domingo, 11 de novembro de 2012

“Obama tem muito a aprender com Hugo Chávez”


11/11/2012, Santiago Zabala (entrevista a Silvia Mazzini), Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Se Obama espera fazer qualquer “mudança real”, então ele deve se
inspirar em algumas reformas que Chávez fez na Venezuela. 

Santiago Zabala
O que têm em comum o presidente da Venezuela Hugo Chávez, o movimento Occupy e a Primavera Árabe? Para Santiago Zabala, professor de filosofia da Universidade de Barcelona, são todos “alterações” hermenêuticas que geram efeitos “saudáveis” para sociedades democráticas. Aqui, a professora da Humboldt University, Silvia Mazzini, discute o “comunismo hermenêutico” com Zabala; e como o recém reeleito presidente Chávez da Venezuela deve ser visto como modelo a seguir, pelo também recém reeleito presidente Barack Obama dos EUA.
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Silvia Mazzini
Silvia Mazzini: Slavoj Zizek elogiou seu Hermeneutic Communism [1] (escrito com Gianni Vattimo) como “livro necessário como o ar que respiram, para todos e todas que pensam em política radical!” O livro conclui com a sugestão de que o presidente da Venezuela é modelo a seguir, para o presidente dos EUA. Você acha que o fato de os dois presidentes terem sido reeleitos confirma aquela tese?

Santiago Zabala: Não, não acho, porque os dois foram reeleitos por razões muito diferentes. Obama usou a palavra “mudança” como chamariz, mas a mudança já estava em curso, desde antes, na Venezuela e em outros países latino-americanos. Veja, por exemplo, a reforma da Saúde, de Obama: é nada, comparada à que Chávez conseguiu fazer. Chávez oferece hoje atendimento gratuito à saúde para milhões de pessoas, pela primeira vez; reduziu 70% da pobreza extrema; e quadruplicou as aposentadorias, dentre outras mudanças. Em questões de política exterior, não há qualquer dúvida de que Obama foi muito mais violento, se se considera as guerras ainda em curso no Afeganistão e no Paquistão e, claro, os prisioneiros que continuam em Guantánamo.

Por mais que Obama seja, e provavelmente é, homem decente, todos ainda estamos esperando as tais “mudanças”. Chávez, por outro lado, não apenas fez as mudanças que prometeu fazer: também soube impô-las, quando necessário. Seja como for, a ideia de que Chávez é modelo que Obama deve seguir tem de ser discutida e entendida dentro do contexto filosófico do livro.

SM: Você fala do “comunismo hermenêutico” de Chávez, em oposição ao “neoliberalismo conservador” de Obama?

SZ: Sim. A ideia básica é que os EUA, a União Europeia e outras democracias ocidentais já estão “enquadradas”, quer dizer, já foram politicamente neutralizadas. Um dos maiores erros de Obama foi ter investido no bipartidarismo, quando tinha a maioria do Senado, nos dois primeiros anos de governo. Em tese, poderia ter feito, naquele momento, o que quisesse. Chávez fez exatamente o contrário: usou a maioria que tinha, não só para afastar a Venezuela do FMI, mas, também, para nacionalizar grande parte dos recursos nacionais, para, assim, financiar os programas sociais que já conseguiram, dentre outras coisas, erradicar o analfabetismo e criar clínicas médicas por todo o país.

Se se consideram as diferenças entre Obama e Romney, não eram tão grandes quanto as diferenças que separam Chávez e Capriles. É verdade que Obama acaba, apenas, de ser reeleito, mas é muito claro que nada aconteceria de muito diferente, nos EUA, sob governo Republicano, que justifique o muito que Obama fala sobre “mudança”.

Obama e Chávez podem ter muito em comum...
SM: Se se examina Chávez mais de perto... Ele não se declara “comunista” nem, e muito menos, comunista “hermenêutico”.

SZ: Até agora, ainda não! É verdade. Chávez fala de “socialismo para o século 21” ou “revolução bolivariana”. O comunismo, como você sabe, popularizou-se com vários filósofos contemporâneos (Terry Eagleton, Slavoj Zizek, Jodi Dean), depois que Francis Fukuyama declarou o “fim da história” como “vitória neoliberal”. Mas, como a Primavera Árabe e a crise financeira em curso demonstraram, a história está longe de acabada; e o capitalismo luta duramente para sobreviver. Nessa condição, o comunismo não volta como repetição, mas, sim, como uma possibilidade de emancipação para fora do enquadramento neoliberal do pensamento em que ainda vivemos.

A China ainda prossegue dentro dos parâmetros antigos e autoritários dos sovietes... Mas na Venezuela, não só se respeitam todos os procedimentos de eleições livres, limpas e democráticas, como, também, o sistema do Estado burocrático foi descentralizado para as missões sociais, as missiones encarregadas dos projetos para as comunidades.

SM: Como a palavra “comunismo”, também o adjetivo “hermenêutico” pode ser interpretado de diferentes modos. O que significa “hermenêutico” em seu livro?

SZ: “Hermenêutico” refere-se à filosofia da interpretação, que prossegue, mais ou menos, de Aristóteles a Richard Rorty. Embora Platão, no Íon [2] apresente a hermenêutica como uma teoria da recepção e prática para retransmitir as mensagens dos deuses do Olimpo, a palavra rapidamente adquiriu significado filosófico mais amplo, apontando a alteração dos significados, quer dizer, a possibilidade de receberem diferentes interpretações. Usamos a hermenêutica como um modo para indicar essa flexibilidade no comunismo.

Por isso o motto do livro (parafraseando o conhecido dito de Marx, em Teses sobre Feuerbach), é “os filósofos até hoje descreveram o mundo de diferentes modos: é chegada a hora de interpretar o mundo”. Ambos, a hermenêutica, que favorece a interpretação mais que a verdade, e o comunismo, que anseia pelo controle estatal sobre os recursos das nações, são alterações que acontecem dentro das nossas instituições intelectuais estabelecidas.

SM: Então, o comunismo hermenêutico não é basicamente uma teoria da interpretação, mas, principalmente, um chamado às alterações?

SZ: Sim, alterações como Chávez, a Primavera Árabe ou o movimento Occupy, as quais, todas essas, sacudiram a nossa chamada diplomacia internacional e comunidades nacionais democráticas. Como já se sabe, todas essas alterações foram benéficas para o desenvolvimento de sociedades democráticas: Chávez demonstrou que separar-se do FMI é benéfico; a Primavera Árabe, que nenhum daqueles ditadores jamais foi bem-vindo naqueles países; e o movimento Occupy demonstrou que absolutamente nem todos vivem satisfeitos nos países democráticos e ricos.

Quando Martin Heidegger, um dos arquitetos da hermenêutica, destacou, há décadas, que “a única emergência é a falta de emergência”, referia-se a esses tipos de alterações: emergência é quando essas alterações não ocorrem. 

SM: Mas por que Chávez deveria ser modelo para Obama? Afinal, as mudanças que o presidente venezuelano promoveu não se aplicam nos EUA.

SZ: Falemos claro: Obama é muito melhor que Bush ou Romney, mas se apresentou como agente de mudança que ninguém até hoje viu em ação, nem internacionalmente nem nacionalmente. Haveria muitas questões que poderia mencionar aqui, desde nomear para gerenciar a crise as mesmas pessoas que criaram a crise econômica, ou o uso indiscriminado de aviões-robôs armados, os drones, no Oriente Médio. Mas há uma questão que conecta e liga Obama, Bush e Romney, como se fossem um só: a favelização. A população que vive em favelas cresce hoje ao ritmo de 25 milhões de pessoas por ano, e já é grave questão social e de segurança para todas as nações. Já há Ministérios de Defesa que veem as favelas como o campo e batalha das guerras do século 21. Chávez canalizou quantidades massivas de recursos do Estado para dar casa a essas populações. Nos EUA, a população favelizada cresce em velocidade assustadora.

SM: Você acredita que Obama deveria pensar nas favelas e na favelização?

SZ: Sim, mas não falamos das favelas só porque elas continuam a crescer por toda a parte; falamos também por razões filosóficas. Em nosso livro, falamos das favelas como “descarga do capitalismo”; também são descargas, em termos filosóficos, outras posições (o desconstrucionismo, a teoria crítica, a hermenêutica) consideradas marginais e desnecessárias porque não se submetem ao realismo metafísico ou científico. Mas se essas posições não se submetem ao realismo científico (o qual, como Herbert Marcuse alertou-nos há tanto tempo, prepara “o caminho para a ideologia racista”), não é por razões teóricas, mas por justificações éticas, pelo interesse que têm pelos mais fracos, os marginais, os perdedores da história. Chávez, a Primavera Árabe e Occupy vivem, de fato, pelas margens e periferias do chamado ‘funcionamento certo’ das finanças, da política, da sociedade, porque provocam mudança, provocam alterações, quero dizer: provocam alterações não autorizadas.

SM: Você vê alguma utilidade em comparar um ator regional, a Venezuela, com um ator global, como os EUA?

SZ: Ora essa! Claro que sim. Chávez, como Obama para o Ocidente, não representa só seu país; é líder de todos os países latino-americanos que uniram forças (mediante UNASUL, ALBA e MERCOSUL) para libertarem-se do jugo do FMI e do Consenso de Washington em geral. Não esqueçamos que a América Latina deve crescer 10,1% em 2013, mais que qualquer outra região do mundo.

SM: E o que você responde aos que veem Chávez como político populista ou pouco democrático?

SZ: Acho que a imprensa-empresa apresenta Chávez sempre sob a pior luz possível, para garantir que ninguém perceba que sua política de mudança é exemplo a ser seguido. Começamos a pensar assim, quando nos demos conta da enorme quantidade de intelectuais que se dedicam a construir a imagem de Chávez como ditador, Thomas L Friedman, Moisés Nairn e Francis Fukuyama, todos unidos contra Chávez, o déspota. Mas é preciso dizer também que graças a economistas como Mark Weisbrot e jornalistas como Richard Gott, e diretores de cinema como Oliver Stone, que dedicam também grande quantidade de empenho a denunciar os vícios da desinformação, Chávez já começa, afinal, a ser reconhecido.

SM: Você também, como Tariq Ali e Noam Chomsky, parece estar completamente apaixonado pelo presidente da Venezuela.

SZ: Não diria “apaixonado”, parece-me exagero. O que interessa é que Obama lá está, com quatro anos de governo pela frente para promover mudanças. E, em matéria de governo que promete e faz mudanças, hoje, no mundo, gostem dele ou não, não há melhor modelo que Chávez.



Notas dos tradutores
[1]  VATTIMO, Gianni e ZABALA, Santiago. Comunismo Hermenéutico. De Heidegger a Marx (esp. Barcelona: Herder, 2012, 280 p.; sem tradução para o português). Há uma resenha em “Fracos do mundo, uni-vos!.
[2]  Lê-se resumo do diálogo platônico em: “Graecia Antiqua”  

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