sábado, 13 de outubro de 2012

Sob uma fachada de liberalismo - EUA à beira do fascismo


Norman Pollack, Counterpunch, 12-14/12/2012, ed. fim de semana
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Importante assistir também
Atenção especial ao que o prof. Mangabeira diz em 11’16” (abstraindo-se, lógico, a IMBECILIDADE dos jornalistas/ entrevistadores brasileiros do GRUPO GAFE – Globo-Abril-FSP-Estadinho)

Uso a expressão “fascismo” aqui não como clichê, mas como formação histórico-estrutural enraizada principalmente no estágio desenvolvido do capitalismo, no qual a interpenetração business-governo (que o cientista político japonês Masao Maryuma chamou de “o sistema do abraço apertado”) criou classes sociais hierarquizadas de riqueza e poder muito diferentes; a militarização dos valores sociais e da estratégia geopolítica; e uma falsa ideologia de apagamento de classes, para instilar lealdade à ordem social imposta, entre os que trabalham.

De fato, todos esses fatores já estão presentes e ativos, em alto grau, nos EUA – extraordinariamente mascarados, porém, pela retórica do liberalismo, como se vê no governo Obama.

Mitt Romney
Isso posto, minha hipótese de provocação (mas nem tanto) é que, nas próximas eleições, Romney é preferível a Obama. Por quê? Em termos amplos, estamos assistindo a graus variados de sofisticação nessa corrida final rumo à linha de chegada (movimento típico do fascismo em progressão, a meio caminho entre o surgimento e a plena implantação), com Romney e os Republicanos falando a voz do fascismo plebeu; e Obama e os Democratas manifestando o fascismo em formato corporativo mais sofisticado. Tudo que se diga contra Romney é verdade, das crenças sociais darwinistas e militarismo figadal à intolerância cultural e à xenofobia e, talvez ainda pior, se se pensa o partido como um todo, mas o principal é o que não se diz: que tudo isso é negação absoluta, em todos os campos, do que se entende por democracia. (Por menos que os EUA tenham considerado ou realizado algum estágio democrático de desenvolvimento político-econômico ao longo de praticamente toda sua história!). Apoiar a candidatura de Romney envolve quem o apoie num pesadelo social de nenhum limite à riqueza (e de tudo que vem junto, da política de impostos mínimos a ataques diretos aos sindicatos e aos salários, com todo um clima antitrabalhismo disseminado na sociedade), além de cortes severos nas redes de proteção social. Tudo isso é a parte sabida, previsível, transparente do meu argumento para explicar por que Romney é preferível a Obama.  Claro que, em modalidade simplificada, de popularização, Trotsky trabalha no fundo da minha cabeça.

Barack Obama em campanha
Diferente disso, Obama é inatacável, porque goza da proteção da doutrina dos segredos de Estado (a qual, como a Segurança Nacional, é proteção que ele sempre invoca), sob a carapaça liberal que envolve todas as questões políticas, resultado do trabalho de jornalistas “marketeiros” extremamente hábeis no trabalho de “modelar” os discursos da sociedade. como Axelrod e Rhodes [1]; e de uma base eleitoral submissa, não crítica, que “ama” o presidente, e que resiste doentiamente contra qualquer exame crítico dos feitos do governo Obama. Os feitos do governo Obama só confirmam a bancarrota política, econômica e moral do Partido Democrata, que tem hoje, a diferençá-lo dos Republicanos, e como única diferença, a magnitude das mentiras e da dissimulação “jornalística”, mais hábil a favor dos Democratas. De fato, o Partido Democrata repete, em outros termos, exatamente as mesmas políticas dos Republicanos. Mas mente melhor.

Os Republicanos são sinceramente convictos nas críticas que fazem a Obama, porque são ignorantes demais para reconhecer, nos seus surtos de retórica antigoverno, que o governo Obama assume as mesmas posições dos Republicanos. E todos, gregos e troianos, dedicados a agradar a uma base eleitoral que, nos melhores casos, inclui traços de falso radicalismo, ao mesmo tempo em que se alimenta do desejo de continuar a crer nas antigas promessas Obama. Está montado o cenário de teatro para a política antidemocrática, na sua modalidade mais cruel.

A lista das traições de Obama é longa e cobre, virtualmente, toda a sua política pública, sem exceção. (Bom começo se encontra nos ensaios críticos reunidos em Hopeless  [2], perfeito quebra-gelo para os ainda desinformados e interessados em se informar).

  1. Na saúde pública, Obama saqueou o sistema de único pagador, preparando assim o caminho para saquear também a opção pública, ao mesmo tempo em que silenciou, ou, melhor, deslegitimou todas as vozes críticas, e, simultaneamente, blindou as empresas que vendem seguro-saúde contra qualquer tipo de processo por atentado à legislação antitrustes e favoreceu as “Big Pharma”, as gigantes fabricantes de remédios.

  1. Nas liberdades civis, bom teste limite para aferir qualquer governança democrática, o Departamento de Justiça de Obama trabalhou contra os direitos de habeas corpus dos detidos; invocou a Lei Antiespionagem contra vazadores de informação verdadeira não desmentida; levou seu estado de vigilância e controle muito além de qualquer governo anterior, com sua Agência de Segurança Nacional, hoje, quase inacreditavelmente, já legalmente autorizada a ouvir por trás de qualquer porta; enquanto prossegue o tráfico de prisioneiros postos sob responsabilidade do Estado, mas que são entregues a outros estados para serem torturados; e esses “buracos negros” continuam a devorar gente; e até agências do Estado espionam (como na Federal Drugs Administration) os próprios funcionários.

  1. No militarismo, do qual não se podem excluir nem a política externa nem a política comercial; nos drones – arma que leva, para todo o planeta, a assinatura de Barack Obama – que aterrorizam cidades inteiras, que aprenderam a temer a morte que vem do céu; no poder naval ostentado do Mar do Sul da China ao Mediterrâneo; em toda uma nova geração de armas nucleares já em linha de montagem (sem qualquer ameaça de corte de orçamento); num orçamento militar que é o maior proporcionalmente, de todos os tempos; e no que já se vê como um estado de guerra permanente.

  1. Nas omissões as quais, só elas, pela ausência, dizem muito sobre os objetivos e políticas desse governo, que absolutamente não tomou providência alguma nem para criar empregos nem para impedir os despejos de famílias inteiras, nem teve qualquer ação ambiental positiva clara (nenhuma), nem tomou qualquer medida para controlar a compra e o porte de armas nos EUA; nem tomou qualquer medida para reduzir ou amenizar a miséria, nem tomou qualquer medida para impor controles aos bancos e aos grandes conglomerados da finança. Mas, afinal, nem ninguém poderia ter esperado, mesmo, qualquer regulação de bancos e finanças, porque Obama professa a mesma religião de Clinton-Rubin e aquela gente, que só creem, mesmo, no livre mercado e nos livres marqueteiros.

O que, de pior que isso, algum governo Republicano de Romney poderia fazer?

Talvez se metam em questões de casamentos de pessoas de mesmo sexo e aborto, enquanto Obama – ocupado com sua visão geopolítica de “primeiro o Pacífico” e estratégias “concretas”, só pensa em cercar a China e promover uma agenda econômica que visa, exclusivamente, a maior concentração de riqueza para as grandes corporações.

Se os Republicanos estão chegando feito neo-Talibãs, em matéria cultural, os Democratas, quase subrepticiamente, só fazem avançar a financeirização total da economia, com todas as distorções que daí advêm – cada vez menos empregos, riqueza cada vez mais concentrada e (Ah! É o calcanhar de Aquiles do capitalismo!) queda incontrolável do consumo?

Por que Romney? Porque é transparentemente um homem de Neanderthal. E sua brutalidade talvez leve legiões de norte-americanos indignados, às ruas. Enquanto a passividade de Obama e sua falsa consciência social aparecem como quase inderrubáveis.

De minha parte, ficarei em casa e não votarei nas próximas eleições.

O argumento do “dos males, o menor” é moralmente obtuso e é muito perigoso: primeiro, porque implica cumplicidade com políticas que são moralmente (e também econômica e politicamente) destrutivas; segundo, porque induz um falso moralismo, uma falsa “ética”, uma falsa “consciência social”, uma falsa “justiça”, um falso legalismo que, a cada passo, mais fará curvar qualquer consciência social lúcida e progressista e democraticamente moral.

E, se os norte-americanos se deixarem enganar e ludibriar, e aceitarem governo que zomba da democracia – cortesia dos Goldman Sachs e de gente que prega a simulação de afogamento como “método válido de interrogatório estimulado” – com Obama presidindo a rotina de pão & circo para as massas... que Deus salve os EUA.



Notas dos tradutores

[1] David M. Axelrod: “marketeiro” de Chicago, Illinois. Foi um dos principais assessores políticos do presidente Bill Clinton e assessor político da primeira campanha eleitoral de Obama. Depois da eleição, foi nomeado, em 2008, Assessor Sênior da Presidência. Em 2011, deixou a Casa Branca para coordenar, como principal estrategista, a campanha de reeleição de Obama. É jornalista e foi editor de política do Chicago Tribune. É sócio-proprietário da empresa AKPD Message and Media e diretor da empresa ASGK Public Strategies.
David Rhodes é jornalista, hoje diretor da rede CNN, saído diretamente da Rede Fox. Um de seus filhos trabalha atualmente na campanha de reeleição de Obama.

[2] ST. CLAIR, Jeffrey;  FRANK, Joshua (Eds.) Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion [Sem esperança: Barack Obama e a política da ilusão], Counterpunch Books,

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