quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Documentos secretos espalhados pelo chão, nas ruínas do consulado dos EUA em Benghazi, Líbia


3/10/2012, Michael Birnbaum, Washington Post
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:  Dizer “caos total” e “loucura total” é pouco. Francamente. Mas, afinal, ninguém conseguiria fazer bem feitas tantas guerras, em tantos pontos tão distantes, todas ao mesmo tempo, né-não? Pior do que está fica.

Michael Birnbaum
BENGHAZI, Líbia — Mais de três semanas depois dos ataques nessa cidade, dos quais resultou a morte do embaixador dos EUA na Líbia e de três outros cidadãos norte-americanos, ainda há hoje documentos sensíveis, praticamente sem qualquer proteção, nas ruínas da missão dos EUA aqui. Qualquer pessoa pode ler sem qualquer dificuldade sobre detalhes secretos das operações dos EUA na Líbia.

Documentos com detalhes dos esforços para receber e distribuir armamento, protocolos secretos para evacuação de emergência, todo o roteiro da viagem que o embaixador Christopher Stevens fez em território líbio até Benghazi e anotações sobre os líbios contratados para fazer a segurança da missão estavam hoje entre os itens espalhados pelo chão do complexo, quando um repórter do Washington Post e um intérprete visitaram o prédio.

Apesar de os portões principais do complexo terem sido trancados (vários dias depois do ataque), o prédio foi visitado por saqueadores e caçadores de curiosidades, que entravam e saíam livremente, nos dias de caos generalizado, logo depois do ataque. Já se suspeita que muitos documentos tenham sumido.

O governo líbio não providenciou qualquer tipo de zeladoria ou guarda para o prédio, e investigadores líbios só o visitaram uma vez, segundo membros da família do proprietário do prédio, que acompanharam a visita dos jornalistas, hoje cedo.

Dois guardas de uma empresa privada de segurança, pagos pelo proprietário do prédio, são a única vigilância que se vê no local, onde há duas grandes casas de residência, além da construção onde funcionava o consulado, cercada, apenas em alguns pontos, por um muro de apenas 1,5m de altura.

Mark Toner
“A segurança do local tem sido um problema, é claro” – disse Mark Toner, vice-porta-voz do Departamento de Estado, em resposta a perguntas sobre as atuais condições do prédio em Benghazi. “Tivemos de evacuar o pessoal do governo dos EUA, na noite do ataque. Depois do ataque, pedimos reforço de segurança para o local, e continuamos a trabalhar sobre isso com o governo líbio”.

Entregamos ao Departamento de Estado cópias de alguns dos documentos que encontramos no local. Ninguém nos pediu sigilo, nem que o conteúdo dos documentos não fosse publicado.

Nenhum dos documentos está marcado como secreto, mas não é a primeira vez que jornalistas tropeçam em documentos desse tipo nas ruínas daquele prédio. A rede CNN encontrou lá, mês passado, páginas do diário do embaixador e divulgou detalhes, o que lhes valeu furiosa resposta do Departamento de Estado. Diferentes daquele diário, os documentos que encontramos são todos documentos oficiais.

Pelo menos um dos documentos encontrados entre os destroços indica que os norte-americanos que trabalhavam ali estavam discutindo o risco de algum tipo de ataque no início de setembro, o que se lê em comentário datado de dois dias antes do ataque que destruiu o prédio. O documento é um memorando datado de 9 de setembro, do gabinete do encarregado da segurança do consulado dos EUA e dirigido à Brigada dos Mártires “17 de fevereiro”, a milícia aliada do governo líbio que fazia a guarda do consulado, no qual se traçam planos para organizar uma “quick reaction force”, QRF [força de reação rápida], que garantiria a segurança do consulado e do pessoal.

“No caso de a missão dos EUA ser atacada” – diz o documento – a QRF solicitará apoio adicional da Brigada dos Mártires “17 de fevereiro”.

Outro documento informa – nomes, fotografias, números de telefone e outras informações pessoais – sobre os líbios contratados para fazer a segurança da missão, empregados de uma empresa privada britânica, Blue Mountain. Alguns desses líbios dizem que temem hoje pela vida. E o Departamento de Estado já disse que também se preocupa com a segurança deles. (...)

Os empregados da empresa Blue Mountain deveriam fazer trabalho complementar de segurança, junto com os membros da milícia armada. Guardas dos dois grupos estavam na missão, na noite de 11/9.

No memorando não assinado, da missão dos EUA para a milícia, que parece ser um rascunho, solicita-se que “os guardas comprem e façam a manutenção de suas armas e munição” – nos termos do documento.

A segurança parece ter sido sempre mínima, com três ou mais membros, sempre que o “funcionário superior” – o chefe da missão ou o embaixador – estivessem no complexo.

Estando ausente o funcionário superior, só um membro da milícia permanecia à frente do prédio, junto ao portão principal, das 8 h da manhã até a meia-noite. Entre meia-noite e 8 h da manhã, um miliciano era escalado para fazer a ronda em torno do complexo. Os milicianos deviam trabalhar um mínimo de oito horas por dia, e recebiam, como pagamento, $28 por dia, o que se pode considerar salário médio em Benghazi. E moravam no complexo.

O memorando diz que a milícia deve reunir mais guardas, chamados de um outro complexo próximo da missão dos EUA, no caso de a missão ser atacada, sugerindo que os norte-americanos preocupavam-se com o risco de a guarda regular ser insuficiente numa emergência.

Embaixador Chistopher Stevens
O itinerário da viagem de Stevens até Benghazi inclui uma lista de praticamente todos seus movimentos previstos para o período em que lá permanecesse, dado que a visita estava prevista para durar de 10 a 15 de setembro. Nessa lista há nomes e números de telefones de líbios já agendados para encontrar-se com o embaixador. Alguns desses sírios não divulgaram publicamente seus contatos com Stevens e podem vir a ser ameaçados no caso de esse relacionamento ser tornado público.

A agenda prevê reuniões de briefings com funcionários americanos, um jantar privado com influentes líderes locais e reuniões com chefes de milícias, empresários, ativistas da sociedade civil e professores. O ponto alto da visita foi a inauguração do American Space, centro previsto para funcionar como centro educacional e núcleo de irradiação da cultura dos EUA.

Inúmeras cópias dessa agenda-itinerário estavam ainda espalhadas pelo chão de várias salas do complexo. Uma delas parece ser a cópia do próprio embaixador; estava no chão, perto de uma cadeira, no dormitório onde o embaixador dormia.

O complexo ainda cheirava a fumaça hoje, e todos os prédios foram saqueados. Mobília revirada, vidros quebrados, papéis e documentos por toda parte. Lustres no chão. E, numa cozinha, comida apodrecida.

Mas na parte externa do complexo, os jardins estão floridos e absolutamente nada sofreram. Há goiabeiras carregadas de goiabas; grandes cachos de uvas pendendo das fileiras de vinhas.

Novos guardas recém-contratados parecem estar vivendo numa pequena guarita, junto ao portão principal, onde se vê um acolchoado fino no chão e utensílios para preparar refeições.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.