terça-feira, 1 de outubro de 2013

Como o ocidente apagou a lei chinesa

27/9/2013, [*] Dinesh Sharma, Asia Times Online - Book Review
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Sobre: RUSKOLA, Teemu. Legal Orientalism: China, the US and Modern Law [Orientalismo legal: China, EUA e a Lei Moderna]. Harvard University Press (7 Jun 2013). ISBN-10: 0674073061. $35.96. Encadernado: 352 p..


O que é a lei internacional e a quem pertence? Por que a China foi convertida em símbolo de nação sem lei depois da Guerra Fria? Por que os EUA são vistos como defensores-em-chefe da legalidade, e a China como eterna infratora? Historicamente, por que os EUA são vistos sempre como exportadores de leis exemplares para a economia dos BRICS emergentes, por toda a comunidade internacional jurídica e dos negócios?

Teemu Ruskola
Em tempos de globalização, todos nos fazemos essas perguntas. Teemu Ruskola, Professor de Direito na Emory University, mostra em Legal Orientalism: China, the United States, and Modern Law que a associação que se construiu entre a China e a uma pressuposta ilegalidade tem longa história. Define “orientalismo legal” como um conjunto de narrativas políticas e culturais sobre a lei, que invariavelmente associa a lei a instituições ocidentais (União Europeia e os EUA) e a ilegalidade às sociedades não ocidentais (Ásia, África e o resto do mundo). Analisando a história e o impacto global dessas narrativas culturais, Ruskola expõe as vias pelas quais o orientalismo legal continua a modelar, pelas vias mais surpreendentes, a lei e a política – na China, nos EUA e globalmente.

Ruskola lembra que a China tem longa história de uma lei para corporações comerciais e industriais que é reinterpretação da lei confuciana da família. O surgimento da jurisdição extraterritorial no século 19, dos EUA para a região do Pacífico asiático, foi uma forma de imperialismo no campo da lei. Esse processo culminou na criação de uma “Corte Norte-americana para a China”, tribunal absoluta e completamente ilegal, sobre o qual a Constituição não predomina. O processo hoje em curso, de reformas da lei chinesa, para Ruskola, é uma espécie de orientalismo autoinfligido. Todas essas discussões fascinantes ajudam o leitor a compreender a história e as consequências do orientalismo no campo da lei, e a começar a conseguir pensar uma nova concepção de justiça global.

Perguntei a Ruskola por que ele construiu todo o seu argumento para interpretar a lei internacional a partir do conceito de “orientalismo” de Edward Said; respondeu que:

Edward Said, especialista em literatura, usou o termo “orientalismo” para descrever o modo pelo qual a Europa se autodefiniu, historicamente, numa relação de oposição contra o “outro” oriental. Os europeus seriam “os livres”; os orientais, só uma massa escravizada; o ocidente seria dinâmico; o oriente, estagnado, etc.. Uso a expressão “orientalismo legal” para falar das narrativas sobre o que a lei é e não é; e sobre quem tem e quem não tem leis.
A China, diz ele, tem sido apresentada, historicamente, como berço do despotismo oriental e, em consequência, passou recentemente a ser apresentada como principal violadora de direitos humanos.

O livro de Ruskola pode também ajudar a entender por que a China é sempre apresentada como ré, com o ocidente como juiz e corpo de jurados, quando não, também, como braço armado para “fazer valer” a lei. Como aconteceu de os EUA assumirem o papel de principal promotor de liberdade, democracia e das economias de mercado? O que se vê com clareza no livro de Ruskola, é que, pelo menos em parte, os discursos orientalistas sempre reproduziram divisões binárias oriente-ocidente: livre versus despótico; moderno versus primitivo; dinâmico versus estagnado; individualista (o bem) versus coletivista (o mal), etc.. Vídeo a seguir:


Mas esses pares opositivos jamais foram simétricos e foram-se tornando paulatinamente mais complexos. Apesar de a terminologia ocidental ainda parecer sempre superior, as coisas parecem estar começando a mudar. O orientalismo foi uma história que o ocidente contou ao próprio ocidente sobre os orientais, mas sem ouvir o oriente e sem deixar falar o oriente. 

Mais que uma história, foi uma visão de mundo apoiada pelo poder e pelo prestígio do ocidente; e manifestou o desejo ocidental de expandir-se sempre, econômica e militarmente. Evidentemente, o chamado “oriente” também tem sua visão de mundo sobre o ocidente. Mas ou não quis ou não conseguiu projetá-la globalmente, não, pelo menos, com a eficácia com que o ocidente – comandado pelos EUA no século 20 – se autodivulgou para o planeta.

Aqui, surge a questão universalista, ou antirrelativista: os ideais ou as leis pregadas pelo ocidente e pressupostas superiores, ou mais justas, seriam realmente tudo isso, ou não passariam de crenças, de atitudes enraizadas em práticas culturais, como outras, com idiossincrasias? Não há resposta simples, mas, com a crescente globalização, todas essas perguntas passam, cada dia mais, a exigir resposta consistente.

Ruskola sugere que todas as sociedades encontram seu modo único de equilibrar os interesses das pessoas, como indivíduos, com as obrigações sociais dentro das comunidades onde as pessoas vivam.

O problema é que, no ocidente, partimos sempre da ideia de que os direitos individuais seriam sacrossantos, intocáveis. De fato, nenhum direito individual é absoluto e todos têm inúmeros limites. Nenhum direito individual jamais autorizará alguém a gritar “Fogo!” num teatro lotado; nem o direito à propriedade individual autoriza alguém a manter um canhão no pátio de casa.

Na China, a tradição política começa pelo coletivo: o direito chinês destaca o dever individual de agir na direção do interesse coletivo. Esses deveres também têm de ser calibrados para cada específico contexto, o que implica que também não são deveres absolutos.

Mas se você parte da posição ideológica na qual o indivíduo tem prioridade sobre a sociedade, em vez do contrário, um dos resultados é que toda a tradição legal chinesa passa a poder ser apresentada como eterna violação de direitos humanos – diz o autor.

Historicamente, diz Ruskola, as primeiras imagens da China na Europa moderna foram muito positivas, levadas à Europa por jesuítas e missionários. Confúcio foi então apresentado como uma espécie de sábio secular, basicamente, como um branco velho e esperto.

Mas, (...) com a explosão da demanda entre europeus e norte-americanos por bens e produtos chineses, os comerciantes, marinheiros e missionários protestantes converteram-se em principal fonte de informação sobre a China. E as atitudes europeias mudaram, de uma sinofilia para uma sinofobia. Hoje, já são atitudes de claro racismo anti-chineses. Os comerciantes reclamam que a lei chinesa seria “arbitrária”, e os missionários protestantes condenam o culto ancestral de Confúcio, que para eles seria uma espécie de paganismo – conclui Ruskola.

Se a superioridade econômica e militar do ocidente levou à universalização da lei ocidental nos séculos 19 e 20, como o atual crescimento da China no cenário mundial, no século 21, conseguirá fazer reverter essa noção e introduzir um conceito “mais chinês” da lei e das instituições, em todo mundo? Ruskola tem pouco a dizer sobre isso. Para ele, essa história ainda está em andamento.

Até aqui, a importância que a China vai ganhando no mundo ainda não vem acompanhada de crescimento comparável no que tenha a ver com a consideração à lei e às instituições legais chinesas, diz ele.

Mas já se observa uma tendência e pode-se conjecturar sobre o futuro. Fato é que a ordem legal da República Popular da China é hoje uma réplica das instituições de estilo ocidental.

O que se observa hoje é que está acontecendo uma espécie de “auto-orientalização”, na China, no sentido em que a China parece estar assumindo os traços que o ocidente lhe atribuiu.

Será preciso muito tempo para que comecem a evoluir estruturas legais com características especificamente chinesas, mas não há dúvidas de que vale a pena prestar atenção ao processo. Quanto a isso, esse importante livro no campo dos “Estudos Legais Críticos” pode guiar a pesquisa comparativa sobre o arcabouço legal na China e em outras economias asiáticas.
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[*] Dinesh Sharma é um psicólogo cultural, consultor de marketing e autor aclamado, com doutorado pela Universidade de Harvard. Pesquisador sênior no Institute for International and Cross-Cultural Research, NYC, e colunista do Asia Times Online. Sua biografia do presidente de 44 os EUA, intitulado “Barack Obama in Hawaii and Indonesia: The Making of a Global President”, foi classificada nos Top Ten dos livros da História Negra em 2012 pela lista de livros online pela American Library Association.

Seus artigos e opiniões recentes têm aparecido em Wall Street Journal Online, Wonkette.com, Free Lance-Star, Far Eastern Economic Review, Middle East Times, Middle East Online, Epoch Times, Biotech Law Review, Assuntos de Saúde, Mídia Monitores, DC Chronicles , Fredricksburg.com, MyCentralJersey.com, Psychology Bulletin International, e outras revistas científicas. 

Como autor, Sharma foi perfilado local e internacionalmente em L'Echo, DeStandaard, Wort Luxemburgo, 352 Lux Magazine, The Eye Oriental, Asiatics Affairs, Cincinnatti Herald, The Skanner, West Windsor Plainsboro News, Princeton Packet e muitos outros jornais. No noticiário da TV e Cabo, Sharma foi bem avaliado em Politics Tonight (WGN News), Urban Update (WHDH Boston), City Line WABC Boston, KITV Hawaii, San Francisco Bay domingo, e muitos outros shows. Em Rádio, ele foi apresentador em Conversations na costa em San Francisco, Reality Check FM-4 Viena, South African Broadcast Corporation (SABC) e vários outros talk shows.

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