terça-feira, 26 de março de 2013

O modelo dependente é incurável


Adriano Benayon* - 25.03.2013

1. O percentual no PIB dos investimentos na produção e na infra-estrutura física e social está em patamar muito baixo na comparação com os países em que a indústria é basicamente nacional. Isso ocorre desde os anos 1970s, quando já se deveria ter entendido que o modelo dependente é incompatível com o desenvolvimento.

2. Embora o crescimento natural da população tenha sido contido, devido à intervenção de fundações norte-americanas, a produção é, de longe, insuficiente para assegurar sequer tolerável qualidade de vida à esmagadora maioria dos brasileiros. Ademais, a produção e a infra-estrutura são orientadas em função de interesses estrangeiros.

3. O modelo dependente gerou enorme endividamento, cujo serviço asfixia a economia brasileira. De há muito, a taxa de investimento do Brasil corresponde a cerca de metade das da China, Coreia, Taiwan e outros.

4. Houve um processo cumulativo de desnacionalização e de concentração econômica, determinantes de crescente ascendência das transnacionais sobre o “poder público”, criando instituições e mentalidade que levam a brutal desperdício dos recursos investidos.

5. Por isso não só se investe pouco, mas se investe mal, em todos os sentidos: na escolha de em que investir e no modo de realizar os investimentos.

6. Enquanto o Titanic afunda, economistas prosseguem fazendo propostas tópicas, sem perceber – ou fingindo não perceber – que nenhuma delas resolve coisa alguma enquanto perdurar o modelo dependente.

7. Lembrando que, desde 1990, a renda per capita cresce a 1,7% ao ano (4% entre 1930 e 1980) e que a taxa de investimentos patina em torno de míseros 18% do PIB, Bresser Pereira propõe, como solução salvadora, reduzir substancialmente os juros e desvalorizar a taxa câmbio do real.

8. Essas medidas seriam, em si, benéficas. De fato, seis pontos percentuais na redução dos juros públicos, incidindo sobre a dívida interna de 3 trilhões de reais, liberariam recursos para investimentos de infra-estrutura e produtivos de R$ 180 bilhões anuais (4% do PIB).

9. Vantagem adicional decorreria da baixa dos juros pagos pelas empresas produtivas e por pessoas físicas, diminuindo custos e elevando renda. Ademais, é infundada a ideia, amplamente disseminada, de que juros altos detêm a inflação.

10. A queda dos juros induziria, ainda, a desvalorização cambial, já que, eliminado o grande diferencial entre as taxas reais de juros internas e as taxas deprimidas dos EUA, Europa etc., cessaria o grande afluxo financeiro que vem “equilibrando” o balanço de pagamentos (BP).

11. Entretanto, sem essa entrada de capitais, sem grandes investimentos diretos estrangeiros e aquisições de empresas nacionais, o elevado déficit de transações correntes se traduziria em déficit no BP. Desencadear-se-ia fuga de capitais estrangeiros (dos quais uma parte é de brasileiros com depósitos no exterior).

12. Isso faria o real desvalorizar-se muito além do desejável e acelerar a inflação, pois o País está mais dependente, que no passado, de importações de bens de capital, insumos e bens finais.

13. É evidente, pois, que não seria viável reduzir significativamente os juros, sem instituir rigoroso controle de capitais e sem racionar de divisas, diferenciando importações essenciais das demais, seja com taxas múltiplas de câmbio, seja com elevados impostos para as importações menos essenciais e para as supérfluas.

14. Óbvio também que tudo isso só é viável se o governo tiver autoridade, poder e vontade de afrontar as regras da comunidade financeira (oligarquia da ordem mundial anglo-americana) instrumentadas através de seus cães de guarda, FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio (OMC).

15. Além de ter autonomia em face dessas instâncias “internacionais”, teria o governo de, ou exercer efetivo controle sobre bancos e empresas oligopolistas, ou estatizá-los, já que, do contrário, represálias de uns e das outras levariam à desestabilização do governo, como de hábito, dirigida por serviços secretos das potências imperiais.

16. Precisaria, ainda, elevar, inclusive qualitativamente, a produção e manter a inflação sob controle, e isso só seria possível retirando dos oligopólios, na maioria de transnacionais, o domínio, sem concorrência, sobre os mercados e acabando com os abusos dos detentores dos serviços públicos privatizados e dados em concessões.

17. Ora, o que o atual Executivo federal está fazendo é o contrário de tudo isso, apoiado pelo Congresso, sempre entreguista. Não só mantêm-se as privatizações e as concessões, que já haviam deteriorado a qualidade e encarecido os preços da eletricidade e das telecomunicações, como se ampliam os privilégios dos grupos que os exploram. Além disso, o Estado prossegue fugindo a seus deveres, ao entregar novas áreas, como aeroportos, portos e ferrovias.

18. O modelo é outorgar a exploração dos serviços, oferecendo dinheiro público e financiamento, a juros mínimos, por bancos estatais, e garantir lucro elevado e sem risco aos beneficiários.

19. Em requinte privatista, regado a dinheiro dos contribuintes, o governo planeja que o Tesouro e o BNDES repassem recursos aos bancos privados para emprestarem aos concessionários dos novos serviços privatizados.

20. Ou seja: mais negócios para os bancos lucrarem com dinheiro que não lhes pertence, acrescendo aos colossais fundos que já lhes são providos pelos depositantes (em dezembro, o governo reduziu em mais R$ 15 bilhões, os depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central).

21. Lucro sem comparação em todo o mundo para grupos privados - garantido e sem risco - tudo bancado pelo Estado – é como o governo pretende promover o crescimento dos investimentos em infra-estrutura.

22. “Pretendem” diminuir o famigerado “custo Brasil”, melhorando a competitividade da economia. Mas não atentam para:

a) custos artificialmente elevados pela contabilidade dos oligopólios;

b) o kafkiano e abstruso método usado para que as distribuidoras (privatizadas) da energia fiquem com o grosso dos ganhos decorrentes de preços altíssimos, sem nada terem investido na geração e na transmissão;

c) as restrições impostas por IBAMA, FUNAI, organizações estrangeiras e ONGs, e ministérios públicos federal e estaduais, a que hidrelétricas sejam construídas com integral aproveitamento do potencial hídrico;

d) a supressão das eclusas, cuja falta deixa de criar vias fluviais navegáveis, num País em que a infra-estrutura de transportes não poderia ser mais horrorosa;

e) a falta de adequados procedimentos de controle dos custos das obras e de concorrência que viabilize a participação de empresas de capital nacional de menor porte.

23. Por fim, não se consegue tornar o Brasil competitivo aplicando vultosos recursos em pesquisa científica e tecnológica (previstos R$ 32,9 bilhões em 2013/2014), apregoando grande salto na inovação, porque esse dinheiro é dissipado enquanto não houver condições para que empreendimentos de capital nacional vinguem no mercado.


Adriano Benayon* é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
Texto enviado pelo autor
Ilustrações: redecastorphoto

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