quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

“Zero Dark Thirty”: dádiva de Hollywood ao poder


25/1/2013, Slavoj Žižek, The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Slavoj Žižek
Eis aqui como, nem carta ao LA Times, Kathryn Bigelow justificou a exibição (pedagógico-didática?!) de métodos de tortura usados por agentes do governo dos EUA para cercar e assassinar Osama bin Laden, em seu filme “A hora mais escura” [orig. Zero Dark Thirty]:

Nós, que trabalhamos com artes, sabemos que mostrar não é apoiar. Se fosse, nenhum artista poderia pintar práticas inumanas, nenhum autor poderia escrever sobre elas, nenhum cineasta poderia mergulhar nos difíceis temas de nosso tempo.

É? É mesmo?! Ninguém precisa ser moralista nem idiota, quanto às urgências e necessidades de combater ataques terroristas, para saber que torturar um ser humano é ação, ela mesma, tão profundamente destrutiva e avassaladora que mostrar a tortura de modo ‘neutro’ – quer dizer: neutralizar a dimensão destrutiva e avassaladora da tortura – já é um tipo de apoio.

Imaginem um documentário que mostrasse o Holocausto de modo “neutro”, cool, desinteressado, como se fosse operação de logística industrial, atento a cada mínimo problema técnico (transporte e disposição dos cadáveres, prevenção de pânico entre os prisioneiros a serem executados hora a hora nas câmaras de gás). Tal filme manifestaria profunda (e obscena, imoral) satisfação com o Holocausto? Ou contaria com a neutralidade obscena do estilo, para gerar horror e medo entre os espectadores. Onde se encaixa Bigelow?

Kathryn Biglow (à direita) diretora de Zero Dark Thirty. "A defesa mais obscena do filme é a ideia de que Bigelow rejeitaria o moralismo barato e exibiria com sobriedade a realidade da luta antiterrorismo".
Sem vestígio de dúvida, Bigelow encaixa-se a favor da normalização da tortura. Quando Maya, heroína do filme, assiste pela primeira vez à simulação de afogamento, dá sinais de estar um pouco chocada, mas rapidamente entende do que se trata; adiante, já sabe chantagear um prisioneiro árabe de alto nível: “Se você não contar tudo, entregamos você a Israel”. A caça obcecada, fanatizada a Bin Laden ajuda a neutralizar os padrões morais regulares, substituídos por imoralidade total.

Ainda mais repugnantemente amoral é o parceiro de Maya, um jovem agente da CIA, de barbas, que domina com mestria a arte (imoral) de passar da tortura à amizade, tão logo a vítima tenha sido partida ao meio (quanto acende o cigarro da parceira e trocam risadinhas e piadinhas). Há algo profundamente perturbador em como, mais tarde no filme, ele passa, de agente torturador vestindo jeans, a bem-vestido burocrata de Washington. É normalização da tortura no grau mais puro e mais eficiente – com algum mal-estar, mais por causa de sensibilidades ofendidas do que por ação antiética. Mas o serviço tinha de ser feito. Essa consciência de que o que o torturador sofre é (seria) o mais alto custo humano da tortura obriga a ver que o filme não é apenas propaganda barata: a complexidade psicológica é levada à cena de modo que os liberais possam assistir sem se sentirem culpados. Por essa razão “A hora mais escura” é muito mais imoral que “24 horas” – onde Jack Bauer, pelos menos, “racha” emocionalmente, ao final da série.

O debate sobre se simulação de afogamento é tortura ou não, tem de ser esquecido para sempre: não passa de óbvio nonsense: por que, se não por causa da dor e do medo de morrer, a simulação de afogamento faz falar até militantes muito experientes, duros, treinadíssimos? A troca dos nomes, de “tortura” para “técnica de interrogatório estimulado”, é mais um truque da lógica do politicamente correto: bastam algumas pequenas alterações de linguagem, e a violência mais brutal, praticada por agentes do Estado, é afinal apresentada como publicamente aceitável.

Cena do filme (início da invasão)
A defesa mais obscena do filme é a ideia de que Bigelow rejeitaria o moralismo barato e exibiria com sobriedade a realidade da luta antiterrorismo, que levantaria questões difíceis e, assim, nos obrigaria a pensar (além do que, como alguns “críticos” observaram, Bigelow “desconstrói” clichês femininos – Maya não mostra qualquer sentimento, é durona e obcecada na “missão”, como qualquer homem).
Santo deus! Não se pode “pensar” a tortura! Exemplo paralelo que se impõe inevitavelmente é o estupro. E se o filme mostrasse um estupro violento, também com “isenção”, cool, neutro, com todos os detalhes técnicos e topográficos... e insistisse em que temos de fugir do moralismo barato e passar a tentar compreender o estupro em toda sua abissal, infernal, complexidade?

Nossas tripas nos gritam que há aqui alguma coisa terrivelmente errada: prefiro viver numa sociedade na qual o estupro seja apenas INACEITÁVEL; e de tal modo que quem defenda o estupro, o Holocausto ou a tortura seja imediatamente visto e avaliado como louco varrido, como idiota perfeito, com o qual ninguém, em nenhum caso, seria obrigado a discutir.

É sinal de avanço e amadurecimento éticos, que a tortura seja sempre rejeitada, DOGMATICAMENTE rejeitada como repulsiva... sem que ninguém tenha de construir complexas redes argumentais, para “demonstrar” o horror da tortura.

E o que dizer do argumento “de realismo”: a tortura sempre existiu; não é melhor discuti-la e falar publicamente sobre ela?

Pois é aí, precisamente, que mora o problema: se a tortura sempre continuou, se jamais foi interrompida... por que o governo dos EUA não fala abertamente sobre ela? A resposta é uma só: para naturalizar a tortura, para normalizá-la, para destruir, para baixar muito, os nossos padrões éticos.

Tortura salva vidas? Talvez sim, mas, com certeza, perde almas. A mais obscena justificação da tortura é o argumento de que herói-herói-mesmo é ele, ou ela, que esteja pronto a perder sua alma... para salvar vidas dos compatriotas...

A normalização, a naturalização da tortura em “A hora mais escura” é sinal do vácuo moral no qual vamos aos poucos mergulhando. Quem tenha qualquer dúvida, tente imaginar qualquer grande produção de Hollywood, que mostrasse tortura em detalhes, como Bigelow mostra hoje... há 20 anos. Nunca existiu nem existiria: é impensável.

Ficha técnica e “trailer” do filme:
Título em português: “A hora mais escura”
Ano da produção: 2012
País: EUA
Duração: 157 mins
Diretora: Kathryn Bigelow
Elenco: Chris Pratt, Edgar Ramirez, James Gandolfini, Jason Clarke, Jennifer Ehle, Jessica Chastain, Joel Edgerton, Kyle Chandler, Mark Strong.
Mais sobre o filme (em inglês)


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

70 anos da Batalha de Stalingrado


Max Altman* - janeiro de 2013
Texto enviado pelo autor
Ilustrações colhidas na internet pela redecastorphoto


Mal. Von Paulus
Faz exatos 70 anos. No dia 31 de janeiro de 1943, o marechal Friedrich Von Paulus, comandante do VI Exército alemão, comunicava sua capitulação incondicional ao general Vassili Chuikov, comandante do Exército Vermelho em Stalingrado.

Estava encerrada a mais feroz, a mais encarniçada, a mais renhida e sangrenta, a mais comovente, a mais obstinada e violenta, a mais cruenta e impetuosa das batalhas militares que a História da humanidade conheceu.

Estava quebrada a espinha dorsal da poderosa máquina de guerra nazista e do Terceiro Reich. A Segunda Guerra Mundial sofria, naquele momento, dramática guinada.

A humanidade deve aos heróicos soldados do Exército Vermelho ter se livrado das trevas do nazi-fascismo. Todo ser humano, defensor da democracia, da liberdade, da fraternidade, tem o dever de ressaltar sempre e em cada momento o significado desta epopéia.

A Alemanha nazista era poderosa e intensa a sua influência política. Se tivesse derrotado o Exército Vermelho, a sombra do nazismo pairaria por muitas e muitas décadas sobre povos e nações do mundo inteiro, com todo o seu horror ideológico e racial. 

Assistam a seguir o filme "Stalingrado - A batalha final" (legendado em português) e o excelente resumo histórico do Max Altman.


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Stalingrado salvou a humanidade da sanha nazi-fascista

Por volta de setembro de 1942, a soma das conquistas de Hitler era estarrecedora. O Mediterrâneo havia se tornado praticamente um lago do Eixo, a Alemanha nazista e a Itália fascista dominando a maior parte da costa setentrional, desde a Espanha até a Turquia e a costa meridional da Tunísia até cerca de 100 quilômetros distante do rio Nilo. As tropas da Wehrmacht mantinham guarda desde o cabo setentrional da Noruega, no Oceano Ártico, até o Egito; da ocidental Brest no Atlântico até a parte sul do rio Volga, às bordas da Ásia Central. Regimes fascistas pré-existentes e governos fantoches faziam o jogo do Reich nazista. França, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Hungria, Tchecoslováquia, Polônia, os Bálcãs, a Grécia e outras mais já haviam sido engolidas pelas Panzer Divisionen.

Em fins do verão de 1942, Adolf Hitler parecia estar em esplêndida situação. Os submarinos alemães estavam afundando 700.000 toneladas por mês de barcos britânicos e americanos no Atlântico, mais do que se poderia substituir nos estaleiros navais dos Estados Unidos, Canadá e Escócia, então em franco progresso.
As tropas nazistas do 6º Exército do marechal Friedrich von Paulus haviam alcançado o Volga, exatamente ao norte de Stalingrado em 23 de agosto. Dois dias antes, a suástica tinha sido hasteada no monte Elbruz, o ponto mais alto das montanhas do Cáucaso (5.642 metros). Os campos petrolíferos de Maikop, que produziam anualmente 2,5 milhões de toneladas de petróleo, haviam sido conquistados em 8 de agosto. No dia 25, os blindados do general Kleist chegaram a Mozdok, distante apenas 80 quilômetros do principal centro petrolífero soviético, nas imediações de Grozny e a cerca de 150 quilômetros do mar Cáspio. 

No dia 31 de agosto, Hitler ordenou que o marechal-de-campo List, comandante dos exércitos do Cáucaso, reunisse todas as forças existentes para o assalto final a Grozny, a fim de se apoderar de todos os ricos campos petrolíferos da região.

Determinou que o 6º Exército e o 4º Exército Panzer se lançassem para o Norte, ao longo do Volga, cercando e sufocando Stalingrado, num vasto movimento envolvente que lhe permitisse avançar de leste e de oeste contra o centro da Rússia, tomando, finalmente, Moscou. Ao almirante Raeder, no final de agosto, Hitler dizia que a União Soviética "era um 'lebensraum' (espaço vital), à prova de bloqueio" o que lhe ensejava voltar-se para os ingleses e americanos que "seriam obrigados a discutir os termos da paz".

Com essas conquistas vitais o "Reich de mil anos" estaria garantindo sua subsistência e permanência: as vastas estepes da Ucrânia, ubérrimas, a fazer brotar um infindável celeiro dourado de trigais; os abundantes campos de ouro negro a besuntar de energia a máquina bélica e industrial alemã.

As imagens mais longínquas de minha meninice datam dessa época. Registram meu pai, cercado de amigos, debruçados sobre um mapa da Europa estendido sobre a mesa, lupa em punho, rádio em ondas curtas. Esta mesma cena provavelmente estaria se repetindo em milhões de outros lares pelo mundo afora. Anos mais tarde, meu pai, um jovem revolucionário imbuído de ideais socialistas, que no começo dos anos 1930 tinha abandonado a Polônia de governo pró-nazi e anti-semita para vir ao Brasil, relatava a agonia e o horror com que acompanhavam a expansão irrefreável do império nazista.
Quando os cabogramas anunciaram que a infantaria alemã havia atravessado o Don silencioso em direção a Stalingrado, o assombro se instalou. E se a Alemanha nazista derrotasse a União Soviética?

A ideologia da supremacia racial ariana de Hitler se abateria sobre grande parte do mundo.

Negros, eslavos, indígenas, árabes, mestiços, mulatos, amarelos, sub-raças e escória social, trabalhariam sob o tacão de ferro do nazismo, como semi-escravos, para a glória da raça superior. Povos inteiros, judeus, ciganos, seriam aniquilados em nome da limpeza étnica. Comunistas, socialistas e liberais seriam confinados em campos de concentração e de lá não sairiam vivos.

O colonialismo na África e Ásia ganharia alento. As liberdades seriam espezinhadas e governos lacaios em todos os quadrantes se encarregariam de organizar gestapos em cujos porões um elenco monstruoso de torturas ao som da Deutschland Über Alles seria levado a cabo contra os inimigos do regime. As conquistas sociais dos trabalhadores estariam esmagadas.

O progresso, as artes, as ciências sofreriam abalo. Além do que, Werner von Braun e seus assistentes em Penemunde estariam aperfeiçoando as mortíferas bombas voadoras de longo alcance com ogivas nucleares e outras máquinas bélicas de alta tecnologia a pender como espada de Dâmocles sobre qualquer país que ousasse desafiar o Reich alemão. E se alguma nação pretendesse enfrentar os interesses do Grande Império Germânico novas ondas de panzers ou de bombas V1 e V2 desencadeariam blitzkriegs preventivas para aniquilar pelo terror qualquer tentativa.


Quando o jovem general Konstantin Rokossovsky, levando a cabo as instruções táticas da Operação Uranus ordenadas diretamente de Moscou e arquitetadas pelos generais Alexander Vasilievsky e Vasily Volsky, conseguiu romper, em 19 de novembro, o anel de aço que cercava Stalingrado, a esperança reacendeu. No entanto, a cidade estava sitiada, os seguidos bombardeios da Luftwaffe haviam-na reduzido a escombros.

Dia após dia o cerco se apertava e em fins de novembro a zona urbana era invadida. Veio a ordem terminante: defender a todo custo as fábricas Outubro Vermelho e Barricadas que produziam os carros de assalto, a Fábrica de Tratores que construía os blindados T-34 e a estação ferroviária central onde as matérias primas eram desembarcadas.

Iniciou-se então a mais feroz, a mais encarniçada, a mais renhida e sangrenta, a mais dramática das batalhas militares que a História da humanidade conheceu.

O terreno coberto de destroços impedia qualquer ação de blindados, a proximidade dos contendores tornava impraticável a cobertura aérea. Só restava calar baionetas e passar a travar a luta casa a casa, corpo a corpo, em cada centímetro de chão. Para ilustrar a tenacidade com que se combatia, basta lembrar que a plataforma semidestruída da estação de trens mudou de mãos sete vezes num único dia. Os operários da Outubro Vermelho empunharam armas e estabeleceram uma muralha de fogo em torno da fábrica. Jamais se havia visto tantas cenas de heroísmo, bravura e coragem, de lado a lado, naquele cenário lúgubre das ruínas da cidade. Nunca antes soldados haviam lutado com tanto denodo para conquistar e defender.

Em 30 de janeiro de 1943, décimo aniversário da subida de Hitler ao poder, o führer fazia uma solene proclamação pelo rádio: "Daqui a mil anos os alemães falarão sobre a Batalha de Stalingrado com reverência e respeito, e se lembrarão que a despeito de tudo, a vitória final da Alemanha foi ali decidida". 

Mal. Von Paulus (último à direita) assina rendição diante do Gen. Chuikov e oficiais russos

Três dias depois, em 2 de fevereiro, o marechal-de-campo Von Paulus assinava diante do general Vassili Chuikov, comandante das tropas do Exército Vermelho em Stalingrado, a rendição do 6º Exército alemão.

A transmissão da capitulação foi feita em Berlim, através da rádio alemã, pelo general Zeitzler, chefe do Alto Comando da Wehrmacht (OKW) precedida do rufar abafado de tambores e da execução do segundo movimento da Quinta Sinfonia de Beethoven.

A maior e a mais épica das batalhas da 2ª Guerra Mundial que tivera início em 26 de junho havia chegado ao fim. Foram feitos prisioneiros pelos soviéticos 94.500 soldados alemães dos quais 2.500 oficiais, 24 generais e o próprio marechal Von Paulus. Mortos cerca de 140.000 soldados da Wehrmacht e 200.000 homens do Exército Vermelho. Os soviéticos tomaram do exército inimigo 60.000 veículos, 1.500 blindados e 6.000 canhões. A espinha dorsal do exército nazista e do Terceiro Reich estava irremediavelmente quebrada.

Os mesmos milhões de lares que tinham vivido momentos de apreensão e pavor explodiram de emoção.

Hitler havia mordido o pó da derrota.

Corações e mentes voltaram-se para glorificar os heróis combatentes do Exército Vermelho e honrar os que tombaram no campo de batalha pela liberdade. A admiração pela extraordinária façanha impunha a pergunta: o que levou aquele contingente de centenas de milhares de jovens a lutar com tal fúria e obstinação? Certamente o apelo da Grande Guerra Patriótica, livrar o solo pátrio do invasor.

Havia mais. A leitura das lancinantes cartas aos familiares escritas no front deixava evidente a determinação de defender as conquistas da Revolução de Outubro por cuja consolidação seus pais, 25 anos antes, haviam derramado sangue enfrentando e derrotando o exército branco e tropas invasoras de catorze países mobilizados para sufocar no nascedouro a revolução bolchevique.

A partir daí o Exército Vermelho arrancou impetuoso rumo a capital do Reich nazista, abrindo em sua passagem os portões macabros de Auschwitz-Birkenau.

As tropas anglo-americanas desembarcam na Normandia em 6 de junho de 1944. No dia 2 de maio de 1945, soldados do destacamento avançado do general Ivan Koniev hasteiam a bandeira soviética no mastro principal do Reichstag.

Cinco dias depois, numa pequena escola de tijolos vermelhos em Reims, França, na madrugada de 8 de maio de 1945, o almirante Friedeburg e o general Jodl assinam, em nome do que restou da máquina de guerra nazista, diante do general Ivan Susloparov pela União Soviética, e do general Walter Bedell Smith pelos aliados, a rendição incondicional.

Os canhões cessaram de troar e as bombas deixaram de cair. Um estranho silêncio pairou sobre o continente europeu pela primeira vez desde 1º de setembro de 1939.

O mundo estava livre da sanha nazi-fascista.


Max Altman* é jornalista, estudioso das questões internacionais, membro do Coletivo da Secretaria Nacional de Relações Internacionais do Partiudo dos Trabalhadores, coordenador geral do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas Cubanos.  

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Santa Maria, Brasil: Crônica de um crime anunciado



Publicado em 28/01/2013 por Bob Fernandes
Enviado por Sílvio de Barros Pinheiro

Existem acidentes. E existem tragédias, fatos terríveis como esse, que quando acontecem provocam dor imensa, comoção, e perguntas: como deixaram isso acontecer? Onde mais isso pode acontecer? E como isso não aconteceu antes?

Alguém ai em casa tem dúvida de como NÃO É feita a fiscalização em milhares de casas noturnas Brasil afora? Quem frequenta a noite em São Paulo, por exemplo, não sabe que a maioria das casas de balada têm as mesmas características da "Kiss" de Santa Maria?

Boates com o mesmo tipo de segurança -capaz de barrar quem tenta escapar; com medo de que não paguem a conta. Casas com uma única entrada, mas sem saída. Baladas que costumam aceitar muito mais público do que o previsto pela lei.

Quem, em São Paulo ou Brasil afora, não sabe que filhos frequentam grandes festas de estudantes que não têm autorização legal para acontecer? Festas que levam o nome de uma escola ou de uma universidade que nada têm a ver com as festas, ou que por elas se responsabilizem.

Baladas para menores acontecem sem que o juizado tenha sido ao menos comunicado. Qualquer um que tenha filhos adolescentes, com condições financeiras para frequentar tais baladas, sabe que é assim.

Presença de bombeiro, funcionário treinado para acidentes em festas com mais de 500 ou de mil pessoas? Esqueçam. Isso só acontece no papel e nos discursos.

Como esperar fiscalização de festas numa cidade, como São Paulo, onde um funcionário, o tal Saab, autorizava alvarás ilegais para construção de prédios inteiros? O cidadão fez fortuna de R$ 50 milhões, tinha mais de 100 apartamentos e o prefeito diz que não sabia de nada. Alguém, num lodaçal desses, vai fiscalizar casa noturna?

Na véspera do Ano Novo, máquinas derrubaram matas, aterraram lagoas na avenida Paralela, no coração de Salvador. Ao que se sabe, autorizados por alguém da prefeitura que deixava o poder. O que aconteceu na cidade vítima de enorme estupro imobiliário? Nada.

Na mesma Salvador a camatoragem de carnaval invade espaços públicos desde o Natal. Como? Em conluio com quem tem poderes para impedir. Por todo o Brasil a sociedade aceita cenários como esse. Por inércia, medo ou desinteresse. Até que venha a próxima tragédia.

Uma blitz em qualquer cidade encontraria poucas casas desse gênero em plenas condições de funcionamento.

Agora veremos um surto de anúncios de medidas preventivas. O que se espera é que, em nome de seus filhos, a sociedade cobre. Cobre para que medidas sejam implantadas e para que uma fiscalização real evite tragédias como a de Santa Maria. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Derrubaram o Pinheirinho


Enviado por Fabiano Amorim
Publicado em 24/01/2013

Este documentário conta a história dos quase 6000 moradores da ocupação “Pinheirinho”. Essas pessoas moravam desde 2004 num terreno abandonado há mais de 20 anos, em São José dos Campos. Esse terreno era de propriedade de uma empresa que havia falido em 1989, a Selecta, pertencente ao empresário, (criminoso condenado) Naji Nahas.

Em julho de 2011, a justiça ordenou que as famílias fossem retiradas de lá. Em 22 de janeiro de 2012, a Polícia Militar do Estado de São Paulo realizou a reintegração de posse, colocando todos os 6000 para fora. A maioria deles saiu apenas com a roupa do corpo.

No mesmo dia em que os moradores foram retirados do terreno, os tratores começaram a derrubar as casas com todos os pertences dos moradores dentro; o que é totalmente ilegal.

Essas pessoas além de perderem o teto, perderam tudo o que tinham, tudo o que compraram em quase 8 anos de trabalho. A maioria das famílias era bem pobre; ganhavam entre 0 e 3 salários mínimos.

O governo do Estado (PSDB), ao invés de regularizar a situação dos quase 6000 moradores e urbanizar o terreno, preferiu expulsar todos eles e aumentar o já imenso problema social.

Este documentário conta a história completa do Pinheirinho. Desde a origem do terreno até a ocupação em 2004; as várias tentativas de acabar com a ocupação; as tentativas de segregar os moradores; as falsas promessas da Prefeitura comandada pelo PSDB em regularizar o terreno; a reintegração em janeiro de 2012; até os fatos mais próximos de janeiro de 2013, quando o documentário foi finalizado.



Direção: Fabiano Amorim

domingo, 27 de janeiro de 2013

Quem criou a Crise Financeira Internacional... Que pague a conta!


A lição da pequena Islândia - alguém viu isso em algum canal de TV da Imprensa-empresa?

Sensacional! É para divulgar muito mesmo. Do que é capaz um povo educado e consciente. E o papel da mídia dominada pelos neoliberais, a vergonha de sempre. Assistam o vídeo e leiam e/ou façam comentários. Divulguem muito, o que pode vir a ser o “ovo de Colombo” para o mundo sair definitivamente da crise financeira internacional. (em francês e legendado em português)


Enviado por Sílvio de Barros Pinheiro

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A Península Coreana não é, toda ela, problema da China


25/1/2013, Global Times, China, Editorial
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu: Não é ma-ra-vi-lho-so haver jornal e jornalistas que AJUDAM governo eleito e seus eleitores a entender o que realmente se passa? Não é lindo ler isso que aí vai, e NÃO LER O BESTEIROL PATÉTICO que se acumula nos editoriais de TOODOS os veículos do Grupo GAFE - Globo, Abril, Folha de SP, Estadão?!

Em resposta à Resolução n. 2.087 do Conselho de Segurança da ONU aprovada na 4ª-feira, a Coreia do Norte declarou que fará teste nuclear “de alto nível”. É possível que aí haja mais que palavras de indignação pela intromissão em seus assuntos, porque a Coreia do Sul diz que um novo teste nuclear estaria já em preparação na Coreia do Norte.

A Resolução da 4ª-feira condenou o lançamento pela Coreia do Norte, em dezembro, de um foguete nuclear; e expandiu as sanções. Depois de empreender amplos esforços para introduzir emendas no texto da Resolução, a China também votou a favor.

Parece que a Coreia do Norte não valoriza os esforços chineses. Criticou a China, sem citar-lhe o nome, na declaração distribuída ontem:

Esses grandes países, que são forçados a defender suas posições de liderança na construção de uma ordem mundial mais justa, já deixaram de lado sem hesitar até os princípios mais elementares, sob influência das práticas autoritárias e arbitrárias dos EUA. E tudo faz crer que ainda não caíram em si.

A China vive um dilema: estamos muito afastados do objetivo de desnuclearizar a Península Coreana, e não há o que possamos fazer para buscar um equilíbrio diplomático entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, Japão e os EUA.

A China deve relaxar e baixar as nossas próprias expectativas quanto ao efeito de nossas estratégias para a península. Temos de manter uma atitude pragmática para lidar com os problemas e buscar a proporção ótima entre nosso investimento de recursos e os ganhos estratégicos.

A China não pode nem assumir a defesa de um dos lados no conflito na Península, como fazem EUA e Japão; nem pode sonhar com ignorar tudo completamente. Temos de aceitar prontamente que a China está envolvida; e há risco de a China ofender um dos lados, ou ambos.

O papel e a posição da China são claros, na discussão da questão da Coreia do Norte no Conselho de Segurança da ONU. Se a Coreia do Norte insistir em fazer novos testes nucleares, a China reduzirá a assistência que dá ao país. Se os EUA, Japão e Coreia do Sul aplicarem sanções extremas à Coreia do Norte, a China os conterá com firmeza e os forçará a reformar aquelas resoluções.

Deixem que a Coreia do Norte dê sinais de “zanga”. Não podemos sentar de lado e nada fazer, só porque tememos que o caso tenha impacto na relação sino-norte-coreana. EUA, Japão e Coreia do Sul que resmunguem o quanto queiram sobre a China. Não temos nenhuma obrigação de aliviar as emoções tristes daqueles países.

Dada a força da China, e desde que mantenhamos atitude firme, a situação será, gradualmente, influenciada por nossos princípios e nossa firmeza.

A China é uma potência, muito próxima da Península Coreana. Implica que nossos interesses estratégicos são complexos e diversificados. A China deve perseverar para proteger e manter nosso interesse nacional em sua totalidade, não qualquer dos interesses de outros países.

A China aspira a ver uma península estável, mas não é o fim do mundo que haja tumultos ali. Essa deve ser a linha básica da posição da China.

A China é condenada a estar localizada no leste da Ásia, onde a situação hoje é muito caótica. Mas, felizmente, a China é o país mais poderoso dentre todos da região. Evidentemente, será influenciada, no mínimo, pela situação. A China deve manter a calma.

A hora mais escura* no Mali


26/1/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
Booooooooooooom-dia, Vietnã! [1] Epa! Não, desculpem. O poço de areia movediça & beco-sem-saída agora é outro.

A trilha sonora, daquela vez, foi Hendrix, Jefferson Airplane, Motown e Stax. Agora é Booooooooooooom-dia, Mali! E a trilha sonora bem poderia ser alguma coisa tão transcendental quanto Dounia [2], de Rokia Traore, ou tão deliciosamente psicodélico quando Amadou e Mariam em Dimanche à Bamako. [3] Mas a coisa é muito mais ameaçadora. Algo como – inescapável – Hendrix em Machine Gun. [4]

O timing – no momento de expansão da Guerra Global ao Terror – é tudo. A vingança contra o que foi feito à Líbia, cuidadosamente coreografada para o Sahel, não poderia ser substituto melhor para a gigantesca bandeira de rendição que a OTAN está levantando no Afeganistão. Não há mais Boooooooooooooooom-dia, Cabul! E começou a triste contagem regressiva para ver o último helicóptero da OTAN fugindo de Bagram ao estilo Saigon-1975.

Kalashnikov AK-104s
The Economist – a voz da City de Londres – já está até promovendo um “Afriganistão”. Claro. Há nuances. No Afeganistão, quem chutou a bunda da OTAN foi grupo sortido de várias facções pashtuns, reunidas como se fossem “os Talibã”. Mas a OTAN “venceu” na Líbia. Como era de prever, a brigada islamista que atacou no complexo de extração de gás em In Amenas no deserto da Argélia, portava Kalashnikov AK-104s, mísseis F5, morteiros 60 mm, tudo distribuído ali pela OTAN. E – um toque a mais à moda CCGOTAN – vestiam os uniformes camuflados “pastilha de chocolate” que o Qatar distribuiu aos rebeldes da OTAN na Líbia (beges, com manchas marrons). O que mais falta? Aparecerem na capa de Uomo Vogue?

Sou o bicho bicho-papão de vocês

Inevitavelmente, o bicho-papão sempre à mão – a al-Qaeda – voltou à moda, com toda a nuvem de grupos e subgrupos de jihadistas salafistas promovidos pelo trio francês-anglo-USAmericano como fonte de todo o mal no norte da África (menos na Líbia, onde eram elogiados como “combatentes da liberdade”).

Mokhtar Belmokhtar
Mokhtar Belmokhtar, um dos membros fundadores da al-Qaeda no Maghreb Islâmico [orig. al-Qaeda in the Islamic Maghreb (AQIM)], é, para todas as finalidades práticas, remix facilmente deglutível de Osama bin Laden. Belmokhtar foi um clássico “afegão árabe” – parte daquela legião multinacional treinada pelo eixo CIA/ISI para combater os soviéticos no Afeganistão dos anos 1980s. Ao voltar à Argélia em 1993, uniu-se à jihad local como parte do Grupo Salafista para Oração e Combate [orig. Salafi Group for Preaching and Combat (GSPC)].

Desde 2007, a AQIM estava muito próxima do Grupo Islâmico Líbio de Combate [orig. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)], cujos combatentes foram também treinados no Afeganistão pela CIA/ISI. E todo o tempo o LIFG foi convenientemente manipulado pela CIA e o MI6 contra o coronel Muammar Gaddafi.

Depois do assassinato premeditado [orig. targeted assassination] de Gaddafi, a AQIM foi devidamente armada pelo LIFG (recebeu também legiões de jihadistas). Portanto, não surpreendentemente, muitos combatentes do LIFG participaram do raid em In Amenas. Além disso, a AQIM é também muito próxima da Frente al-Nusra na Síria, que Washington definiu como organização terrorista (mas nada vê de terrorista na nada coesa “coalizão” que quer derrubar Bashar al-Assad).

O xis da questão é que o Qatar financia todos esses: a AQIM, o grupo dissidente MUJAO, as brigadas de Belmokhtar e o movimento salafista Ansar El-Dine, um bando de apóstatas wahhabistas, que absolutamente nada têm a ver com a tolerante cultura do Mali.

O que sobra é o absolutamente perfeito pretexto para a OTAN entrar na dança no norte da África, depois da humilhante derrota que sofreu no Afeganistão. Mas... esperem! O AFRICOM já está lá! A Argélia – república árabe secular que historicamente sempre apoiou a União Soviética e a revolução cubana – bem fará se repatriar, o mais rapidamente possível, os seus US$50 bilhões de reservas que estão depositadas em bancos ocidentais. Mais dia menos dia, a hidra AFRICOM/OTAN aparece para devorar vocês!

Alguém aí topa um pouco de Islamo-gangsterismo?

Amadou Sanogo
Por hora, temos o espetáculo de Paris envolvida na “limpeza” do Mali, não só contra os islamistas armados – estranhos à cultura do Mali – mas também contra os tuaregues nativos, também armados e que têm demandas legítimas. O plano máster é apoiar o regime absolutamente corrupto em Bamako, que chegou ao poder pela via de um golpe militar comandado pelo capitão Amadou Sanogo, treinado em Fort Benning (EUA).

Esse é o sumo da história dessa nova mission civilisatrice [missão civilizatória, em fr. no orig.], escondida por trás de conveniente cortina de fumaça cortesia da ONU: vários países africanos, todos empobrecidos, que pagaram quase toda a conta – e oferecerão os 5.800 soldados necessários para constituir mais uma dessas siglas inacreditavelmente ridículas que a ONU inventa, AFISMA (African-led International Support Mission in Mali / Força Internacional Africana para Missão de Apoio no Mali). Quem pagará por tudo isso, que por hora não passa de total confusão? Na próxima 3ª-feira haverá uma reunião na Etiópia, dos proverbiais, sempre relutantes, “doadores internacionais”.

Mesmo na França, ninguém sabe quem luta contra quem nem quem, de fato, é aquele pessoal. Leiam (em francês), no blog rue89,[5] o hilário pântano semântico em que se debatem os franceses. O Le Monde acredita ter resolvido o enigma: Paris combate(ria) o “islamo-gangsterismo”.

Nessas Folies de Pigalle no deserto, Washington estará “liderando pela retaguarda”. Bem espertos. Melhor guerra clandestina, que todos assistirem ao afundamento no pântano. Os franceses – com típica grandeur galesa – prosseguirão mergulhados na ilusão de que, em breve, controlarão o deserto do Mali. Verdade é que não conseguirão controlar nem as algas do rio Niger, porque ali se combaterá uma longuíssima guerra nômade. Cresce a possibilidade de muitos Dien Bien Phus, com os franceses atacados também pela areia.

E, no instante em que a população terrivelmente empobrecida do Mali – a qual, por hora, está a favor de o país livrar-se da AQIM, do MUJAO, das gangues de Belmokhtar e dos Ansar al-Dine – pressentir o mais leve indício de ocupação neocolonial, os franceses conhecerão derrota no Mali, igual a que os USAmericanos conheceram no Iraque e no Afeganistão.

É iluminador ver essas coisas do ponto de vista da política externa do governo do presidente Obama 2.0, como apareceu delineada (muito vagamente) no discurso de posse. Obama prometeu por fim às guerras USAmericanas (guerras clandestinas são mais baratas). Prometeu cooperação multilateral com aliados (mas quem manda é Washington), negociação (será do nosso jeito, ou dê o fora) e nenhuma nova guerra no Oriente Médio.

A acreditar-se no que disse o presidente, a tradução é: nada de EUA fazerem guerra à Síria (só do tipo clandestina-suja); nada de Bombardeiem o Irã! (só sanções assassinas); e a França ganha a medalha do Mali. Será que ganha? Esse filme muito vagabundo, atenção, está só começando.



Nota dos tradutores
*Título em português do filme Zero Dark Thirty (2012). Trailer a seguir:  

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Notas de rodapé

[1] Assista  o filme Bom-dia, Vietnã; completo (legendado) a seguir:







[5]  22/1/2013, Rue 89, Zineb Dryef em: Jihadistes, islamistes... ? Comment nommer l’ennemi au Mali

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Israel - Um passo para o centro


26/1/2013, Uri Avnery, Gush Shalom [Bloco da Paz], Israel
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Uri Avnery
Foi a noite dos otimistas. Na 3ª-feira, 10h01, imediatamente depois de lacradas as urnas, os três programas de notícias de TV deram os resultados de suas pesquisas de boca de urna.

As terríveis previsões dos pessimistas sumiram no vendaval. Israel enlouquecera.

Ninguém andara mais ainda em direção à direita. Os fascistas não tomaram o Parlamento. Benyamin Netanyahu não se fortaleceu. Longe disso.

Israel caminhara na direção do centro.

Não se pode dizer que tenha sido virada histórica, como a de Menachem Begin em 1977, depois de duas gerações de reinado do Partido Trabalhista. Mas, sim, foi mudança significativa.

E, isso, depois de uma campanha eleitoral sem conteúdo, sem excitação, sem qualquer emoção identificável.

No dia das eleições, que é feriado oficial, eu espiava seguidamente pela janela, que abre para uma das ruas principais de Telavive. Não se via nenhum sinal de que alguma coisa especial estivesse acontecendo. Em outras eleições, as ruas a rua se enchia de táxis e carros particulares cobertos de pôsteres, levando eleitores para votarem. Dessa vez, não nem um.

Na sessão eleitoral, só havia eu. Mas a praia, sim, estava lotada. As pessoas levaram cachorros e crianças para brincar na areia sob o brilhante sol de inverno. Viam-se velas sobre o mar azul. Centenas viajaram até a Galileia ou Negev. Muitos alugaram um Zimmer (curiosamente, usamos a palavra em alemão que designa pensão com cama e café da manhã).

Mas ao final do dia, quase 67% dos israelenses haviam votado – mais gente que na última vez. Até os cidadãos árabes, muitos dos quais não votaram durante o dia, acordaram de repente e acorreram às urnas nas duas últimas horas de votação – depois, os partidos árabes cooperaram em ação massiva para arrancar de lá os eleitores.

Eleições em Israel - Cadeiras por Partido, apuradas 99,5% das urnas

Netanyahu
QUANDO se publicaram as pesquisas de boca de urna, os líderes de uma meia dúzia de partidos, inclusive Netanyahu, apressaram-se a fazer discursos da vitória. Algumas horas adiante, quase todos, inclusive Netanyahu, estavam com caras de bobo. Os resultados reais mudaram só muito levemente o quadro, mas o suficiente para que alguns conseguissem arrancar alguma vitória das garras da derrota.

Quem mais perdeu nessas eleições foi Benyamin Netanyahu. No último momento antes do início da campanha, ele uniu sua lista de candidatos à lista de Avigdor Lieberman. A manobra o fez crer que seriam invencíveis. Ninguém duvidava de que Netanyahu venceria as eleições, e vitória esmagadora. Especialistas davam-lhe 45 cadeiras, mais votos que as 42 duas listas tinham, no Parlamento que está saindo.

Avigdor Lieberman
Esses números o teriam posto numa posição em que poderia escolher a dedo os parceiros (melhor dizendo, os seus lacaios) de coalizão de governo.

No fim, conseguiu apenas 31 assentos – perdeu ¼ da força que tinha. Foi uma bofetada. Seu principal slogan de campanha foi “Líder forte, Israel forte”. Não. A força acabou. Talvez continue como primeiro-ministro, mas não será nem a sombra do que foi. Politicamente, Netanyahu está próximo do fim.

O que resta de seu grupo mal conseguirá encher ¼ do próximo Parlamento. Implica que será uma minoria, em qualquer coalizão que consiga montar (e que exige, no mínimo, 61 parlamentares). Se se subtrai desse número a gente de Lieberman, o Likud propriamente dito tem apenas 20 parlamentares, só um a mais do que o verdadeiro vitorioso nessas eleições.

Ya'ir Lapid
O VERDADEIRO VITORIOSO é Ya’ir Lapid, que alegrou muita gente, especialmente ele próprio (e eu), com os espantosos 19 parlamentares que conseguiu eleger. É hoje a segunda maior força no Parlamento, depois de Likud-Beitenu.

Como conseguiu? Bem, é homem bonito, simpático, jovem, com a linguagem corporal de experiente âncora de televisão, o que realmente foi durante muitos anos. Não há quem não conheça seu rosto. Como “mensagem” só disse bobagens, o que não incomodou ninguém. Embora já esteja chegando aos 50, era o candidato dos jovens.

Sua vitória é parte de uma mudança generacional. Como Naftali Bennett, à direita, atraiu os jovens já fartos do velho sistema, dos velhos partidos, de slogans velhos e já ocos. Ninguém procurava qualquer nova ideologia. Lapid era a cara mais simpática que havia por ali.

Naftali Bennet
Mas não se deve esquecer que Lapid, no centro, derrotou seu concorrente direto na disputa pelos votos dos jovens – Bennett, da direita. Enquanto Lapid não propagava qualquer ideologia, Bennett fez tudo que pôde para esconder a dele. Andou pelos bares em Telavive, apresentou-se como homem simples, o bom sujeito que todos os homens (e também as mulheres) teriam de apreciar: secular, liberal.

Durante a campanha, Bennett parecia ser a estrela em ascensão no firmamento político, a grande surpresa dessa eleição, o símbolo dos passos fatais de Israel rumo à direita.

De semelhante entre Bennett e Lapid, os dois trabalharam muito para ser o que são hoje. Enquanto os outros partidos confiaram quase exclusivamente na televisão para levar sua ‘mensagem’, Lapid “mergulhou” no país profundo ao longo de todo o ano passado, construindo um partido, falando às pessoas, atraindo grupos de seguidores fiéis. Bennett fez exatamente a mesma coisa.

No final, na hora de votar, quando até os jovens tiveram de escolher entre os dois, ele ou ela não deixou de ver que Lapid fala por uma Israel democrática e liberal, comprometida com a Solução dos Dois Estados. E Bennett sempre foi o advogado dos colonos judeus extremistas e da Grande Israel, inimigo dos árabes e da Corte Suprema.

O veredicto dos jovens foi bem claro: 19 parlamentares para Lapid, só 12 para Bennett.

Shelly Yachimovich
A GRANDE DECEPÇÃO estava reservada para Shelly Yachimovich. Ela tinha certeza absoluta de que seu Partido Trabalhista [orig. Labor Party] rejuvenescido seria o segundo maior grupo no Parlamento. Chegou a apresentar-se como possível substituta de Netanyahu.

Ambos, ela e Lapid, beneficiaram-se do imenso protesto social do verão de 2011, que tirou a guerra e a ocupação da agenda pública. Nem Netanyahu atreveu-se a atacar o Irã ou a ampliar as colônias exclusivas para judeus. Mas, no final, viu-se que Lapid beneficiou-se mais disso tudo, que Shelly.

Parece que a proposta de Shelly, de concentrar-se exclusivamente nas demandas por justiça social, foi erro estratégico. Tivesse ela combinado sua plataforma de reforma social, com a agenda de negociações de paz de Tzipi Livni, talvez conseguisse eleger uma segunda maior facção.

Tzipi Livni
A derrota de Tzipi – ficou só com 6 parlamentares – deu pena. Ela só entrou na corrida eleitoral há dois meses, depois de muito hesitar, hesitação que parece ser sua marca registrada. Sua obsessão em falar só de “arranjo político” com os palestinos, sem jamais pronunciar a palavra “paz” (Deus nos livre!) forçou-a a navegar contra a corrente e derrotou-a. 

Gente que realmente deseja a paz (como eu) votou no Partido Meretz, que, afinal, teve grande sucesso: dobrou o número de deputados, de 3 para 6. Outro resultado notável dessas eleições.

Vê-se também que número considerável de judeus votaram no partido comunista, de maioria árabe, Partido Hadash – que também voltará fortalecido ao Knesset.

A COISA TODA resume-se a dois números: 61 parlamentares que votam com o bloco da direita religiosa; 59 que votam com o bloco de centro-esquerda-árabes. Um voto a mais, mudaria tudo. Os cidadãos árabes bem poderiam ter assegurado esse único voto a mais. 

Observei que as três empresas de TV enviaram equipes para os comitês de todos os partidos judeus que encontraram, até para um que não conseguiu ultrapassar a barreira dos 2% de votos (e graças a Deus! O Partido religioso-fascista Kahanista). Nenhuma empresa de TV enviou equipes ao comitê de nenhum dos três partidos árabes. 

Por um acordo tácito, todas as empresas de TV trataram os árabes como se não existissem. A esquerda (ou o “centro-esquerda”, como preferem ser chamados) relegaram os partidos árabes à condição de “bloco de bloqueio”, os que podiam bloquear a capacidade de Netanyahu para formar uma coalizão. Os árabes, eles mesmos, não foram consultados. 

Hanin Zuabi
Lapid rapidamente tomou conta do “bloco de bloqueio”. Deu pouca importância à ideia de que poderia estar no mesmo bloco com Hanin Zuabi (ou qualquer partido árabe). Também logo deixou claro que não tem ambições de chegar a ser primeiro-ministro. Não está preparado para tanto, não tendo qualquer experiência política. 

AINDA QUE ESSE “bloco de bloqueio” não chegue a formar-se, será muito difícil para Netanyahu formar uma coalizão para governar.

Desapareceu qualquer possibilidade de uma coalizão de direita “pura”. É impossível governar com apenas 61 votos (embora Netanyahu possa tentar formar uma pequena coalizão no início, contando com adesões, adiante). Netanyahu precisará de Lapid, que se tornará figura central no governo. De fato, Netanyahu já o convocou, uma hora depois de encerrada a votação.

Seja como for, Netanyahu precisará de um ou mais de um dos partidos de centro. O que, para ele, torna o próximo governo muito mais cheio de perigos.

QUE LIÇÃO deve-se extrair dessa eleição em Israel?

O bloco da direita religiosa perdeu. Mas a dita “centro-esquerda” não venceu, porque não conseguiu apresentar candidato crível ao posto de primeiro-ministro, nem alternativa crível de partido governante, com projeto firme, amplo, para resolver os problemas básicos de Israel.

Para que se constitua em Israel esse tipo de nova força, é absolutamente vital integrar os cidadãos árabes no processo político, como membros plenos. Mantendo à parte os árabes, a esquerda israelense se autocastra. É indispensável constituir uma nova esquerda judeu-muçulmana, uma comunidade de pensamento, linguagem e interesses políticos – e esse ato criativo tem de começar imediatamente.

A batalha por Israel ainda não está perdida. Foi bloqueado o “movimento à direita” de Israel, que já nada tem de inevitável, como se viu. Os israelenses não somos tão doidos como parecemos.

Hoje, a batalha está empatada. Podemos vencer o próximo round. Só depende de nós.