quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

BANCO DE DESENVOLVIMENTO DOS BRICS: Primeiro prego no caixão do dólar norte-americano!


28/2/2013, K.Gajendra Singh, Midia with Conscience, MWC
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


K.Gajendra Singh
Segundo matéria publicada dia 26/2 no Global Times chinês, o estabelecimento de um banco de desenvolvimento dos BRICS tem sido um dos temas centrais das discussões preparatórias à 5ª Reunião de Cúpula dos BRICS, que acontecerá em Durban, nos próximos dias 26-27 de março.

A grande expectativa é que a Reunião de Cúpula proveja a fundamentação institucional, longamente esperada, para esse Banco de Desenvolvimento que reunirá Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Simon Freemantle, do Banco South African Standard, analista sênior na Unidade de Economia Política Africana, e Jeremy Stevens, especialista em economia internacional que trabalha em Pequim, dizem, em relatório publicado em Africa Macro que o Banco de Desenvolvimento dos BRICS é item de agenda que, com certeza, aparecerá fortemente na Cúpula de Durban, nas discussões temáticas reunidas sob a rubrica “BRICS e África – parcerias para integração e industrialização”.

Segundo a rede Xinhua, espera-se que apareçam vários detalhes sobre o Banco de Desenvolvimento dos BRICS. O principal objetivo do banco visará a promover o desenvolvimento de modo que reflita as prioridades e as competências dos BRICS – como desenvolvimento da infraestrutura, preparação de projetos e estudos de viabilidade. Adiante, um grupo de trabalho será convocado para delinear os compromissos técnicos e as estruturas de organização do novo banco. A China já é a principal presença que anima o comércio na África. “O banco proposto contribui construtivamente para o desenvolvimentos de laços robustos de interdependência entre os países BRICS” – diz o relatório. Espera-se que os estados membros contribuam, metendo a mão nos próprios bolsos, para que o banco funcione.

Segundo um blog do Financial Times, embora algumas decisões chaves ainda não tenham sido tomadas – por exemplo onde o banco terá sede e o que deverá fazer exatamente – alguns elementos começam a aparecer das discussões preparatórias, principalmente sobre o possível capital do novo banco: 50 bilhões de dólares.

O banco não é alguma espécie de contrapeso aos bancos multilaterais de desenvolvimento – como, principalmente, o Banco Mundial. Mas, sim, a dominação que EUA e a União Europeia exercem sobre as instituições de Bretton Woods é fonte de discussão entre os BRICS. Apesar disso, no escopo específico, o banco que os BRICS planejam criar será instituição auxiliar de financiamento – evidentemente mais diretamente alinhada com a agenda de desenvolvimento dos BRICS. O novo banco tampouco será criado para competir com bancos nacionais de desenvolvimento nos países BRICS.

A relevância do Banco de Desenvolvimento dos BRICS dependerá de sua efetividade e especialização. Mais do que posicionar-se como denominador comum, ou construir agendas que se sobreponham às de outras instituições de financiamento do desenvolvimento que há nos BRICS e aos bancos nacionais, entre os quais o Banco de Deselvimento do Brasil (BNDES), o Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e o Banco Export-Import da Índia, o novo Banco precisará de músculos sobre os ossos, antes de nos arriscarmos a qualquer otimismo. (...)

Enquanto China, Índia, Rússia e outros comerciam com a África e investem na África, velhas potências coloniais como a, hoje, socialista França, o Reino Unido e, mais que todos, os EUA, destroem Estados e desejam saquear todo o ouro e outros recursos naturais que encontrem, como fizeram nos séculos 19 e 20.

Há uma semana, divulguei um artigo, Manipulations and Mystery about Gold Reserves; an ounce in hand is better than two with US Federal Reserve [Manipulações e mistérios sobre reservas em ouro: uma onça de ouro na mão vale mais que duas no Federal Reserve dos EUA].

O artigo IMF Information Leaks: Central Banks Gold Manipulations[Vazam Informações do FMI: Bancos Centrais e a Manipulação Do Ouro], Valentin Katasonov, 7/2/2013, oferece leitura quase surrealista sobre as reservas em ouro e os suspeitos de sempre – Wall Street e a City de Londres, banqueiros e financistas londrinos. A informação disponível é leitura de dar medo, que comprova que o sistema financeiro internacional não passa de castelo de cartas, também conhecido como deslavada roubalheira, bandidagem e daí, só piora.

Em 1971, pelo menos, os EUA cumpriram o que ficou acordado em Bretton Woods e pagaram US$ 35 pela onça de ouro, o que valeu, ao dólar, o status de moeda de reserva.


A politização da Justiça


A Suprema Corte [nos EUA] ergue uma barreira contra as liberdades civis

27/2/2013, Norman Pollack, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Norman Pollack
Na 3ª-feira, a Suprema Corte dos EUA, acompanhando a opinião de Alito [juiz Samuel Alito], deu passo significativo na direção de unir o contraterrorismo à feia mancha do anticomunismo, do mccarthyismo, das acusações, denúncias, ataques e perseguições a indivíduos ou grupos ditos comunistas, voltando às leis de Alienação e Sedição [orig. Alien and Sedition Laws] do século 18, e atualizando grande parte do pano de fundo ideológico que começou pelo apagamento da 1ª Guerra Mundial, dos Palmer Raids, dos campos de concentração para japoneses nos EUA, etc., etc..

Não, não há exagero algum. A Suprema Corte está convertida em carimbo de “legalização” da campanha do presidente Obama para retraduzir a Constituição dos EUA, criando um clima de apoio a atos repugnantes e odiosos, como os assassinatos predefinidos [orig. targeted assassinations] e a captura do poder pelo Executivo, como se vê no Estado de Segurança Nacional, na aplicação das Leis de Espionagem e na conversão da CIA em força paramilitar, intimamente alinhada com o Comando do Estado Maior das Forças Armadas – além das claras violações da lei internacional. E tudo sob o manto do mais luzidio liberalismo.

Não se sabe o que é pior – se a prisão indefinida ou os assassinatos predefinidos; nos dois se vê a marca do totalitarismo, e o povo desvia os olhos, autoindulgente demais, egoísta demais, envolvido demais, para se incomodar, num estado de absoluta falsa consciência. E aquela decisão persistirá sem que se ouça um murmúrio, o que significa envolver o contraterrorismo num manto de legitimidade e, assim, estimular que se faça cada vez mais, do mesmo: cada vez mais liberdades civis assaltadas, cada vez mais ataques de drones usados para aterrorizar populações inteiras, garantindo os humores necessários para insistir nos esforços que os EUA empreendem hoje para construir sua dominação político-econômica unilateral; e, no plano interno, preservando e intensificando as desigualdades entre ricos e pobres.

Samuel Alito
Infeliz juiz Alito – jurista sem qualquer brilho, cujas credenciais são a lista dos muitos aos quais serviu, reacionário confiável, apoiador da repressão, cujo individualismo doentio sanciona a destruição do estado de bem-estar, sem o qual o argumento democrático se esvazia. Disse “infeliz” porque obviamente não é o único, nem na Suprema Corte, nem na vida pública e, portanto não é o caso de o tomarmos como único objeto de crítica. Obama, com seu desprezo pela justiça social e pelos princípios legais faz, com Alito, um par perfeito.

Nos EUA, os três poderes uniram-se contra os padrões humanos e as práticas democráticas de governo. A situação dos EUA é um profundo abismo de mxxxx.

Adiante, o comentário que enviei ao NYTimes. Esperemos que haja uma onda tectônica de repúdio a uma política que já tem o imprimatur da Constituição, contra uma força de provocação que autoriza o governo a matar, prender, espionar qualquer um que o próprio governo declare inimigo, em perfeita impunidade e imune a qualquer julgamento decente.

Barack Hussein Obama, O Novo Mccarthyismo

Ao New York Times, 26/2/2013: O abismo da ilegalidade

Sejamos claros. Os apoiadores de Obama, que anotem bem: Obama e o Departamento de Justiça gostaram muito da decisão da Suprema Corte que impede qualquer denúncia contra o procedimento do governo para degradar extraordinariamente as liberdades civis. A ficção de Alito, que sonha com que nenhuma denúncia chegue à Suprema Corte, protege as escutas clandestinas, a vigilância total, as “entregas extraordinárias” de prisioneiros para serem torturados nos “buracos negros” da CIA em outros países, a detenção indefinida; e converte o contraterrorismo em Novo Mccarthyismo. Vê-se ali, a politização da lei.

Mas não surpreende, dada a obsessão de Obama com o sigilo e os segredos (que andam sempre juntos) que envolvem todo seu governo. Por que esse pervertido descarte do devido processo legal, do habeas corpus, do estado de direito?

É que Obama, como Brennan – dada a prostituição da Justiça pela Suprema Corte, depois de décadas de agressões às liberdades civis – temem, com muita razão, a revelação de crimes de guerra, sobretudo do programa de drones indispensáveis ao programa de assassinatos predefinidos.

Obama continua a cavar cada vez mais fundo no abismo da ilegalidade e, em termos práticos, do assassinato político.

Dar-me-ia por satisfeito com passagem só de ida, diretamente para a Corte Internacional de Justiça, para Obama, Brennan e Alito.

Cidade de Port Said, Egito, declara-se em campanha de desobediência civil


29/2/2013, Ahmed Morsy, Al-Ahram Weekly, Egito
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ver também:
·        27/11/2011, redecastorphoto, Pagina 12, Eduardo Febbro em: A praça sem chefes, ordens, capitães e hierarquias
·        2/4/2012, redecastorphoto, Al Ahram em: A Revolução dos Ultras - Torcidas organizadas (no Cairo)
·        4/2/2013, redecastorphoto, Mark Levine, Al Jazzeera em:Egito em “bloco-negro”: tática anarquista de revolução de rua”  


Ahmed Morsy
No domingo, a cidade de Port Said acordou sob o impacto de uma campanha de desobediência civil lançada por movimentos egípcios revolucionários e apoiada pela torcida organizada do time al-Masri, de futebol [1].

Estudantes, empregados e operários participam da ação. Durante toda a semana as escolas permaneceram fechadas. A Zona Franca Pública e a Investment Authority – conjunto de mais de 29 fábricas na área urbana da cidade – fecharam as portas. O prédio do governadorato de Port Said foi cercado e a estrada de ferro Cairo-Port Said foi bloqueada por tanques do exército, que também cercaram outros equipamentos considerados chaves pelo governadorato.

“Os habitantes de Port Said foram negligenciados ao longo de décadas. Não contam com quaisquer serviços públicos e são atacados. O sangue deles respinga nas ruas” – disse Mohamed Abdel-Wahab, 58 anos, morador da cidade, que participou, no domingo, de uma acampada à frente da sede do governadorato.

Manifestação em Port Said domingo último (24/2/2013)
No domingo, milhares de manifestantes participaram de passeatas organizadas como parte da campanha de desobediência civil. Os manifestantes exigem que se condenem os responsáveis pela morte de mais de 40 manifestantes nos violentos confrontos com a Polícia que irromperam dia 26 de janeiro e levaram à implantação de toque de recolher na cidade.

A violência aconteceu depois que o tribunal condenou à morte 21 moradores de Port Said, acusados de participação na morte de 74 torcedores do al-Ahli de futebol, em fevereiro de 2012, depois de um jogo de futebol entre as equipes do al-Masri, de Port Said, e do al-Ahli, do Cairo.

A maioria dos condenados declarou-se inocentes. Muitos, em Port Said, estão convencidos de que o tribunal condenou sem provas suficientes, usando alguns dos acusados como bodes expiatórios, para acalmar a situação no Cairo. O julgamento, dizem eles, teve motivação política, tentativa para aplacar a ira dos “Ahli Ultras” torcedores do al-Ahli, que ameaçaram criar o caos, se as sentenças não forem executadas.

“Exigimos que um tribunal e juízes independentes investiguem a morte, mês passado, de mais de 40 moradores de Port Said” – Abdel-Wahab disse a Al-Ahram Weekly. “Exigimos também que aqueles 40 mortos nos confrontos do mês passado sejam considerados mártires da revolução. E exigimos que os suspeitos de terem participado do massacre no estádio, em 2012, sejam novamente julgados. Muitos dos que permanecem presos são inocentes”.

“Será que, para fazer valer nossos direitos, teremos de agir como “os Ahli Ultras” do al-Ahli, que ameaçaram lançar o país em estado de anarquia?” – perguntou Mahmoud Rayan, 25 anos, desempregado, habitante de Port Said. Antes de a corte anunciar a sentença, torcedores do al-Ahli haviam cercado o prédio da Bolsa de Valores e bloqueado a ponte 6 de Outubro, exigindo a pena de morte para os responsáveis pelo massacre no estádio de Port Said.

“Exigimos um pedido oficial de desculpas pela violência. E as vítimas da violência policial na cidade devem ser consideradas mártires da Revolução de 25 de Janeiro” – disse Rayan àquele semanário.

“Se presidentes tratam o sangue dos egípcios como mercadoria barata, abaixo todos os presidentes” – cantavam os manifestantes em passeatas que cruzavam a cidade de Port Said. Também gritavam slogans contra a Fraternidade Muçulmana e o Ministério do Interior.

“A mídia fez crer e divulgou para a opinião pública que todos os que morreram mês passado seriam de gangues armadas, interessados em invadir a prisão para libertar os suspeitos que permanecem presos. É mentira” – disse Ahmed Hassan, morador de Port Said e ativista. – “A maioria dos que morreram nada tinha a ver com a tentativa de invadir a prisão”.

Mahmoud Al-Arabi, filho de Soad Ali, morreu dia 26 de janeiro. “Quem pagará pelo sangue do meu filho?” – pergunta ela. – “Por nós, só temos Deus”.

“Mahmoud tinha apenas 23 anos. Saiu para comprar comida para o jantar. Estava a mais de meio quilômetro de distância da prisão. Foi morto com um tiro na cabeça. Condeno Mursi, o Ministro do Interior e o Diretor de Segurança, como culpados da morte do meu filho”.

A situação já tensa piorou no domingo, quando dúzias de torcedores do al-Ahli atacaram membros de uma equipe de voleibol de Port Said. Invadiram o Shooting Club em Dokki e atacaram membros das equipes Robat e Anwar de voleibol, antes de incendiarem o ônibus em que viajavam.

Hussein Zayed, membro do Conselho da Shura Council, nascido em Port Said e Secretário-Geral assistente do Partido Wasat, iniciou uma manifestação e acampada no Conselho, na 2ª-feira, para protestar contra a inação do gabinete do presidente, ante o agravamento da crise em sua cidade.

Zayed disse que sugestões que apresentara ao presidente Mohamed Mursi, ao Primeiro-Ministro Hisham Kandil e ao governador de Port Said sobre modos de resolver a situação foram todas ignoradas. Encerrou a manifestação no mesmo dia, depois que o porta-voz do Conselho da Shura, Ahmed Fahmi, prometeu examinar suas sugestões e responder o mais rapidamente possível.

O comércio em Port Said permanece  fechado até hoje (28/2/2013)
Na 2ª-feira à tarde, o governador de Port Said, major-general Ahmed Abdallah, anunciou que o Ministro da Justiça Ahmed Mekki designara um juiz para iniciar imediatamente investigação sobre os confrontos do dia 26 de janeiro, com instruções para que chamasse a depor todos os oficiais superiores da segurança do governadorato.

Disse também que o governadorato de Port Said, o Ministério de Seguros e Assuntos Sociais e a Associação de Investidores de Port Said criaram um fundo para indenizar as famílias dos mortos nos confrontos do mês passado, e que 35 mil libras egípcias já estavam previstas, como indenização a ser paga à família de cada mártir.

“Não creio que o povo de Port Said acredite em Mekki nem que ponha fim à desobediência” – disse Hassan. “O governo perdeu toda a credibilidade entre os moradores da cidade”.

Em Port Said, os serviços públicos estão em colapso e só o desemprego cresce. “Absolutamente não há nenhuma vaga de emprego em toda a cidade” – diz Rayan, que trabalha parte do dia como motorista de táxi. – “O que ganho num dia de trabalho é gasto à noite, até o último vintém, em comida”.

“Em Port Said há a zona franca do Canal de Suez, com suas fábricas e várias empresas de petróleo. Mas não se encontra trabalho. A maioria dos trabalhadores são migrantes. Antes, podíamos, pelo menos, comprar mercadoria no porto e revender aos que chegavam de outras províncias. Hoje, já nem isso é possível”.

Em 1977, o presidente Anwar Al-Sadat assinou decreto presidencial que converteu Port Said em área de livre comércio. Em 2001, o presidente Hosni Mubarak mandou abolir a zona franca. A partir daí a cidade foi vítima de legislação que nunca parou de mudar e de políticas vacilantes e indefinidas, até que, em 2012, o decreto foi efetivamente implantado.

A Associação dos Trabalhadores do Arsenal Marítimo em Port Said e o Sindicato dos Trabalhadores da Zona de Livre Comércio decidiram aliar-se à campanha de desobediência civil iniciada na 2ª-feira. Funcionários do Sindicato disseram que o fizeram para protestar contra as condições de crescente deterioração na cidade.

“Contêineres saem ou partem para outras cidades, enviadas do porto, sem serem examinados. Sequer são abertos” – disse à Weekly Osama Al-Arabi, comerciante de Port Saidi. – “Isso tem impacto negativo sobre os empregos na cidade”.

A cidade foi declarada zona franca em 1902. Os barcos atracavam em ilhas próximas e comerciavam seus produtos sem passar pela alfândega. Oficialmente, essa situação só deixou de ser rotina 110 anos depois, em 2012. Imediatamente depois da Revolução, os comerciantes de Port Said ameaçaram desertar da Câmara de Comércio local, se o status anterior não fosse restaurado.

Em movimento atrasado, de mostrar alguma atenção às preocupações dos habitantes da cidade, a televisão estatal disse, na 2ª-feira, que o Presidente Mursi determinara que 400 milhões de libras egípcias passassem a ser alocadas, anualmente, para promover o desenvolvimento das cidades do Canal (Port Said, Ismailia e Suez). Disse também que Mursi teria apresentado ao Conselho da Shura um projeto de lei que devolverá a Port Said o status de zona franca de comércio.

Uma semana depois de iniciada, a campanha de desobediência civil em Port Said começa a dar os primeiros resultados. A estratégia está sendo analisada por ativistas de outras províncias e cidades cujos habitantes sentem-se tão esquecidos e negligenciados quanto os Port-Saidis.



Nota de rodapé
[1] Al-Masry Sporting Club (árabe: النادي المصري للألعاب الرياضية), é uma associação esportiva egípcia, mais conhecida pela equipe de futebol, com sede em Port Said. Foi fundada em 1920, por um grupo de moradores de Port Said, para ser o primeiro clube a ser frequentado por egípcios na cidade, cheia de clubes privados, restritos às muitas comunidades estrangeiras que viviam em Port Said. O Al-Masry [O Egípcio] venceu 22 campeonatos oficiais ao longo de sua história. É um dos cinco clubes de futebol de maior torcida no Egito, ao lado de Al-Ahly, Zamalek SC, Ismaily SC e Al-Ittihad Al-Sakndary. A equipe de futebol disputou a Liga Principal de Futebol no Egito até o desastre no estádio em Port Said, em 2012, e as controvérsias que se seguiram.
Os torcedores do Al-Masry reivindicaram para eles a honra de ser a primeira torcida organizada de equipe de futebol do Oriente Médio, quando constituíram, em 1960, a “Associação de Torcedores do Al-Masry Club”, registrada no Ministério do Interior do Egito (reg.n. 102, de 1960). Em 2009, constituiu-se um subgrupo de torcedores, que se autodenominou “Ultras Green Eagles”, ou, simplesmente “os UGE” [Ultra Águias Verdes]. Também em 2010, surgiu outro subgrupo de torcedores organizados, os Ultras Masrawy, bem menor que os UGE. As duas torcidas partilham a mesma parte do estádio, chamada “Almodarag Algharby” [Curva Norte).

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Academia Nacional de Ciências dos EUA: “Antropologia para destruir consciências”


26/2/2013, David H. Price  entrevista Marshall Sahlins, Counterpunch
Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu

David H. Price
6ª-feira passada, o conhecido e respeitado antropólogo da Universidade de Chicago,  Marshall Sahlins renunciou formalmente à condição de membro eleito da Academia Nacional de Ciências [orig. National Academy of Sciences (NAS)], a mais prestigiada sociedade científica dos EUA.

Sahlins declarou que renunciou porque tem graves “objeções à eleição de [Napoleon] Chagnon e aos projetos de pesquisa militar que a Academia endossa”.

Sahlins foi eleito membro da Academia Nacional de Ciências em 1991.

Adiante, a declaração em que explica a renúncia:

Marshall Sahlins
Como seus próprios escritos comprovam, além de vários testemunhos, dentre os quais de povos, profissionais e estudiosos da Região Amazônica, Chagnon provocou grave dano às comunidades indígenas entre as quais conduziu suas pesquisas. Simultaneamente, suas opiniões ‘científicas’ sobre a evolução humana e a seleção genética que favoreceria a violência nos machos – como se lê em estudo que publicou em 1988 no periódicoScience – já se comprovaram rasas e sem qualquer base de comprovação, o que muito contribuiu para o descrédito de toda a Antropologia. Para dizer o mínimo, sua eleição para a Academia Nacional de Ciências dos EUA é grave mácula moral e intelectual a pesar sobre todos os membros da Academia, motivo pelo qual minha participação nessa Academia converte-se, para mim, em grave embaraço.

Tampouco desejo ser parte da ajuda, do apoio, do conforto que essa Academia Nacional de Ciências está dando à pesquisa nas ciências sociais dirigida para aprimorar o desempenho em combate dos militares norte-americanos, militares os quais já cobram preço excessivo ao povo norte-americano, em sangue, dinheiro e felicidade, além do sofrimento que impuseram a outros povos nas desnecessárias guerras desse século. Entendo que a Academia Nacional de Ciências dos EUA,ainda que trabalhe para os militares, tem de estudar para promover a paz, em vez de estudar meios para promover mais guerras.

Napoleon Chagnon
Napoleon Chagnon ascendeu à fama depois de trabalho de campo que fez entre os Yanomami na bacia do rio Orinoco nas florestas úmidas do nordeste da América do Sul, nos anos 1960s e 70s. Escreveu uma etnografia best selling usada em aulas de introdução à antropologia em todo o mundo, em que descreve o povo Yanomami como “povo feroz”, por causa dos altos índices de disputas guerreiras intra e entre-grupos durante seu trabalho de campo, disputas que Chagnon descreveu como manifestação de tendência inata que representaria, de algum modo, um estado natural imaginado.

Chagnon está atualmente sob os holofotes, num tour nacional de lançamento de um livro de memórias (Nobel Savages) no qual apresenta a maioria dos antropólogos norte-americanos como cretinos cabeça mole militantes pós-modernos empenhados em guerra contra a ciência.

Fato é, contudo, que, exceto no campo distorsivo do New York Times e de alguns outros poucos agentes “midiáticos”, absolutamente não há qualquer antropologia que faça “guerra à ciência” nos EUA. O que há é rejeição ampla e geral ao trabalho de Chagnon – em todos os casos explicável e explicada pela baixa qualidade da pesquisa que fez e faz.  Em seu blog Anthropomics, o antropólogo Jon Marks falou de Chagnon como “antropólogo incompetente”, e acrescentou:

Jon Marks
Esclareçamos o que digo com a palavra “incompetente”. Seus [de Chagnon] métodos para coletar, analisar e interpretar os próprios dados estão fora dos parâmetros aceitáveis como prática no campo da Antropologia. Sim, ele viu os Yanomamis fazendo coisas terríveis. Mas quando concluiu, do que observou, que os Yanomami seriam inatamente e primordialmente “ferozes”, ele perdeu toda a credibilidade antropológica, por que não há qualquer observação que demonstre tal coisa. Chagnon tem pleno direito às suas opiniões pessoais, como os criacionistas e os racistas, mas não há dado empírico que dê suporte à conclusão, o que faz dele antropólogo incompetente.

A rejeição amplamente disseminada entre os antropólogos, das interpretações de Chagnon, não se dá, portanto, por alguma oposição à ciência.

Um dos mais empenhados críticos de Chagnon foi o antropólogo Marvin Harris, arqui positivista e firme defensor do método científico. E Harris rejeitou o trabalho de Chagnon e suas ideias de sociobiologia em furiosos debates acadêmicos que se arrastaram por décadas, não porque Harris trabalhasse contra a ciência, mas porque Chagnon trabalhava como mau cientista (entre Harris e Sahlins há diferenças teóricas fundamentais, embora ambos façam objeções semelhantes à militarização da antropologia e ambos rejeitem o trabalho sociobiológico de Chagnon). (...)

Em 2000, houve houve dolorosa crise na Associação Norte-Americana de Antropologia, depois da publicação de Darkness in El Dorado, de Patrick Tierney, no qual se fazem numerosas acusações de exploração (e outras mais graves) contra Chagnon e outros antropólogos que trabalhavam com os Yanomami (ver o ensaio de Barbara Rose Johnson sobre o filme de José Padilha, Os segredos da Tribo). Sem detalhar as idas e vindas envolvidas em estabelecer a miséria dos argumentos de Chagnon, basta dizer que oferecem a Chagnon um dos seletos assentos da Seção 51 da Academia Nacional de Ciências do EUA é afronta a muitos antropólogos, de várias correntes teóricas, autoidentifiquem-se ou não como cientistas.
 
A renúncia de Marshall Sahlins é atitude heroica contra a subversão da ciência por quem fale de alguma natureza humana que seria naturalmente violenta. E é corajosa posição, também, contra a militarização da ciência. As credenciais de Sahlins como ativo opositor à militarização do conhecimento nos EUA são bem conhecidas, desde que criou um curso livre [orig. teach-in], autônomo, em fevereiro de 1965 na Universidade de Michigan. Mesmo assim, deve ter sido extremamente difícil para ele renunciar à sua tão prestigiosa posição na Academia Nacional de Ciência dos EUA.

No final de 1965 Sahlins viajou ao Vietnã para observar in loco a guerra e os norte-americanos em combate, pesquisa que resultou em seu ensaio seminal “The Destruction of Conscience in Vietnam” [A destruição da consciência no Vietnã]. Tornou-se, a partir dali, uma das vozes antropológicas mais claras e mais vigorosas a manifestar-se contra todos os esforços (nos anos 1960s e 70s e, novamente, nos EUA pós-11/9) para militarizar a antropologia.

Em 2009, participei de uma conferência na Universidade de Chicago que examinou os renovados esforços dos militares e das agências de segurança norte-americanas para servirem-se de dados antropológicos em seus projetos de contraguerrilha em todo o mundo. No trabalho que apresentou àquela conferência, Sahlins disse que “no Vietnã, a estratégia mais empregada era localizar e destruir; hoje, a estratégia é pesquisar e destruir. Mas ainda há quem argumente que haveria algo de positivo na apropriação, pelos militares, da teoria antropológica – apropriação incoerente, simplista, para nem falar de o quanto não passa de repetição tediosa e cansativa de pensamento já superado – mesmo quanto seus protocolos etnográficos para abordar sociedades e culturas locais não passem de delírios inoperáveis”.

Ontem, Sahlins enviou-me um e-mail que circulou entre os membros da Seção 51 (Antropologia) da Associação Nacional de Ciência dos EUA, anunciando dois novos “projetos de avaliação de consenso”, sob patrocínio do Instituto de Pesquisa do Exército. O primeiro projeto é “The Context of Military Environments: Social and Organizational Factors” [O contexto de Ambientes Militares: fatores sociais e organizacionais]; o segundo, “Measuring Human Capabilities: Performance Potential of Individuals and Collectives” [Avaliação de Capacidades Humanas: Potencial de desempenho de indivíduos e coletividades].

Quem leia os anúncios dos novos projetos, vê logo que os militares estão buscando a ajuda de cientistas sociais e da engenharia social, para capacitar unidades intercambiáveis de pessoas para trabalhar em projetos militares, sem ter problemas de interface. Essa parece ser cada vez mais a função que os americanos veem para os antropólogos e outros cientistas sociais: facilitadores das operações militares.

A seguir, minha conversa com Sahlins, ontem, discutindo sua renúncia, a eleição de Chagnon para a Academia Nacional de Ciências e os laços entre a ANC e os projetos militares.

Price: Como Chagnon conseguiu converter os muitos ataques à sua pesquisa eticamente incômoda e cientificamente questionável em ataque à própria ciência?

Sahlins: Chagnon não discutiu nenhuma das questões que se levantaram contra ele, sobretudo a crítica aos supostos dados, como se leu no artigo de 1988 [na revista] Science, nem discutiu as críticas dos antropólogos da Amazônia àquela etnografia rasa e oca e ao retrato distorcido que pintou dos Yanomami. Como outros cientistas Cro-Chagnon, simplesmente se recusou a discutir os fatos do caso etnográfico. E puseram-se a lançar ataques ad hominem. Antes atacavam os marxistas. Agora, atacam os “humanistas de cabeça de vento”. No entretempo, tentam inventar uma perseguição ideológica anticiência. Mais uma vez, ironicamente, para fugir de ter de discutir as “descobertas”, os dados empíricos. Assim, conseguem não discutir o dano grave que infligiram, física e emocionalmente aos Yanomami; e a infame instigação à guerra, resultado de seus métodos em campo, permanecem completamente encobertos, ignorados, em nome da ciência. Chamei esse método, de “pesquisar e destruir”. Total desastre moral.

Price: Quase todas as notícias sobre sua renúncia à Academia Nacional de Ciências falar ou exclusivamente sobre a eleição de Napoleon Chagnon para a Associação, ou de supostas “guerras científicas” na Antropologia. A mídia absolutamente não fala, ou fala muito pouco sobre suas declarações em oposição ao laços que crescem, cada dia mais, entre a Academia Nacional de Ciências dos EUA e projetos militares. Como os membros da Seção 51 da Academia Nacional de Ciências dos EUA reagiram à orientação, de outubro de 2012, para que os antropólogos da academia orientassem suas pesquisas para aprimorar a efetividade de missões militares?

Sahlins: A Associação Nacional de Ciências não fará, ela mesma, pesquisa de guerra. Em vez disso, alistará recrutas das várias sessões – como se viu, nos memorandos para a Seção 51, de antropologia – e, provavelmente, votará para definir que trabalhos serão publicados. O Conselho Nacional de Pesquisa organiza a pesquisa anual, obviamente em colaboração com a Academia Nacional de Ciências. Aí está outro tentáculo da militarização da antropologia e de outras ciências sociais, da qual os Human Terrain Systems são exemplo bem conhecido. É sistema insidioso, pérfido.

Price: Houve alguma discussão interna entre os antropólogos da Seção 51 da Academia Nacional de Ciência, quando chegaram esses “serviços encomendados” dos projetos financiados pelo Instituto de Pesquisa do Exército?

Sahlins: Não sei. Se houve, eu não recebi qualquer correspondência especial.

Price: E que tipo de reação você observou entre outros membros da Academia Nacional de Ciências? Houve reação?

Sahlins: Praticamente nenhuma reação. Um deles disse que eu sempre sou contra sociobiologia.

Price: Combinar questões inseridas no que Chagnon diz da natureza humana, e a Academia Nacional de Ciências apoiar pesquisas sociais a serviço de projetos militares norte-americanos. Você poderia comentar o papel da ciência e de sociedades científicas numa cultura tão absolutamente dominada pela cultura militar, como os EUA?

Sahlins: Há alguns parágrafos de um artigo que escrevi sobre The Western Illusion of Human Natur [A ilusão ocidental sobre a natureza humana], do qual não tenho cópia à mão, em que cito Rumsfeld (parafraseando Nascido para Matar [orig. Full Metal Jacket, filme de 1987, dir. Stanley Kubrick]) sobre isso: dentro de cada muçulmano no Oriente Médio, há um norte-americano pronto para sair, um norte-americano interessado só na própria liberdade. Basta apertar os demônios que pregam ideias diferentes [ver pág. 42 do artigo de Sahlins, The Western Illusions of Human Nature]. A política global dos EUA, sobretudo a política neoconservadora, não é baseada na confusão entre ganância capitalista e natureza humana? Basta libertar “eles” do erro em que vivem, das ideologias impostas de fora para dentro. Para ler sobre uma alternativa, vejam aquele artigo (acima) e o livrinho que publiquei mês passado, What Kinship Is–And Is Not [Parentesco: o que é e o que não é].

Price:Você menciona um desejo de abandonar os fluxos de financiamento que vêm dos militares, e buscar financiamentos de grupos que apoiem a paz. E como você imagina que se possa trabalhar para conseguir essa mudança.

Sahlins: Ainda não pensei sobre isso, provavelmente porque a ideia de que a Academia Nacional de Ciências faça tal coisa é, hoje, absolutamente impensável.

Eduardo Viveiros de Castro
Há crescente apoio internacional à posição de Sahlins. Marshall repassou-me mensagem que recebeu do Professor Eduardo Viveiros de Castro, do Museu Nacional, Rio de Janeiro, Brasil. Viveiros de Castro escreveu:

Os escritos de Chagnon sobre os Yanomami da Amazônia contribuíram poderosamente para reforçar os piores preconceitos contra esse povo indígena, o qual, certamente, não carece desse tipo de antropologia estereotipada pseudo científica que Chagnon optou por praticar a qualquer custo.

Os Yanomamis absolutamente não são os robôs sociobiológicos viciosos e desprezíveis que Chagnon pinta – projetando ele sobre os Yanomami, como tudo sugere, a percepção que tem da sua própria sociedade (ou da própria personalidade).

Os Yanomami são indígenas que conseguiram, contra todas as probabilidades, sobreviver por seus meios tradicionais numa Amazônia cada vez mais ameaçada pela destruição social e ambiental. São povo de cultura original, robusta e inventiva. A sociedade dos yanomami é infinitamente menos “violenta” que a sociedade brasileira ou que a sociedade norte-americana.

Praticamente todos os antropólogos que trabalharam com os Yanomami, muitos dos quais com experiência de campo muito maior com aquele povo, que Chagnon, consideram não recomendáveis os métodos de pesquisa de Chagnon (para dizer o mínimo); e consideram fantasiosas as suas caracterizações etnográficas.

A eleição de Chagnon para a Academina Nacional de Ciências dos EUA não honra a ciência norte-americana, nem a Antropologia como disciplina. E afronta também os Yanomami.

No que me diga respeito, considero Chagnon inimigo dos povos indígenas da Amazônia. Resta-me só agradecer ao prof. Sahlins por sua posição firme e corajosa em apoio aos Yanomami e à ciência antropológica.

Somos deixados cá, a conjecturar o que será da ciência, seja a que se pratica com “C” maiúsculo, seja a que leva “c “ minúsculo, quando essas discussões sobre práticas, aplicações erradas e resultados abomináveis são cada dia mais marginalizadas, ao mesmo tempo em que se promovem e prestigiam, cada dia mais, os produtos e resultados que mais bem se encaixem nos valores e objetivos da guerra infinita.

A Academia Nacional de Ciências unida na defesa de um personagem como Chagnon, demonizando quem o critique, inventando que estariam atacando não Chagnon, suas práticas e suas teorias, mas a própria ciência, agride frontalmente os próprios cientistas lá reunidos. É lastimável que a Academia Nacional de Ciências dos EUA tenha-se autoencurralado, ela mesma.

A dinâmica desses divisionismos não é única, nem exclusiva desse pequeno segmento da comunidade científica. Em seu ensaio de 1966, sobre “A destruição da Consciência no Vietnã”, Sahlins escreveu que, para conseguir continuar sempre a fazer guerra, os EUA teriam de destruir a própria consciência – porque a nação não conseguiria suportar a visão dos destruídos pelos EUA:

A consciência tem de ser destruída; tem de morrer à altura do fim do cano da arma. Tem de não ver a bala. Por isso, todas as discussões periféricas morrem atrás das cortinas, sem chegar ao palco. A guerra passa a ter objetivos transcendentes e, em guerra desse tipo, o que se faça em nome do Bem é virtuoso e são necessárias todas as mortes e assassinatos. O fim justifica os meios.

É trágico quando gente de boa consciência encontra, como única via possível, a renúncia aos próprios direitos. Mas, não raras vezes, o ato de se desassociar é a declaração mais corajosa e mais contundente que se pode fazer.