quinta-feira, 21 de março de 2013

E a crise econômica não larga o nosso pé


19/3/2013, cmaukonen, Firedoglake
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

cmaukonen
Quer dizer... Como é possível que uma pequena ilha como Chipre e seus bancos estejam provocando tanta consternação e pressão alta em toda a Europa e por que todos se preocupam tanto? Richard Wolff oferece uma boa explicação. A entrevista foi ao ar pela rádio KPFA [1], da qual gravei um clip de áudio que subi para a minha página para quem quiser ouvir todo o programa [em inglês].

Ofereço aqui um resumão da entrevista.

A Eurozona é um desenvolvimento do Mercado Comum Europeu (MCE), também chamado Comunidade Econômica Europeia [Na Wikipedia há entradas que explicam o que são, em português. Procure e leia lá, se quiser saber mais (NTs)].

A Comunidade Econômica Europeia (CEE) foi organização internacional criada pelo Tratado de Roma em 1957. Tinha o objetivo de fazer a integração econômica, incluindo um mercado comum, entre os seis países fundadores: Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Alemanha Ocidental. A CEE ficou também conhecida como Mercado Comum, no mundo de língua inglesa; às vezes também chamada de Comunidade Europeia, mesmo antes de receber esse segundo nome oficialmente, em 1993.

A CEE herdou um conjunto de instituições já existentes: a Comunidade Europeia de Carvão e Aço [orig. European Coal and Steel Community (ECSC)] e a Comunidade Europeia de Energia Atômica [orig. European Atomic Energy Community (EURATOM)] as duas primeiras comunidades europeias criadas, nos termos do Tratado de Bruxelas, de 1965.

Quando se aprovou e passou a viger o Tratado de Maastricht, em 1993, a Comunidade Econômica Europeia recebeu o novo nome de Comunidade Europeia, para evidenciar que cobria campo mais amplo de países e políticas. Foi quando as três comunidades europeias (as duas acima e a Comunidade Europeia) passaram a constituir o primeiro dos três pilares da União Europeia – fundada pelo Tratado de Maastricht. A Comunidade Europeia existiu nesse formato até ser abolida em 2009 pelo Tratado de Lisboa, que misturou os três pilares anteriormente existentes e declarou que a União Europeia “sucedia e substituía a Comunidade Europeia”.

O Monstro da Lagoa Negra da Eurozona
É. A coisa começou assim. Para permitir o livre comércio entre os vários países reunidos em comunidade, houve algumas novidades, entre as quais uma moeda comum. Em teoria, parecia tudo muito bem, mas havia várias falhas. Por exemplo, criou-se um banco central, mas não se criou governo central. A CE só tem poder, de fato, para imprimir dinheiro. Não tem meios para interferir na política dos estados membros. Sequer pode influir nos bancos dos estados membros. Os estados permaneceram autônomos. Quando a nova moeda entrou em circulação, tinha o objetivo – mais ou menos – de substituir as moedas nacionais, à base de 1:1, apesar de o câmbio, em vários momentos não seguir essa “ordem”.

Estavam reunidos todos os ingredientes de um inevitável desastre. Como hoje se sabe, o frenesi em que entraram os bancos, e os riscos que assumiram nos EUA e na Europa, geraram dívidas monstruosas. As dívidas venceram, como se deveria prever que venceriam, mas ninguém previu, e os devedores não tinham como pagar.

O que tudo isso tem a ver com os bancos de Chipre? Afinal, não podem ser bancos assim tão gigantescos a ponto de que, se eles quebrarem, quebram as finanças planetárias... Não poderiam ser, mas... como Richard Wolff explica na entrevista, eles são. Os bancos de Chipre são muito maiores que esse minúsculo país que vive de turismo e de uns poucos barcos os quais, é claro, jamais poderiam gerar tais bancos, nem tais dívidas.

Durante os anos de fantasia e delírio econômico dos anos 1990s, aqueles bancos trataram de atrair a maior quantidade de negócios e de dinheiro que pudessem. Queriam participar também daquela orgia. Para isso, atraíram grandes depositantes da Rússia e da Europa e também dos EUA. E passaram também a emprestar dinheiro a gente e a governos que, adiante, já não tiveram como pagar os empréstimos. Evidentemente, aqueles bancos também especularam contra os empréstimos que eles mesmos faziam – exatamente como fizeram também nos EUA.

Assim, lá, como nos EUA e na Europa, banqueiros e especuladores fizeram apostas tresloucadas, assumiram riscos grandes demais e, agora, estão à beira de quebrarem. E, dessa vez, ninguém – nenhum outro banco, nenhum outro governo, nenhum outro especulador – dá qualquer sinal de interesse em “resgatá-los”. Ao contrário, parecem interessados em fazer os bancos de Chipre pagarem por todos os pecados e falhas do capitalismo.

De fato, todos eles se autoencurralaram. Trancaram-se num contêiner furado, no qual está entrando água. Porque, se deixarem que os bancos quebrem, fatias cada vez maiores da economia ir-se-ão também por água abaixo, o que causará mais desemprego, mais agitação social e depositantes e acionistas carregados de ações e papeis desses bancos e desses países verão todos os seus papéis derreterem como papéis podres. E se continuarem a jogar mais e mais dinheiro nesse poço sem fundo devorador de moedas, o movimento pode facilmente levar a inflação massiva e desvalorização do euro, o que acabará por matar o comércio (livre, mas morto). O que, por sua vez, ferirá fundamente a Alemanha, cuja economia depende de exportações.

Mas se os banqueiros insistirem em apertar os devedores, o consumo continuará a cair, o que também não interessa ao comércio (livre, mas inexistente). Assim, como Richard Wolff explica, temos uma crise que está fugindo a qualquer controle e ninguém sabe o que fazer.

Agora, resolveram tentar uma “solução” recém inventada, e Chipre é a cobaia. Os bancos vão confiscar diretamente o dinheiro dos depositantes – cidadãos dos países e os grandes depositantes que têm dinheiro depositado naqueles bancos de Chipre – para tentar conter a maré. O risco, nesse caso, é gerar uma corrida aos bancos, com todos tentando arrancar dali o próprio dinheiro e transferi-lo para outro lugar onde esteja mais seguro. Nesse caso, os bancos quebram, não aos poucos, mas muito, muito, muito rapidamente.

Como isso nos afetará aqui nos EUA? Ora... Não estão percebendo?

Richard Wolff
Já cortaram os serviços públicos de assistência social, Medicare, Medicaid, Segurança Social. O que sobrou? E se os bancos de Chipre falirem, o que vocês acham que acontecerá aos bancos norte-americanos que ainda têm dinheiro depositado lá? Dinheiro da Grécia, da Itália, da Espanha, de Portugal, de... E têm dinheiro investido nas bolsas e têm dinheiro aplicado em papéis desses países?

É típica situação de Catch 22 (“se você se declarar louco, para escapar de ser mandado para a guerra, o Exército conclui que, nesse caso, você está perfeitamente lúcido... e o manda para a guerra”).

Ainda que consigam controlar a situação em Chipre, quem será o próximo? [2] Como Richard Wolff explica, o problema é o sistema capitalista. Não um ou outro “estado-membro”.



Notas dos tradutores

[1] KPFA (94.1 FM) é uma emissora de rádio mantida pelos ouvintes, de orientação progressista, operada de Berkeley, California, que transmite para a Área da Baía de San Francisco.

[2] “Deus é nosso pastor e nada nos faltará... mas, por via das dúvidas, os EUA temos a bomba atômica”; Vídeo de Tom Lehrer a seguir:

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