve, em pouco tempo, todos os vários movimentos divisionistas dentro da Rússia. Por fim, usou o que se chama “recurso administrativo” para criar o seu partido Rússia Unida, ao qual deu total apoio do estado.

A ironia de todo esse processo é que Putin jamais teria conseguido fazer com sucesso tudo o que fez, se os liberais russos não tivessem, antes, inventado uma Constituição hiper-presidencialista, que deu a Putin todos os meios de que ele precisava para alcançar seus objetivos.

Parafraseando Lênin, eu diria que os russos liberais deram a Putin a corda para enforcá-los.

O ocidente, é claro, rapidamente percebeu o que estava acontecendo, mas era tarde: os liberais haviam perdido o poder para sempre (se Deus quiser!) e a Rússia estava claramente sendo ocupada por uma terceira força que, antes, nunca tinha sido vista em ação.

Quem realmente pôs Putin no poder?

Eis a pergunta de 10 mil dólares. Formalmente, a resposta oficial é conhecida: a entourage de Yeltsin. Mas é bem óbvio que outro grupo não identificado de gente manobrou para brilhantemente passar a perna nos liberais e enfiar a raposa dentro do galinheiro.

Considere-se que as forças pró-soviéticas haviam sido fragorosamente derrotadas em 1993. Portanto, não se tratou de ação de revanchistas nostálgicos, que sonhassem com a ressurreição da velha União Soviética. Nem é preciso examinar esse campo, cujos militantes, de fato, permanecem, até hoje, na oposição a Putin. Então... Quem?

Foi uma aliança de DUAS forças: elementos do ex “PGU KGB SSSR” e vários líderes-chaves da comunidade industrial e financeira. Examinemos essas forças, uma a uma:

Primeiro a PGU KGB SSSR: o braço de inteligência estrangeira da KGB soviética. O nome oficial era 1º Diretorado-Chefia do Comitê de Segurança do Estado da URSS. Em termos gerais, o equivalente do MI6 britânico. Não há qualquer dúvida de que era a elite da elite da KGB, e sua unidade mais autônoma (tinha seu próprio quartel-general na área sul de Moscou). Embora o PGU trabalhasse em várias questões e campos, era também muito intimamente ligado ao, e interessado no, mundo da grande finança, do big business, na URSS e no exterior. Dado que o PGU nada tinha a ver com as atividades mais sórdidas da KGB, como a perseguição de dissidentes (que era função do 5º Diretorado) e que pouco tinha a ver com a segurança interna (prerrogativa do 2º Diretorado-Chefia), não aparecia no topo da lista de instituições a serem reformadas, simplesmente porque não era odiado como as partes mais visíveis da KGB.

A segunda força que pôs Putin no poder foram jovens saídos de ministérios-chave da ex-União Soviética, que trabalhavam com questões industriais e financeiras, e que odiavam os oligarcas judeus que mantinham Yeltsin. Diferentes dos oligarcas de Yeltsin, esses jovens líderes não estavam interessados exclusivamente em pilhar os recursos da Rússia para, adiante, se aposentarem nos EUA ou em Israel; queriam que a Rússia se convertesse em poderosa economia de mercado integrada ao sistema financeiro internacional.

Dmitri Medvedev
Adiante, o primeiro grupo viria a ser o que chamo de “Soberanistas Eurasianos”; e os segundos converter-se-iam no que chamo de Integracionistas  AtlanticistasPodemos chamá-los de “turma de Putin” e “turma de Medvedev”.

Por fim, não se pode esquecer que há também uma terceira força, que jogou todo o seu peso nessa parceria Putin-Medvedev – o povo russo, que, até hoje, sempre votou para mantê-los no poder.

Fórmula absolutamente brilhante, mas cujo prazo de validade venceu

Não há dúvida de que a ideia de criar essa “parceria” foi absolutamente brilhante: Putin arregimentaria os nacionalistas; Medvedev, o pessoal de orientação mais liberal. Putin teria o apoio dos “ministros do poder” (Defesa, Segurança, Inteligência); Medvedev, da comunidade dos negócios. Putin assustava suficientemente as autoridades locais para que obedecessem ao centro federal; Medvedev fazia EUA e União Europeia sentirem-se bem em Davos. Ou, dito de outro modo: quem se atreveria a ser contra o duo Putin & Medvedev? No máximo, apoiadores linha-duríssima da União Soviética; nacionalistas xenofóbicos pervertidos; liberais pervertidos pró-EUA; e judeus exilados. No máximo, esses: e é pouca gente.

Aliás... Quem se vê hoje na oposição a Putin? Um Partido Comunista à cata de nostálgicos da era soviética; um Partido Liberal-Democrata à cata de nacionalistas; e um pequeno partido “Just Russia” cujo único objetivo parece ser tirar votos dos outros dois e cooptar alguns dos liberais mais pervertidos. Em outras palavras: Medvedev e Putin eliminaram, basicamente, todo e qualquer tipo de oposição que mantivesse alguma credibilidade.

Como já mencionei em outros postados anteriores, há hoje claros sinais de sérias tensões entre os Soberanistas Eurasianos e os Integracionistas Atlanticistas, a tal ponto que Putin já criou, em 2011, o seu próprio movimento (a Frente Popular de Todo o Povo Russo [orig. All-Russia People’s Front]).

Tendo passado os olhos pelos processos complexos que levaram Putin à presidência da Rússia, é preciso examinar também o que acontecia nos EUA durante o mesmo período.

Enquanto isso, os EUA foram neocon-detonados

Diferentes da União Soviética que basicamente desapareceu do mapa do planeta, os EUA “venceram” a Guerra Fria (não é absolutamente verdade, mas é como os norte-americanos veem a coisa); e, tendo-se tornado a última e única real superpotência, os EUA imediatamente embarcaram numa série de guerras em terras distantes, para implantar a sua “dominação de pleno espectro” sobre todos, sobretudo depois dos eventos do 11/9.

Mesmo assim, a sociedade dos EUA pós-11/9 tem suas raízes em passado mais distante: os anos Reagan.

Durante a presidência de Ronald Reagan, um grupo que adiante passaria a ser conhecido como “neoconservadores”, ou “neocons”, tomou a decisão estratégica de assumir o completo controle do Partido Republicano, de suas instituições e think-tanks afiliados. Se, no passado, tantos ex-trotskystas inclinaram-se mais na direção de apoiar um Partido Democrata suposto de esquerda, o “novo Grande Velho Partido Republicano, renovado e melhorado”, sob o comando de Reagan, exibia traços extremamente atraentes para os neoconservadores:

1) Dinheiro: Reagan era apoiador incondicional da grande finança e do mundo corporativo. Seu mantra “o problema é sempre o governo” encaixava-se à perfeição na intimidade histórica que sempre houve entre Neoconservadores, Barões Ladrões, chefões mafiosos e grandes banqueiros. Para eles, desregulação significa liberdade de empreender – uma liberdade que faria a imensa fortuna dos especuladores e espertos em geral Wall Street.

2) Violência: Reagan apoiava firmemente o complexo industrial-militar dos EUA e uma política de intervenção em todos e quaisquer países do planeta. Aquela fascinação pela força bruta e – sejamos honestos – pelo terrorismo, também se encaixava perfeitamente na forma mentis dos trotskystas-neoconservadores.

3) Ilegalidade: Reagan absolutamente não se deixava perturbar pela lei, internacional ou nacional dos EUA. Sim, nos casos em que a lei implicasse vantagens para os EUA ou para interesses dos Republicanos, então, sim, era cumprida com muitas solenidades. Caso contrário, os the Reaganites destratavam a sei, sem qualquer prurido.

4) Arrogância: sob Reagan, o patriotismo e um hubris imperial ganharam renovado prestígio. Mais do que jamais antes, os EUA viram-se como o único “Líder do Mundo Livre” a proteger o planeta contra o “Império do Mal”, mas também como únicos e superiores ao resto da humanidade (como aquele comercial da Ford, nos anos 1980s: “somos o número um, os primeiros, antes de nós, ninguém!” [orig. “we're number one, second to none!”).

5) Mentiras sistemáticas: sob Reagan mentir deixou de ser prática ocasional, embora regular na política, e tornou-se a forma-chave da comunicação pública. Reagan e seu governo podiam dizer uma coisa e, na sequência, o contrário do que acabavam de dizer, na mesma frase. Podiam prometer o que claramente não cumpririam (viramStar Wars?). Podiam jurar solenemente e, em seguida, quebrar o juramento (caso dos Irã-Contras). E, se obrigado a enfrentar provas de suas mentiras, Reagan sempre repetia “Bem, não, não me lembro de ter dito isso”.

6) Messianismo: Reagan não só contou com o apoio de todas as mais ensandecidas seitas religiosas nos EUA (inclusive de todo o “Cinturão Bíblico”), como também se dedicou a promover grupos seculares messiânicos que pregavam uma mistura tóxica de xenofobia bem próxima do racismo, com fascinação narcísica por tudo que fosse patriótico, por ridículo ou estúpido que fosse, e que várias vezes beirou o culto deles mesmos.

Assim, se se soma tudo isso (dinheiro + violência + ilegalidade + arrogância + mentira sistemática + messianismo), tem-se o quê?

Não tem ar de coisa conhecida, bem conhecida? Não temos aí uma perfeita descrição de sionismo e de Israel?

Não surpreende que os neoconservadores tenham voado em bandos cada vez maiores para esse novo velho Grande Partido Republicano! O Partido Republicano de Reagan serviu como perfeita placa de Petri na qual cresceu a bactéria sionista. E como cresceu! Cresceu muito. Muito.

Acho que seria razoável dizer que os EUA passaram por um longo processo, duas décadas, de “sionização”, que culminou na grande operação clandestina do 11/9, na qual tipos do Project for the New American Century (PNAC) [Projeto do Novo Século Americano] [8] usaram o acesso fácil aos centros do poder nos EUA, em Israel e na Arábia Saudita para conjurar um novo inimigo – o “terror islamo-fascista” –, o qual não só justificaria uma guerra planetária contra o “terrorismo”, mas, também, o mais incondicional apoio a Israel.

Há outros derrotados nessa evolução, especialmente o que chamo de velho campo anglo, o qual, basicamente, perdeu o controle de quase todo o seu poder político doméstico e todo o poder de sua política exterior: pela primeira vez, um novo curso de política exterior gradualmente começou a tomar forma sob a liderança de um grupo que, adiante, seria identificado como “Israel Firsters” [“Israel antes de tudo!”]. Por algum tempo, os velhos Anglos pareciam ter retomado os reinos do poder – no governo de George Bush Pai – mas imediatamente perderam-nos outra vez, com a eleição de Bill Clinton.


Mas o apogeu do poder sionista-conservador só aconteceu durante o governo de George W. Bush, que comandou um expurgo em massa de “Anglos”, tirados de posições chaves no governo (especialmente no Pentágono e na CIA). Previsivelmente, já com o pessoal que Bush Pai chamara de os doidos do porão bem firmemente instalados no poder... os EUA rapidamente se aproximaram da beira do precipício de um colapso global: externamente, a simpatia massiva que o 11/9 angariara para os EUA converteu-se num tsunami de ressentimentos e ira; e internamente, o país estava diante de uma massiva crise bancária, que quase resultou na implantação de lei marcial nos EUA.

E entra Barak Obama! – “Mudança em que se pode crer!”

A eleição de Barack Obama para a Casa Branca, foi evento histórico espetacular. Não apenas a maioria da população branca elegeu um negro ao posto mais alto do país (de fato, tratou-se de explícita expressão de desespero, muito mais do que de anseio profundo por mudança), mas porque, depois de uma das mais efetivas campanhas de propaganda e Relações Públicas da história, a vasta maioria dos norte-americanos e muitos, se não todos os povos, em todo o planeta, realmente acreditaram que Obama promoveria algumas mudanças profundas, significativas. A desilusão com Obama foi tão ampla, quanto as esperanças que milhões depositaram nele.

Pessoalmente, sinto que a história registrará Obama não apenas como um dos piores presidentes que os EUA jamais tiveram, mas, também – e mais importante – como a última chance inaproveitada para que o “sistema” se autorreformasse. A chance passou, desaproveitada. E enquanto alguns, em desgosto profundo, descreviam Obama como “um Bush light”, entendo que seu governo pode ser descrito como “mais do mesmo, só que pior”.

Tendo dito isso, há algo que, para minha perfeita felicidade, a eleição de Obama conseguiu: afastou (muitos, embora não todos) os neoconservadores, de muitas (embora não de todas) as posições-chave do poder; e reorientou (grande parte, embora não toda) a política externa dos EUA para uma linha mais tradicional de “primeiro os EUA”, normalmente apoiada pelos interesses dos “velhos Anglos”. Sim, sim, os neoconservadores continuam firmemente no controle do Congresso e da imprensa-empresa nos EUA; mas o Executivo está, afinal, por hora, de volta ao controle pelos Anglos (estou, é claro, generalizando: Dick Cheney não foi nem judeu nem sionista; e Henry Kissinger não pode ser descrito como “Anglo”). E, embora Bibi Netanyahu tenha recebido mais aplausos de pé no Congresso (29 vezes) que qualquer presidente dos EUA, o ataque ao Irã que Bibi desejava tão ardentemente não aconteceu. Em vez disso, Hillary e Petraeus foram mandados pra casa, dando lugar a Chuck Hagel e John Kerry. Pode não ser (e não é) “mudança em que se pode crer”, mas, pelo menos, é prova de que o Partido Likud já não controla a Casa Branca.

É claro que a coisa ainda não acabou. Se algo se pode concluir da galinhagem em curso entre a Casa Branca e o Congresso, na disputa pelo orçamento, com risco inerente de que os EUA deem calote nos credores, é que essa disputa está longe de terminar.

A atual matriz real de poder nos EUA e na Rússia

Já vimos que há dois partidos não oficiais na Rússia, engalfinhados numa luta mortal pelo poder: os “Soberanistas Eurasianos” e os “Integracionistas Atlanticistas”. Há também dois partidos não oficiais nos EUA, também engalfinhados numa luta mortal pelo poder: os Neoconservadores e os “velhos Anglos imperialistas”. Minha opinião é que, pelo menos por hora, os “Soberanistas Eurasianos” e os “velhos Anglos” estão ganhando a disputa contra seus respectivos competidores internos; mas os “Soberanistas Eurasianos” russos estão em posição muitíssimo mais forte que os “velhos Anglos” norte-americanos. Há duas principais razões para que assim seja: 

1)  A Rússia já passou por seu próprio colapso econômico & calote aos credores: e
2)  A maioria dos russos apoiam fortemente o presidente Putin e suas políticas “Soberanistas Eurasianas”.

Diferente disso, os EUA estão à beira de um colapso econômico e a claque dos 1%, que hoje governa os EUA é absoluta e profunda e sinceramente odiada e desprezada pela maioria dos norte-americanos.

Passada a imensa, profunda, dolorosa desilusão com Obama, mais e mais norte-americanos vão-se convencendo de que trocar o fantoche que habita a Casa Branca não faz nem sentido nem diferença. E que os EUA precisam, isso sim, urgente, de MUDANÇA DE REGIME.



2 comentários:

  1. Artigo interessantíssimo, muito esclarecedor, aguardamos a continuação.

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    1. Já está postada ma 2ª parte...Sugiro q vc se inscreva/siga no blog p/ receber atualizações
      Abraço
      Castor

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