quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Era Obama: o fascismo liberal nos EUA





20/2/2013, Norman Pollack  [1], Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Norman Pollack
Será inadequado falar de “fascismo liberal”? Provavelmente, a antiga pergunta de Sinclair Lewis [2] é mais básica: o fascismo pode acontecer nos EUA? [3]

O fascismo aparece sob várias modalidades sem perder os traços estruturais-ideológicos-políticos distintivos. Todos eles apontam para uma estrutura hierárquica da sociedade caracterizada por extremos de riqueza e poder; por um sistema de autoridade governamental; por um muro opaco que preserva aquele sistema, da exigência de prestar qualquer tipo de satisfação ou de prestar contas a quem quer que seja, tanto na política doméstica quanto na política externa. Graças a esse muro de sigilos e secretudes, o fascismo constrói e mantém um sistema de governo capaz de ocultar a própria total desconexão de qualquer interesse público.

Todos os governos fascistas descartam completamente todos os deveres e as responsabilidades que qualquer governo tem em relação à classe trabalhadora – dever de criar empregos, de preservar a rede social que permita aos cidadãos viver em paz e segurança, dever de manter financiamento adequado para a educação pública. Simultaneamente, todos os governos fascistas conseguem manter ocultas as conexões que os ligam aos grupos de poder e aos estratos sociais mais ricos.

Para isso, contam com suas políticas econômicas e fiscais, com os subsídios que asseguram aos mais ricos, com as estratégias geopolíticas mais amplas que adotam para acumular riqueza nos negócios e contatos internacionais; contam também com o poderio militar como carapaça protetora (além de contarem com o envolvimento dos mesmos militares na política nacional e internacional), para preservar a ordem e o espírito marciais em casa, e para encobrir o interesse dos próprios quadros dos governos fascistas nos negócios e investimentos em outros países. Assim, os governos fascistas asseguram que a riqueza gerada não seja jamais, de modo algum, canalizada para democratizar a ordem social

Impedir qualquer democratização em casa; exercer plena dominação em todos os principais campos/indicadores de poder; e manter postura contrarrevolucionária em todo o mundo: aí estão três movimentos que resumem, em traço esquelético, o paradigma do fascismo. Os métodos variam, para corresponder a diferentes circunstâncias históricas e a diferentes gostos culturais. Em alguns casos, repressão. Em outros casos, os aviões bombardeiros de mergulho Stukas; [4] em outros, persuasão e propaganda que gere falsa consciência, enquanto bastarem para preservar as desigualdades, os sigilos e o militarismo, objetivos básicos dos governos fascistas.

Bombardeiro de Mergulho "Stuka" em ação na  2a. Guerra Mundial
No governo Obama, nos EUA, todos esses objetivos fascistas estão sendo preservados: são expostos e difundidos sob brilhantíssima camada de retórica liberal.

O fascismo liberal é formação histórica complexa, difícil de cercar, porque não se veem os soldados que marcham em passo de ganso, as câmaras de gás, o líder bombástico. Nada disso aparece à vista embora, de fato, alguns traços da variedade não liberal do fascismo sempre permaneçam.

Em lugar dos soldados do passo de ganso, há a aparentemente inócua militarização de toda a cultura, sempre em constante reforço, com os interpretadores fanáticos da 2ª Emenda sempre a esfregar no nosso nariz seus fuzis e pistolas.

Para as câmaras de gás, há, como substituto, o reforço estrutural da violência armada, o encarceramento de legiões de pobres e desassistidos, a vigilância incansável sobre os cidadãos – menos dolorosa, pode-se admitir, mas muito eficaz para efeito de controle social e igualmente daninha nas consequências.

Drone RQ-4 Global Hawk
Substitutos dos bombardeiros de mergulho Stukas, temos hoje arma, de fato, muito mais eficaz: os aviões-robôs, drones, que se usam para assassinatos premeditados e para aterrorizar populações inteiras, exatamente como se usavam osStukas, associados às bombas voadoras dos nazistas.

E quanto ao líder bombástico, temos Obama, o reformador falhado, aplicado planejador e executor de assassinatos, mas que nunca pára de sorrir e, atualmente, já anuncia suas futuras “Conversas ao pé da lareira”, patética tentativa de copiar o que fez Roosevelt, em seus dias de presidência.

Ainda que se abstraíssem dos registros os milhares de indivíduos assassinados com premeditação por ordem direta, pessoal, do presidente Obama, mesmo assim haveria muitos elementos para descrever o contexto presidencial nos EUA como florescente fascismo liberal.

O militarismo – além dos drones, além da rede planetárias de bases militares, além dos orçamentos extravagantes para comprar o armamento mais exótico (dito de alta tecnologia), além da ampliação das operações, além da estratégia do Pacífico para aumentar a presença dos EUA na Ásia e ‘'conter'’ a China – está vivo e forte na Casa Branca de Obama. Ali se desenham os grandes planos e se faz uma guerra perpétua, levada sempre avante por forças militares sempre ‘'super'’ (super aviões de super transporte de super tropas, super porta super aviões, etc.), com as bombas atômicas ‘'modernizadas'’ mantidas elegantemente invisíveis, jamais referidas.

Mas, mesmo assim, o fascismo liberal exige mais. E os EUA há muitos anos mantêm-se ativos no negócio das contrarrevoluções, militarismo e intervenção por algum tempo, como se vê, com governo e negócios já entretecidos e interpenetrados, com apoio à consolidação monopolista dos negócios em geral, em várias partes do mundo.

Mas as coisas hoje são qualitativamente diferentes. Embora se veja a intensificação de tendências já conhecidas, veem-se menos protestos do que nunca, no mínimo desde 1933. Em termos amplos, pode-se dizer que os EUA absorveram e potencializaram o que neles há de pior: a própria negatividade.

Quando digo “os EUA”, falo de uma culminação de tendências que caminham na direção da integração sistêmica do próprio capitalismo, hoje já em estágio maduro de desenvolvimento, com seus mecanismos correlativos de apoio, os quais, antes, ou eram ainda pouco desenvolvidos ou eram menos eficazes.

Vê-se o aparecimento de uma consciência política extremista, depois de várias décadas de pressões públicas e privadas que visavam a implantar o conformismo, quer dizer, feitas para que os cidadãos internalizassem os limites doutrinários e as modalidades de protesto recomendáveis.

Obama começou do ponto em que saía de cena um longo processo de construção de uma consciência social de desperdício, de dissipação. Chegou com a palavra “mudança” – mas usada no sentido de ‘'perfeita concordância'’, aquiescência absoluta, submissão perfeita à autoridade, aceitação sem protestos (da guerra, de assassinatos, de resgates de bancos, de orçamentos militares obscenos, de falsas escolhas – uma ou outra, ou o desastre – entre políticas sociais que não são, sequer, alternativas. Chegou para fazer o que fosse necessário para manter a tona e operante, não algum Estado, mas o capitalismo monopolista. O que haveria nisso, de liberal?

Não é liberal. Mas é dito liberal, porque a retórica inventa e implanta realidades, e a conexão emocional ao grande líder e à liderança foi elevada a um plano de vácuo moral que afeta cada um e todos os que ainda analisem e pensem criticamente.

Mais que isso, o próprio liberalismo já está em plena bancarrota, quando, por exemplo, a maioria do povo americano declara apoiar o programa dos drones armados. Assassinato a preço de liquidação: é bom negócio, se se trata de proteger “a América” contra o nefando Outro, o Diferente maléfico.

Sequer se vê a gigantesca hostilidade que se criou contra os EUA, hoje, já, em todo o planeta; é impensável. Mas, por via das dúvidas, melhor matar mais alguns milhares de seres humanos. Harmonia universal é harmonia de uma classe só, depois de a outra ter sido varrida do mundo.

Festejem “a América” como Terra de Oportunidades, enquanto avança a destruição, enquanto avançam o desemprego, os despejos, as ‘'entregas especiais'’ de prisioneiros para serem torturados por torturadores parceiros dos EUA, enquanto a infraestrutura continua a ruir, enquanto a ‘'des-regulação'’ avança, enquanto avançam os assassinatos de crianças dentro das escolas. O presidente? Discursa contra concentração de riqueza, contra crimes de guerra (só na Síria, não na Palestina) e contra a destruição do meio ambiente. Contra o oleoduto-monstro Keystone XL [5]? Não, nenhuma palavra.

Oleoduto-monstro Keystone XL  de Alberta (Canadá) ao Texas (EUA)
Seja como for, Obama merece registro histórico por ter exposto o liberalismo, nessa sua jornada de transvaloração do New Deal até hoje, pelo que o liberalismo realmente é: posição político-ideológica do centro-direita, que já não merecia o nome quando foi batizado durante o New Deal. O liberalismo, que foi de centro, até de centro esquerda, jamais conviveria – sequer tentaria conviver – com a histeria anticomunista que começou com o mccarthyismo logo depois da 2ª Guerra Mundial. Aquela histeria foi-se convertendo, com grupos como “Americans for Democratic Action” e “National Security Democrats”, no universo político-ideológico do discurso cultural cada dia mais pantanoso e traiçoeiro, que se traduz nessa acentuada deriva à direita na política que culminou com os dois partidos a disputar, apenas, qual seria o mais “patriótico”.

Sob o estandarte liberal, os EUA aventuraram-se a entrar na arena da Guerra Fria.O anticomunismo liberal tornou-se amplo guarda-chuva para o sacrifício de qualquer dissidência, no altar da respeitabilidade. Assim, já à altura dos anos 1960s, no máximo, o liberalismo já deveria ter sido identificado (mas não foi) como muito mais antirradical que progressista (no final, o liberalismo converteu o chamado progressismo em cego antirradicalismo).

Obama poderia ter surgido em cena há vinte anos, sem mudar coisa alguma do ponto de vista político (até mesmo racial), com sua sanha conservadora que, agora, já é também racista, com negros firmemente instalados em posições de destaque como uma espécie de Guarda Pretoriana dos Interesses Corporativos.

Nem Paul Robeson nem Martin Luther King seriam admissíveis ou encontrariam lugar na cultura política dos EUA hoje (além do plano da pura conversa fiada dos discursos de aniversário do Dr. King, mas nunca por ele ter defendido os pobres e feito oposição à guerra).

John Brennan
O liberalismo foi um dos principais fatores que contaminaram a teoria da democracia e a prática democrática, gêmeo xifópago de um partido Democrata servo solícito de Wall Street e de toda a coleção de interesses que definem o capitalismo predatório, dos planos privados de seguro-saúde às empresas privadas que fornecem armas e mercenários para o Departamento de Defesa.

E esse monstrengo bicéfalo adiante se grudou, como a um terceiro xifópago, a uma Casa Branca que não consegue fazer coisa melhor que nomear John Brennan para dirigir a CIA. Com Brennan, a muralha de sigilos e segredos e os crimes de guerra que os EUA cometem em todo o planeta, em ritmo diário, continuarão, por mais algum tempo, firmemente enterrados e guardados.



Notas dos tradutores
[1] Norman Pollack é autor de The Populist Response to Industrial America [Resposta popular à América industrial] (Harvard). É professor da Cátedra Guggenheim e professor emérito de História da Michigan State University.
[2] LEWIS, Sinclair: How Fascism Will Come To America (1935).
[3] Ver 10/2/2013, redecastorphoto, Paul Craig Roberts, Aconteceu nos EUA: o estado policial existe. 
[4] Avião usado por Alemanha e Itália na 2ª. Guerra Mundial, Junkers Ju 87, popularmente conhecido como Stuka (forma reduzida do alemão Sturzkampfflugzeug, bombardeiro de mergulho).
[5] Oleoduto para transportar petróleo a ser extraído das chamadas tar sands, que está em planejamento, para ser construído pela empresa TransCanada, projetado para percorrer 1.897 km, da cidade de Hardisty, Alberta, no Canadá, até o Texas (mapa acima). Para iniciar a construção do oleoduto – que tem sido alvo de furiosos ataques de ambientalistas – a empresa aguarda apenas o sinal verde de Obama.


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