quinta-feira, 14 de março de 2013

O novo Papa e o “Vaticano mais corrupto, desde os Bórgia”


Jorge Mario Bergoglio, o novo Papa, nunca foi da Opus Dei (foi do movimento Comunione e Liberazione), mas...

13/3/2013, Matthew Fox, Entrevista, The Real News Network, TRNN
Transcrição traduzida pelo pessoal da Vila Vudu
Vídeo sobre a Opus Dei: redecastorphoto


PAUL JAY, EDITOR SÊNIOR, TRNN: Bem-vindos à The Real News Network. Sou Paul Jay, em Baltimore.

A igreja católica tem novo papa. 76 anos, Jorge Mario Bergoglio, agora, Papa Francisco [eles só são numerados a partir do segundo. Como a 2ª. Guerra Mundial, que sempre se chamou “Grande Guerra” e só passou a ser 1ª, depois que começou a 2ª. (NTs)]. É o 266º pontífice da Igreja Católica Romana. Também é o primeiro Papa não europeu, em mais de mil anos.

Para discutir a significação dessa eleição, está Matthew Fox. Matthew é autor de mais de 30 livros sobre espiritualidade e cultura, dentre os quais, The Pope’s War, Original Blessing, Hildegard of Bingen, a Saint for Our Time e Christian Mystics. Matthew foi sacerdote católico. Agora é pastor episcopal e professor.

Obrigado, Matthew, por nos receber.

MATTHEW FOX: Obrigado. É um prazer estar com você.

JAY: Para começar, por que nos interessamos tanto pelo novo Papa? A rede CNN está ao vivo hoje, todo o dia – e acho que ontem também, e a coisa está na mídia global. E é sempre assim. É dia fraco, de noticiário, mas se não fosse, nada mudaria. A mídia não dá a mesma atenção a nenhuma outra igreja e, sinceramente, nós também não. Quero dizer... acho que estamos fazendo isso porque quero criticar a mídia. Não sei. Por que tanto alarido? Que significado e que poder tem o Papa hoje?

FOX: Para começar, claro, ninguém faz melhor teatro que os italianos. Há a imagem dramática de São Pedro, o balcão e as cortinas de veludo entreabrindo-se e aquilo tudo. Ninguém faz melhor cenário, importante, se o que se busca é o drama. Assim, aquelas imagens rendem excelentes tomadas de televisão. Alguém que usa roupas esquisitas e, supostamente, representa 1,2 bilhão de pessoas que, de um modo ou de outro chamam-se “católicos”... É claro que o drama, o teatro, contam muito.

Mas acho que há também uma coisa mais profunda. Acho que as pessoas gostam de sentir que há alguma liderança espiritual em alguma parte, na nossa espécie humana. Ontem escrevi um artigo, publicado no Huffington Post, sobre por que o meu candidato a papa seria o Dalai Lama, porque acho que ele representa algum significado mais profundo de ser humano, a busca de compaixão... E acho que as pessoas gostariam de encontrar isso também num papa. Nem sempre acontece. O papa João XXIII, nos anos 1960s, foi um homem raro. Mas... as pessoas gostam de ver, gostam de projetar alguma liderança em alguém. [fala cruzada]

JAY: Deixe-me perguntar... Não sei se você concorda, mas... Não lhe parece um pouco estranho – porque a mim parece... – Quero dizer, a mídia manifesta uma visão secular do mundo. Hoje, não se vê nem vestígio de algum tipo de gramática religiosa. No passado, tudo era enquadrado nessa gramática religiosa. Mas agora, é como se houvesse uma separação entre a mídia e as crenças religiosas. Conceitos como a infalibilidade do papa, a ideia de que Deus fala diretamente a ele... são ideias fortemente espirituais, que a mídia apresenta como se fossem fatos corriqueiros. Ninguém sequer questiona essas crenças.

FOX: É, tudo é “sentimentalizado” pela mídia, sem pensamento crítico. É uma das razões pelas quais gosto de falar com você. Para falar sobre significados mais profundos.

Mas há, sim, uma carência... Interessante: nas poucas palavras que disse, o papa Francisco usou uma expressão, algo sobre sermos todos irmãos, coisa assim. Veja, são tempos de globalização, o mundo é cada dia menor e temos o primeiro papa não europeu, em mais de mil anos [fala cruzada], o primeiro papa latino-americano. Há significados, aí, as coisas de deseuropeízam, até o papado. Mas, como você diz, nada é discutido em profundidade. Tudo isso é notícia durante um, dois dias, e, em seguida, a mídia muda de pauta.

JAY: (...) E qual é a influência que o papa teria sobre tantos milhões de pessoas – que me parece influência real. Antes, outra questão: quanto, nessa influência, tem a ver com o fato de que o Vaticano ainda é uma potência financeira, que acaba de nomear um presidente executivo, como qualquer grande e poderoso centro financeiro?

FOX: É verdade. E sabe-se que a situação financeira do Vaticano é escândalo à parte. É área a ser saneada, também, como o encobrimento de crimes de pedofilia, praticamente em termos tão graves quanto foram os crimes da Inquisição. Escrevi sobre isso em meu livro The Pope’s War. Nos últimos 42 anos, com os dois últimos papas, a Inquisição voltou ao Vaticano.

A situação financeira é absolutamente escandalosa. Há cerca de um ano, o governo italiano proibiu o uso de cartões de crédito do Vaticano, não podiam ser usados em lugar algum, porque havia denúncias de lavagem de dinheiro, dentre outras. Aí não há novidade. A falta de transparência nas finanças do Vaticano é antiga.

E há também a questão dos reais laços que ligam o Vaticano à política mundial. Lembro, por exemplo, que, no governo Reagan, a CIA e o Vaticano do papa João Paulo II uniram-se para atacar a Teologia da Libertação das Comunidades de Base na América Latina e destruíram o movimento, e, afinal, substituíram aquela ação pela ação da Opus Dei (ver vídeo logo abaixo), da Communion and Liberation   [it. Comunione e Liberazione  (NTs)],  todos esses grupos de extrema direita que pregam valores da extrema direita ou, se você preferir, pregam atitudes de poder, de dominação, de patriarcado, até de fascismo.


JAY: Você disse que há na igreja uma nova Inquisição?

FOX: Ah, sim. Mais de 105 teólogos – fui um deles – foram silenciados, expulsos ou perseguidos, caçados nos últimos 42 anos, nos papados de João Paulo II e Bento XVI. E Bento XVI foi, é sabido, cabeça da Inquisição. Mudaram o nome, chamam de Congregação da Sagrada Doutrina da Fé, mas é a mesma organização que, antes, se conhecia como Inquisição. Bento XVI comandou o ataque contra nós, aqueles teólogos.

Podem-se listar os 105. Há, aliás, na lista, vários bons canadenses. Um deles morreu, de ataque cardíaco, quando fazia as malas para viajar a Roma e defender sua teologia, pela sexta vez, apesar de o Concílio Vaticano II afirmar que os teólogos seriam livres para pensar e que tinham garantida, como todos, o que se chama liberdade de consciência.

Isso foi o que realmente aconteceu nos últimos 42 anos, e acho que tivemos dois cismas, porque os padres e suas cúrias haviam realmente compreendido os ensinamentos do Vaticano II, que tratava de reformar a Igreja, oferecia pensamento novo, ligado ao evangelho dos valores da justiça social. Acabaram com tudo isso. O silêncio imposto àqueles 105 teólogos teve a ver com esse movimento.

Portanto, não cabe qualquer dúvida de que a Inquisição voltou. Espero, de todo coração, que o novo papa esteja alerta para esse retrocesso e consiga reverter esse processo.

JAY: E quanto ao novo papa, Bergoglio, papa Francisco. Qual o papel dele na América Latina? Sempre houve, na AL essa separação entre a Teologia da Libertação e os setores mais dominantes e hierárquicos da Igreja que, uns mais outros menos, trabalharam com vários ditadores ao longo do tempo. E claro que aconteceu na Argentina, como aconteceu com Pinochet. A Igreja tem pouco de que se orgulhar do papel que desempenhou, pelo menos a alta hierarquia da Igreja, no relacionamento com Pinochet. E quanto ao papa Francisco, em tudo isso? E o que representa?

FOX: Pelo que mostram minhas pesquisas, não teve ação corajosa contra a ditadura militar argentina, em 1983 e dali em diante, e foi muito criticado por isso. Também nunca apoiou os teólogos das Comunidades de Base. Pertenceu a um grupo chamado Comunione e Liberazione, muito fortemente direitista, que surgiu na Itália. Tem sido comparado à Opus Dei. Dizem que têm base laica, como diz também a Opus Dei, mas de fato são movimentos dirigidos por religiosos.

JAY: Expliquemos um pouco, às pessoas que não conhecem essas coisas. A Opus Dei – e corrija-me se estiver errado – é grupo que reúne a extrema direita da Igreja, em aliança com a extrema direita de vários grupos das elites governantes em vários países; e é uma espécie de grupo secreto, conspiracional, que sempre aparece associado a ações obscuras, quando não criminosas.

FOX: Bem, é verdade. Tenho um capítulo inteiro dedicado a esses grupos, em meu livro The Pope’s War. E é assustador, porque são hoje membros muito destacados da Igreja Católica. Por toda a América Latina estão sendo nomeados cardiais e bispos ligados à Opus Dei e, agora, também na América do Norte. O padre Escrivá [Josemaría Escrivá de Balaguer], um padre fascista espanhol que fundou a Opus Dei, foi empurrado até a canonização, mais depressa que qualquer outro santo em toda a história [foi canonizado em 2002, por João Paulo II]. E todos os que se opunham a ele – que viam o lado obscuro daquilo tudo, o sexismo, o fato de que várias vezes elogiou Hitler – vou repetir: Escrivá várias vezes elogiou Hitler. Agora, nos dizem que é santo. Não sei o que isso significa.

Sim, a Opus Dei tem, sim, de ser vigiada. E estão em toda parte. São muito fortes na imprensa-empresa nos EUA. São muito fortes na CIA e no FBI. O maior espião da história dos EUA, que entregou mais segredos que qualquer outro, que contribuiu para o assassinato do maior número de espiões norte-americanos de todos os tempos – hoje está na cadeia, acho que foi condenado à prisão perpétua, porque trabalhou livremente no FBI durante 20 anos, passando adiante quantidade descomunal de segredos da Agência... Bem, era homem que assistia à missa todos os dias. Durante o restante do dia, traía os EUA. Não há dúvidas de que a Opus Dei é assustadora [fala cruzada].

JAY: Você estava dizendo que o papa Francisco é membro de uma organização assemelhada à Opus Dei...

FOX: Não. Ele nunca foi membro da Opus Dei.

JAY: Uma organização semelhante?

FOX: Foi muito próximo da organização Comunione e Liberazione e, sim, são outra versão próxima da Opus Dei. A Opus Dei começou na Espanha. Comunione e Liberazione é grupo mais recente, começaram na Itália. São menos secretivos que a Opus Dei. Por isso, precisamente, se sabe que o papa Francisco esteve ligado ao movimento. A Opus Dei é mais secretiva, dificilmente se sabe quem é ou não é ligado a eles.

Mas, seja como for, espero que...

Sabe, não quero associá-lo exclusivamente à Comunione e Liberazione, mas não há dúvida de que foi parte da história pessoal do novo papa e é história que é preciso considerar cuidadosamente e criticamente.

JAY: Permita que eu leia uma frase de Sergio [rub@n], autor de um livro intitulado The Jesuit e que entrevistou o novo papa antes de ele ser papa. Ele diz o seguinte: “Bergoglio é progressista, teólogo da libertação? Não, não é. Não é absolutamente um sacerdote do Terceiro Mundo. Mas ele critica o Fundo Monetário Internacional e o neoliberalismo? Sim, critica. Passou grande parte de seu tempo nas favelas? Sim, passou”. Eis o que diz esse autor. O que tudo isso lhe diz?

FOX: É. Confirma tudo o que eu sei. Como homem, digamos, é visivelmente um homem simples, não é nem jamais foi carreirista. Contam que dispensou a limosine e demitiu o motorista. Vive vida simples. Anda, toma ônibus, usa o transporte público. Durante certo tempo, ia trabalhar de ônibus. Prepara a própria comida, num apartamento modesto, recusa-se a viver no [incompreensível] palácio onde sempre viveram os “grandes” da Igreja. Tudo isso, parece, é bom sinal. Acho que é a mesma inspiração que o levou a adotar o nome de Francisco – que foi homem simples, humilde.

Interessante, o que diz o seu e-mail, que ele não é um bispo do Terceiro Mundo. Não é, mesmo. (...) Mas, em minha opinião, a questão mais importante é: quem o novo papa indicará como Secretário de Estado? Porque esse é o cargo, esse é o trabalho que de fato faz acontecer e supervisiona tudo, na Curia. Terá de indicar alguém firme e que conheça o jogo. Veja... Esse papa jamais trabalhou no Vaticano, o que, por um lado, me parece fator positivo. Mas, por outro lado, é indispensável conhecer aquilo, conhecer os jogos, os jogadores, tudo aquilo. E é indispensável ser muito firme. Por isso, acho que temos de esperar para ver quem será secretário de Estado.

Os dois Secretários de Estado foram criaturas das sombras. Posso contar algumas histórias sobre eles, se interessar. (...)

JAY: Voltaremos a esse assunto, mas infelizmente não temos tempo, hoje. Agora, para encerrar essa entrevista, queria que você falasse um pouco sobre a igreja da Teologia da Libertação na América Latina. Como fica a Igreja Católica em tudo isso. Com Hugo Chávez, por exemplo, recentemente falecido, a Igreja teve relação tumultuada. O que sobrou da Teologia da Libertação?

FOX: Bem... Pode-se dizer que vários dos presidentes de esquerda que hoje governam a América Latina nasceram no movimento da Teologia da Libertação, como [José Inácio Lula da] Silva, o grande ex-presidente do Brasil.

Há vários anos, quando tive de cumprir o voto de silencio de um ano, imposto pelo Cardeal Ratzinger, viajei ao Brasil para saber o que estaria acontecendo nas comunidades de base. E Leonardo Boff disse, naquela ocasião, que assistíamos a uma grande reunião com [Lula da] Silva, que eu prestasse atenção naquele homem, “Pode vir a ser o próximo presidente do Brasil”. Era ainda líder sindical. Tudo isso é parte de onde está, hoje, a Teologia da Libertação [fala cruzada].

Na verdade, se se conversa com eles hoje, o que me dizem é que “antes, servíamos à Igreja; agora, servimos à humanidade”. Acho que podem ter conseguido romper as barreiras do sistema exclusivamente eclesial e hoje veem não só a humanidade, mas acho que já veem também a crise geral da terra, do planeta, em que todos estamos. Entendo que já não estejam fechados, só, numa caixa rotulada “igreja”. (...) Essa é uma das razões pelas quais meu candidato a papa seria o Dalai Lama: aproximava-se logo ocidente e oriente.

JAY: E você sabe de como Bergoglio, agora o papa, como se posicionou em relação a essa deriva para a esquerda que se vê hoje na América Latina?

FOX: Sei que nunca se aproximou amigavelmente desses movimentos. Essa é uma das causas por que não se pode deixar de considerar suas relações com Comunione e Liberazione, mesmo que hoje já não existam, não sei. Esse grupo fez declarada oposição à Teologia da Libertação.

Houve outro cardeal jesuíta, de Milão, que morreu ano passado. No testamento, escreveu que a Igreja está 200 anos atrasada. E sempre combateu o grupo Comunione e Liberazione. É interessante, porque assim se vê que houve outro cardeal, também jesuíta, que não se desligou da tradição libertadora do Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação e que, ao morrer, ainda apoiava as Comunidades de Base e a Teologia da Libertação. Mas o novo papa, não. Sempre foi, pode-se dizer, mais moderado, mais de meio. (...)

JAY: Uma das questões a acompanhar, é se e o quanto o Vaticano cooperará com a CIA, dessa vez, na América Latina.

FOX: Ora... Sempre cooperou, no passado. Mas sempre houve grande frenesi na imprensa-empresa, como você bem disse. Tudo, na imprensa-empresa tende a ser “santificado”, a tudo aplicam um verniz sentimental. Quem sabe, talvez, acalmem-se e seja possível fazer alguma avaliação objetiva produtiva do que o novo papa venha a fazer. Não esqueçamos que, como disse Carl Jung, por traz de muito sentimentalismo sempre se oculta muita violência. Não basta ao papa ser “doce”. Teremos de acompanhar as ações e a filosofia efetiva que anima o novo papa, como temos de vê-las também em qualquer movimento e qualquer indivíduo que represente qualquer movimento. Sem projetar coisas demais sobre ele. O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.

Nunca antes, na história, houve tanta e tal corrupção no Vaticano, que só se compara ao Vaticano dos Bórgias no século 16. Veremos se o novo papa conseguirá, ou não, limpar a casa. Mas, ao mesmo tempo, tampouco se deve investir muita energia nisso. Temos de investir nossa melhor energia em criar novas comunidades de base, numa nova versão da cristandade que realmente ecoe o saber dos Evangelhos. Essa é a questão que realmente importa.

JAY: OK. Na próxima entrevista, falaremos sobre isso.

(Agradecimentos, fim da entrevista)


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