sábado, 9 de fevereiro de 2013

Serpentes, escadas, divindades e presidentes


8/2/2013, Kent Ewing, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Bote da urutu
HONG KONG. No folclore ocidental, não há criatura mais detestável que a serpente. Afinal, esse animal pegajoso, rastejante, esquivo é culpado por traumatizantes chocalhos de cascavel e mordidas venenosas, mortais. Para quem siga a tradição judaico-cristã, a infeliz serpente é responsável por nada menos que a Queda do Homem.

Na cultura chinesa, nada disso é assim. E, para assinalar o início do Ano da Serpente, no próximo domingo, 10/2, haverá uma semana de celebrações em toda a China, com fogos de artifício, desfiles, Danças do Leão, oferendas aos deuses e uma verdadeira orgia de comidas, entre as quais, claro, diferentes preparações gastronômicas de – e o que mais seria? – carne de cobra.


Na mitologia chinesa, como na ocidental, a serpente simboliza a capacidade para atacar rapidamente, atacar e decidir; mas também carrega conotações negativas. A serpente também é símbolo de inteligência, sabedoria e autodisciplina. Divindades muito populares podem assumir a forma de serpentes, sobretudo divindades que nadam nos rios.

Mesmo o dragão – o mais reverenciado dos animais do zodíaco chinês, senhor do ano lunar que está acabando – é seguidamente representado com claros traços de serpente; exemplo a destacar é o afamado dragão voador (“Serpente que ruge”) da mitologia chinesa.

Adão e Eva no Jardim do Éden
As histórias de Teng são, é claro, muitíssimo diferentes do relato bíblico da serpente satânica que tenta Adão e Eva no Jardim do Éden. Nessa fábula, a serpente de fala sedutora convence Eva a convencer Adão a morder a maçã que brota da Árvore do Conhecimento, mordida que, por razões jamais muito claramente expostas ao casal original, era ato absolutamente proibido por Deus, o que fazia dele tentação muito excitante.

O resultado – pelo menos depois que a Serpente foi denunciada como o Demônio disfarçado, e um Deus furibundo excluiu da vida eterna o assustado casal e condenou o casal e toda sua descendência, à existência efêmera nesse vale de lágrimas e pecado – não é coisa que se comemore com festas e fogos de artifício.

Assim sendo, para conhecer o Ano da Serpente, é preciso esquecer de Adão e Eva e de todas as amaldiçoadas associações com serpentes – o “amigo cobra” que finge amizade ao mesmo tempo em que espera o momento de dar o bote sinistro; o “charlatão cobra” que promete curas miraculosas aos doentes e salvação aos moribundos; e, até o popular jogo que se compra com telefones celulares, “Serpentes e Escadas”, no qual o jogador é induzido a confiar em escadas penduradas no nada, para tentar avançar. Na China, para o ano que se inicia, a serpente é símbolo de promessas cumpridas e novas esperanças – como, verdade seja dita, são todos os 12 animais do zodíaco chinês. Aí reside o segredo das celebrações de todos os anos novos lunares. Cada novo ano traz novos desafios e novas oportunidades – de prosperidade, amizade, romance e a conversa toda. E para geomantes (ver: geomancia) como aquele seu amigo que sinceramente crê nos próprios prognósticos baseados na arte chinesa ancestral do feng shui.


Feng Shui
Mas, em primeiro lugar, recomenda-se cautela. Sim, o Ano da Serpente promete boa sorte, mas nenhum mestre do feng shui em Hong Kong, nem em lugar algum do planeta prometerá só rosas para 2013.

Se a venerável Serpente será a estrela das previsões para o ano que se inicia, há muito mais no zodíaco chinês que apenas 12 animas andando em círculo. Há também cinco elementos básicos – terra, metal, madeira, água e fogo – que participam da rotação anual, criando ciclos de 60 anos e quantidade impressionante de resultados combinatórios possíveis.

Os 5 elementos do Feng Shui  
Esse ano, por exemplo, é dominado por dois elementos – água e fogo – o que pode significar más notícias. Isso, porque são elementos em conflito, o que, em tese, pode trazer dificuldades para a vida doméstica e problemas de saúde, incluídos ataques cardíacos e derrames. Por isso, recomenda-se cautela extra onde e quando se cogite de construir ou preservar relacionamentos fortes no próximo ano; e super atenção à saúde.

No grande quadro global, o encontro de água e fogo indica alta probabilidade de violência e conflitos internacionais.

Stálin
Em 1953, o mais recente Ano da Serpente em que água e fogo estiveram em alinhamento idêntico ao que hoje se vê repetido, a Guerra da Coreia acabava de “acabar” num armistício que, de fato, significou infindáveis hostilidades entre o norte e o sul que se arrastam até hoje; EUA e União Soviética começaram sua corrida armamentista nuclear e as tensões da Guerra Fria aumentaram; e Josef Stálin, o líder soviético de mão de ferro, sofreu um ataque cardíaco e morreu.

Em 2013 não há Guerra Fria a temer, mas o que não falta são pontos “quentes” de conflito internacional, qualquer um dos quais pode degenerar em grandes conflagrações. A questão nuclear ainda arde, com a Coreia do Norte ameaçando realizar outro teste nuclear em futuro próximo, e o Irã, ao que parece, cada dia mais próximo de decidir construir sua bomba atômica.

Além disso, com soldados ocidentais atropelando-se na correria para deixar para trás um sempre terrivelmente instável Afeganistão, também ali há possibilidade de conflitos. No Oriente Médio e no Norte da África, a Primavera Árabe já virou verão, outono e inverno de descontentamentos e revoltas. O vencedor final do confronto – fogo ou água – ainda não é previsível, mas as chamas da ira e da revolta com certeza aí estão, ardentes e muito visíveis e, poder-se-ia dizer, controlam a situação.

Robert Mugabe
Quanto a ditadores e autocratas senis, potenciais vítimas de ataques cardíacos, e sem os quais o mundo já estaria muito melhor, há muitos candidatos. É escolher algum ou alguns e apostar; bom candidato pode ser o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, que completará 89 anos esse mês e está no poder desde dezembro de 1987.

O Ministro das Finanças de Mugabe anunciou esse mês que na conta bancária do país há pouco mais de US$200, o que, de certo modo, impede que o Estado preste melhores serviços público, para já nem falar em pagar salários atrasados dos policiais e outros funcionários públicos.

Depois de 25 anos no poder, Mugabe tem a exibir reles $200? Quem sabe? É bastante provável que o Ano da Serpente manifeste seu poder ali, no Zimbábue, contra ditador tão longevo. Veremos.

Aconteça o que acontecer àquele ditador octogenário no sul da África, nuvens de discórdia política continuam a acumular-se por todo o planeta. Mas, apesar de todos os indicadores dessa complexa geomancia para o próximo ano, uma nação – a China, muito adequadamente, a terra onde nasceu a arte do feng shui– aparece em posição nitidamente vantajosa.

Xi Jinping
A liderança chinesa, sim, está em conflito com vizinhos asiáticos, metida em disputas territoriais no Mar do Leste da China e no Mar do Sul da China, e perde o sono, à noite, por causa do tal “movimento de pivô” em direção à Ásia, que os EUA declararam recentemente. Mas a China tem um ás guardado na manga: atende pelo nome de Xi Jinping, novo presidente recém eleito, que assumirá o poder em março próximo.

Xi não apenas já se declarou decidido a limpar a corrupção rampante que vai devorando o crescimento econômico da China como, além disso, prometeu governo mais aberto e mais transparente. Xi também nasceu em 1953 – se alguém esqueceu, foi a última vez em que, em Ano da Serpente, viram-se juntos os elementos fogo e água, como agora reaparecem.

Barack Obama
Essa circunstância assegura-lhe tremenda vantagem comparativa nos negócios mundiais. Barack Obama, nascido em Ano do Boi, deve começar a preocupar-se. Obama pode ter conquistado corações e mentes de norte-americanos suficientes para garantir-lhe a reeleição em novembro passado, mas Xi conta com os talentos da Serpente e a força dos elementos a seu favor; e, sim, conta também com a força gigantesca de uma China inteira, para fazer andar aquela economia-monstro.

Por falar em economia, o poderoso elemento Fogo, que chega com o Ano Novo Lunar, é tradicionalmente associado ao crescimento econômico: pode bem assegurar que a feliz trajetória econômica da China prossiga e avance, espalhando crescimento econômico em geral, por todo o planeta. A Ásia, especialmente China e Índia, abrirá o caminho, mas a Eurozona se recuperará, pelo menos, o suficiente para mais um dia de luta, enquanto a economia dos EUA continua capengando; e a África, em grande parte graças a investimento chinês massivo, continua a crescer.

Serpente chinesa
Em resumo, o próximo ano lunar será dominado por Serpente chinesa, não por serpente ocidental.

Com pivoteamentos à moda Obama e tudo, a China continuará a crescer, enquanto os EUA declinam. É garantido: o Ano da Serpente (à chinesa) começa amanhã; em seguida, começará governo de presidente Serpente (também à chinesa). 

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