terça-feira, 13 de novembro de 2012

Pepe Escobar: David Petraeus e “Skyfall”: general em queda livre


13/11/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Pepe Escobar
Meu nome é Petraeus. David Petraeus. Caia fora, Bond! Nem-vem, com seu Skyfall; aqui o negócio é sério, blockbuster garantido e certificado, filme de ação política & segurança nacional que põe no chinelo todos os demais.

Hollywood já cunhou a frase para o filme: “Ele tinha acesso livre aos níveis máximos de segurança. Mas gostava de mulheres erradas em maus lençóis...”.

Quanto ao elenco, Daniel Craig pode fazer O General, embora, nesse caso, no telecomando de um míssil Hellfire, não de um Aston Martin, e em uniforme camuflado (e muitas condecorações), em vez de um terno Tom Ford-vestido-para-matar. Demi Moore – voluptuosidade em pessoa como sempre – para fazer “Paula”. E um sortido de iraquianos e afegãos, no papel de “dano colateral”.

Vasta imundície não descreve nem o começo dos pressupostos fatos – o diretor da CIA, general aposentado David Petraeus, renuncia ao cargo por causa de um escândalo de cama, apenas dois dias depois da reeleição do presidente Barack Obama, mas semanas depois de acusações vindas de todos os lados, relacionadas à exata missão da CIA na Líbia, aquela terra esquecida por Deus, que a OTAN “libertou” e bandos de milicianos “governam”.

Como tantos roteiros de filmes do tipo “descubra-o-assassino”, ninguém sabe o suficiente para descobrir coisa alguma. Ninguém sabe por que o caso só vazou na 6ª-feira passada (aliás, só um dia depois de o presidente Obama ter sido informado), embora o Advogado Geral, Eric Holder – conhecido como “Velozes e Furiosos” – soubesse de tudo “desde o verão passado”, segundo aqueles proverbiais “funcionários norte-americanos” anônimos.

David Petraeus e Paula Broadwell
Ninguém sabe o que o FBI planejava fazer antes de o mundo vir abaixo e soltarem-se todos os demônios –, uma vez que a investigação em curso ao longo de quatro meses descobriu que Petraeus e sua amante, formada em West Point, maníaca por malhação, biógrafa e adoradora, Paula Broadwell, não pecaram contra a segurança nacional.

Mas, sim, talvez tenham pecado. Para começar, O General – liberado para acesso total ao mais alto nível da segurança nacional – usava uma reles conta g-mail para escrever safadezas à namorada, tática que o Washington Post – descreve bizarramente como “tática de terroristas que tenham razões para suspeitar de espionagem” [1]. E, quando vazou que o FBI não encontrara “grandes falhas de segurança”, a informação importante foi, precisamente, que HAVIA falhas de segurança.

“Não se meta com o meu cara”

Floridian Jill Kelley
A encenação de alcova tem elementos farsescos suficientes para fazer Molière pular na tumba. A coisa começou quando Floridian Jill Kelley reclamou de ter recebido e-mails persecutórios de Paula, coautora (com Vernon Loeb, jornalista do Washington Post) da biografia All In: The Education of General David Petraeus, publicada em janeiro. Paula e Petraeus já estavam mergulhados “num clima” e nas vias de fato desde novembro de 2011, dois meses antes de Obama nomeá-lo para dirigir a CIA. Caso flagrante de biógrafa de cama-e-mesa.

Paula talvez tenha suspeitado de que estivesse envolvida num quadrângulo, não num triângulo sexual. Obviamente, não sabia muito sobre Jill Kelley – a terceira mulher na farsa, além das demais (Paula e a esposa de Petraeus, hoje apresentada como “a furiosa” Holly). O jornal Tampa Bay Times descreveu O General como um avô, para a família de Kelley.

Kelley também é atriz/fator crucialmente importante: “ligação social” com a máquina de matar/contraguerrilha suprema, soturna, do Pentágono, o Comando Conjunto de Operações Especiais [orig. Joint Special Operations Command (JSOC)] com base em Fort Bragg. É crucial saber que foi esse Comando Conjunto de Operações Especiais que, ao que se sabe, levou a CIA e o Pentágono até o que aconteceu durante o ataque contra o Consulado dos EUA em Benghazi, quando foi assassinado o embaixador Chris Stevens.

Nada disso, é claro, teria qualquer importância aos olhos de Paula. Nos e-mails intimidatórios, que culminaram na renúncia de Petraeus, ela ordena que Kelley “Não se meta com o meu cara”.

Quanto ao “cara” de Paula, ele tem muito a explicar. Para começar: por que a CIA disse à Casa Branca que a tragédia de Benghazi fora provocada por aquele vídeo estúpido sobre o Profeta Maomé no YouTube? Por que não disse que foi ataque coordenado por jihadistas salafistas armados e treinados pela OTAN?

E, não menos importante: por que O General não decidiu cometer seu suicídio ritual seppuku há duas semanas, quanto os agentes do FBI lhe falaram, direta e pessoalmente, sobre a investigação? Terá pensado, O General, em não bombardear o governo Obama e, na prática, entregar a presidência, de bandeja, ao Partido Republicano? Ou, quem sabe, tinha ainda esperanças de que a coisa toda seria acobertada [2], feito festa de casamento pashtun que desapareceu na fumaça e da poeira levantadas por aquele míssil Hellfire?

Segundo o The New York Times, a coisa toda explodiu no final de outubro, depois que um empregado “não identificado” do FBI – agora já identificado como o homem que mandava fotos dele mesmo, sem camisa, para Jill Kelley – pôs a boca no mundo e cantou as pedras para o Líder da Maioria na Câmara de Representantes, Eric Cantor. Ninguém sabe qual era a agenda desse informante do FBI.

Robert Mueller III,
diretor do FBI
Em resumo: o FBI não cuidou de manter secreta a investigação. Cantor, segundo o Times, teve reunião séria com Robert Mueller III, diretor do FBI, no dia de Halloween; daí em diante, ninguém sabe o que aconteceu, até o dia 6/11, das eleições, quando o FBI voltou a seguir procedimentos de manual e contou a James Clapper Jr, Diretor da Inteligência Nacional, sobre o romance no dormitório da CIA. Dizer que Mueller e Cantor também têm muito o que explicar é dizer o mínimo dos mínimos.

Com toda a imprensa-empresa dos EUA totalmente em surto, a narrativa dominante continua a ser que O General Samurai fez a coisa honrada e renunciou. Tudo como sempre, no bom velho Puritanismo norte-americano. Você pode ser uma máquina de matar, responsável pela morte de número jamais calculado de civis. Mas não se atreva a trair sua devotada esposa.

O General deve estar pensando que escolheu a profissão errada. Que ambiente impiedoso! James Bond veste os ternos mais deslumbrantes, bebe incontáveis martinis, dirige um Aston Martin, mata todos os bandidos do mal à vista e traça todas as gostosas do universo!

O guerreiro fracassado

Para começar, David Petraeus sempre foi mais gênio de Relações Públicas, que samurai. Seu modelo cinematográfico inspirador poderia ser o Capitão Willard, como vivido por Martin Sheen no Apocalypse Now de Coppola: o guerreiro intelectual. Petraeus, o qual, por bastante tempo, se autoposicionou como possível candidato à presidência para 2012, foi esperto o bastante para vender à opinião pública dos EUA – e à imprensa-empresa dócil dominante – a ideia de que saíra vencedor das duas guerras, do Iraque e do Afeganistão. O que jamais passou de duas monumentais mentiras.

O etos de porta giratória em Washington – nesse caso, entre o Pentágono e a CIA – alcançou novos píncaros de absurdo quando Petraeus, que adaptou suas táticas de contraguerrilha do Iraque para o Afeganistão (invadir, limpar, ocupar e construir), foi posto na direção da CIA, para analisar... a contraguerrilha no Afeganistão. Os Talibã devem rolar de rir por todo o Hindu Kush, cada vez que ouvem falar do “sucesso” da contraguerrilha de Petraeus – sucesso o qual, por falar nisso, o próprio Petraeus e outros generais do Pentágono conseguiram vender a Obama, no final de 2009.

Petraeus é produto do Pentágono. Jamais conseguiria, por meios próprios, livrar-se da lógica imperante da Guerra Sem Fim, criada e fixada pelos estrategistas Republicanos do que Alain Joxe, cientista político francês, chamou de “neoliberalismo de guerra”.

Muqtada al-Sadr Mahdi
O Iraque e o Afeganistão foram manifestações do mais puro “neoliberalismo de guerra”. A “avançada” de Petraeus no Iraque foi pura fraude. Quando ele chegou com suas malas cheias de dinheiro, para convencer guerrilheiros sunitas a combater a al-Qaeda no Iraque, não os soldados dos EUA, a verdadeira avançada já estava em andamento: foi a avançada liderada pelo Ministério do Interior do Iraque e pelo Exército de Muqtada al-Sadr Mahdi – que já praticamente concluíra a limpeza étnica de Bagdá e áreas circundantes, revertendo o equilíbrio populacional, para favorecer os xiitas. Quanto aos guerrilheiros sunitas, eles pelo menos embolsaram o dinheiro dos EUA, ao mesmo tempo em que continuavam a luta deles contra o governo de Bagdá, dominado pelos xiitas.

A equipe de política externa de Obama supôs, provavelmente, que a conversa fiada de Petraeus sobre contraguerrilha garantiria ao Iraque – e, depois, ao Afeganistão – alguma coisa que, pelo menos, pudesse ser apresentada como democracia intercomunidades, o que salvaria a cara dos EUA em termos de retirada dos soldados, na esperança de que não fosse cópia perfeita da correria que se viu em torno do último helicóptero que tentava fugir de um telhado de Saigon, em 1975.

Barack Obama e David Petraeus na Casa Branca
Mas o fato é que Petraeus não conquistou nenhum coração e nenhuma mente nem no Iraque nem no Afeganistão; sua tática de invadir, limpar, ocupar e construir levou, de fato, a coisa alguma, nos dois casos – e ainda não se falou de tortura, assassinatos ilegais, detenções ilegais e guerra suja disseminada por todos os cantos. Sua “miniavançada” só teria alguma chance de sucesso no Afeganistão (e, mesmo isso, já seria descabido) se não fosse “mini”; se tivesse acesso a centenas de milhares de soldados – projeto politicamente inaceitável, nos EUA.

E, depois, aconteceu Benghazi. Muito provavelmente, o consulado dos EUA em Benghazi já era uma espécie de casa-forte da CIA, esconderijo de espiões – sob responsabilidade, portanto, de Petraeus, não do Departamento de Estado. Por isso, precisamente, “Paula” disse, em conversa casual, informal, na Universidade de Denver, dia 26 de outubro, que havia “prisioneiros” no consulado [3] (a CIA negou veementemente – o que sugere fortemente que haja aí, no mínimo, um grão de verdade).

É absolutamente indiscutível que o consulado foi atacado por jihadistas salafistas. O Departamento de Estado entrou como bode expiatório – e Petraeus/CIA conseguiram safar-se, sem pagar por sua incompetência. Quer dizer... Até que eclodiu a farsa do dormitório & mulheres.

Ainda resta por determinar se alguém em Washington ousará fazer as perguntas pertinentes. Ainda resta ver se a guerra de drones de Petraeus, incansável, hiper contraproducente (para nem falar da quantidade inacreditável de “danos colaterais”), será reavaliada. Ainda resta saber se Obama 2.0 decidir-se-á a fazer diplomacia – não guerra suja – na intersecção entre a Ásia Central e o Sul da Ásia.

Ray McGovern
O inestimável Ray McGovern, ex-analista da CIA, sugere que Obama pare imediatamente de dar ouvidos a “falsos especialistas – neoconservadores da Brookings, AEI e gente desse tipo – e busque a opinião de especialistas genuínos, como Paul Pillar, ex-assessor para o Oriente Próximo; Lawrence Wilkerson, ex-chefe de gabinete do Departamento de Estado; e o especialista em História Militar Andrew Bacevich (tenente-coronel, aposentado). Gente de papo reto, todos esses; gente que não tem interesse em “guerras longas”; gente que não mentirá ao presidente. Ao presidente caberá ouvir o que tenham a dizer”.

Mas... Podemos, todos, esquecer o pessoal do papo reto. O diretor em exercício da CIA, hoje, é Michael Morell, pau mandado do czar do contraterrorismo, John Brennan. Quanto ao General, triste epílogo: não arranjou carros incríveis, nada de martinis, nada de ternos Tom Ford, necas de salvar o mundo. E não leva a mocinha.



Notas de tradução

[1] 12/11/2012, Washington Post, Max Fisher, onde se lê num trecho (traduzido a seguir) de: Here’s the e-mail trick Petraeus and Broadwell used to communicate.

Petraeus e Broadwell, ao que se sabe, usaram um truque conhecido de terroristas e adolescentes, para ocultar o tráfego de mensagens por e-mail”, disse um dos investigadores. Em vez de enviar as mensagens para a caixa de entrada do outro, cada um redigia sua mensagem e salvava a mensagem como “rascunho” ou a transferia para a pasta “lixeira” – continuou o investigador. O outro, assim, podia entrar na mesma conta e ler os rascunhos que lá houvesse. Esse sistema não gera tráfego de mensagens, que qualquer investigação poderia facilmente rastrear. O truque tornou-se muito usado como tática de terroristas que tenham razões para suspeitar de espionagem.

[2] 12/11/2012, Washington Post, Sari Horwitz, Kimberly Kindy and Scott Wilson, em: Petraeus hoped affair would stay secret and he could keep his job as CIA director

[3] 12/11/2012, Rússia Today TV, Paula Broadwell em: Petraeus mistress reveals real motive behind Benghazi attack” (VIDEO) a seguir”:

 

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