sábado, 8 de setembro de 2012

Republicanos aproximam-se da direita [1] linha (muito) dura


31/8/2012, Jeff Faux, The Real News Network (TRNN) [vídeo traduzido]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


PAUL JAY, Editor Sênior, TRNN: Bem-vindos à rede The Real News Network. Sou Paul Jay, falando de Baltimore.

Em várias das entrevistas que tenho feito, repetidamente peço que nossos convidados expliquem por que Romney-Ryan, e começou com Romney, pensam que conseguirão ser eleitos apoiados em campanha que traz uma agenda de direita muito dura, sem refresco. Bush, na campanha em 2000, ainda foi forçado a falar de um “conservadorismo compassivo”. 
Que eu me lembre, a última vez que os EUA vimos campanha declarada a favor da direita, uma agenda fiscal muito de direita, foi com Barry Goldwater, e, eleitoralmente, o resultado não foi dos melhores. Mas a resposta óbvia à minha pergunta, sobre por que aparecem hoje com programa tão violentamente de direita, é, claro: porque estão podendo. Então... esse é o tema da entrevista de hoje: é verdade? O argumento está correto? Se estão podendo [fazer campanha a favor de projeto tão violentamente e declaradamente direitista], por quê? O que está acontecendo nesse momento da história dos EUA, para que o Partido Republicano suponha que possa vencer as eleições para a presidência, com campanha do tipo da que estamos vendo?

Para nos ajudar nessa discussão, quem conversa hoje conosco é Jeff Faux. Jeff é fundador, atualmente membro honorário, do Instituto de Política Econômica, em Washington, D.C. É economista e escritor. Seu livro mais recente é “The Servant Economy: Where America's Elite Is Sending the Middle Class”. Obrigado, Jeff, por nos atender.

JEFF FAUX: Obrigado. É ótimo estar com você, Paul.

JAY: OK. Então, se você, mais ou menos entendeu o meu pensamento... Se não entendeu, diga, mas, se entendeu... O que está acontecendo hoje nos EUA, que levou os Republicanos a apostar que podem vencer, com a campanha que estamos vendo?

FAUX: Bem... Acho que daqui em diante eles vão “encobrir”, vão modificar a campanha... E acho que o discurso de Ryan ontem à noite [na Convenção Republicana] mostra o que terão de dizer. Acho que vão tirar o pé do acelerador dessa linha mais dura, depois da Convenção. Quero dizer, eles tinham de “dar energia” à militância. Fazem do melhor modo que podem.

Mas acho que... Acho que Ryan nos dá uma pista. Primeiro, de que vão jogar George Bush às traças. Obama diz, com razão, que boa parte do nosso problema já começara no governo de Bush. Ryan diz: “esqueçam aquela história toda. Não temos nada a ver com George Bush. O que sabemos é que, nos quatro anos de Obama, nada melhorou”. E eles já... Você sabe: apesar de toda a conversa fiada, eles já estão colados a Obama, nas pesquisas. E quando os eleitores são perguntados sobre quem, na opinião de cada um, está mais qualificado para administrar a economia... Romney aparece na dianteira. Mas toda essa conversa direitista, como você diz, só apareceria aos olhos dos eleitores, se eles ameaçam o Medicare, a Seguridade Social. Acho que, daqui em diante, terão de suavizar essa conversa. [inaudível] ao público, ontem à noite, e jurou “o Medicare é nossa promessa solene.” Já se vê que não vão atacar por aí. Não se recomenda atacar os programas mais populares, dos quais as pessoas gostam. Nenhum eleitor gosta de ser atacado.

JAY: Acho que estou entendendo que há uma espécie de fraqueza histórica dos trabalhadores nos EUA, e daí essa confusão que se vê em grandes porções da classe trabalhadora, sobre as causas da crise, sobre o que fazer para sair da crise. Se você concorda com isso, então, primeiro: quanto da culpa por essa falta de clareza você atribui ao governo Obama e à liderança do Partido Democrata? E, dois, em que medida questões como a globalização, o muito que os sindicatos apanharam e padeceram... Você acha que a direita está prevendo uma espécie de “bom momento”, uma oportunidade de vencer, com uma agenda com a qual jamais seriam eleitos em outros tempos?

FAUX: É. E a razão é que... Mas sua pergunta é muito importante e muito ampla. Em primeiro lugar, você sabe, a história mostra que presidentes no cargo não perdem a reeleição só porque o eleitor “goste” do desafiante. Em 1980, por exemplo, ninguém tinha nem ideia sobre alguma “plataforma” política de Ronald Reagan... Mas o eleitor estava cansado de Jimmy Carter. Os Republicanos, hoje, estão apostando nesse tipo de tática. Ronald Reagan ganhou a eleição no debate de 1980, quando perguntou “Vocês estão hoje em condições melhores do que há quatro anos?”. O pessoal de Obama entende hoje, melhor que os Republicanos, que Romney está tentando jogada semelhante àquela. Mas em contexto muito diferente.

Então, em primeiro lugar: não é verdade que a classe trabalhadora nos EUA esteja repentinamente se convertendo tanto à direita. Mas, sim, muita gente está decepcionada com o pouco que a esquerda dominante, com Obama, realizou. E fato é que muita gente – você sabe, desemprego alto, renda doméstica caindo – está, hoje, em condições, sim, piores do que há quatro anos.

Mas, sim... Grande parte disso tudo tem a ver com George Bush e com o que houve nas décadas antes de Obama chegar à presidência. Você sabe... Mas muitos norte-americanos estão [pensando] “O que esse pessoal fez por mim, nos últimos tempos?” Quando Ryan disse, na Convenção, “por que alguém esperaria que os próximos quatro anos sejam melhores que os quatro anos de Obama?” Essa é pergunta difícil de responder... Por isso, é mensagem poderosa de propaganda.

E o problema é que os Democratas não estão correspondendo à tarefa de realmente explicar ao povo dos EUA as razões pelas quais estamos na atual crise. Obama tem-se dedicado a explicar por que sua mensagem de campanha é a que é. Mas a questão é que o problema não é a mensagem. Alguém  teria de explicar ao povo por que estamos no pé em que estamos[2].

E parte do problema com o governo Obama aconteceu porque eles terminaram por trazer Wall Street para dentro do governo, “resgataram” Wall Street. No fim, ficou impossível para eles se engajarem no que alguns chamam de “luta de classes”. O problema é que, se houve algum momento, nos EUA, em que só a luta de classes permite entender e poderia tirar os pobres da situação em que ficaram, foi imediatamente depois do crash e da ameaça de quebradeira em Wall Street. Naquele momento, todo o projeto da economia conservadora estava “por baixo”, completamente desacreditado. Há quem diga que foi um momento que poderia ser aproveitado didaticamente, mas... os Democratas não aproveitaram para educar o povo, explicar as coisas de modo claro, que todos entenderiam.

JAY: Acho que... Parte do problema é também o muito que o governo Obama é governo de uma parte de Wall Street. Foi financiado por aquele grupo, trouxe aqueles economistas para administrar a economia. É gente semelhante a Obama. Em certo sentido, acho que nem cabe esperar que as coisas fossem muito diferentes do que foram e são. Sempre foi muito óbvio que Obama é o homem que ele é. Mas na liderança dos grandes sindicatos tampouco havia voz independente... Também nada fizeram para educar o povo. Sim, há quem diga que os sindicatos não têm plataforma que lhes ajude a educar a sociedade... Mas o caso é que muita gente de sindicato vai votar em Romney.

FAUX: O quadro nos EUA ainda é tal que o pessoal organizado, sindicalizado, são eleitores mais progressistas, em proporção muito maior que os trabalhadores que não participam das atividades dos sindicatos, os trabalhadores médios. Um dos problemas do movimento sindical é que acabou ficando dependente demais do Partido Democrata. Quando Clinton meteu-lhes goela abaixo a mudança das leis trabalhistas, você sabe... Os sindicatos ficaram sem ter para onde ir. Obama fez exatamente a mesma coisa. Aí há, sim, um problema que o Partido Democrata nem equacionou, menos ainda, resolveu.

Os sindicatos, você sabe, estão reclamando muito contra o governo Obama. O novo presidente da AFL-CIO (American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations, a grande confederação de sindicatos nacionais e internacionais dos EUA) é sujeito assertivo, bastante agressivo. Mas, afinal, o que os sindicatos parecem estar querendo é um governo Republicano Romney-Reagan... mas [se ajudarem a eleger Romney], acabarão por ter um governo, que não será só indiferente às suas necessidades, mas hostil a elas. É como se isso fosse o melhor que se pode ter...

JAY: Ouvi dizer que...

FAUX: Mas nada disso ajuda na questão de melhorar a conscientização.

JAY: É, aí está o ponto. Ouvi alguns desses líderes – falando para seus sindicatos, em campanha. Dizem que o presidente Obama é “nosso”, é “nosso homem”, tem o coração do lado esquerdo, do lado certo, do nosso lado... Mas não se ouve nenhuma contextualização crítica, nenhum argumento, nada de, OK, talvez Obama seja melhor para nós, que Romney, mas temos nossos próprios interesses, e Obama não dá qualquer sinal de estar interessado em representar os nossos interesses. Disso, não se ouve nem uma palavra. É pura retórica de campanha eleitoral.

FAUX: ... até há, mas é pouco. Acho, até, que há mais disso, hoje, do que no passado. É suficiente? Não sei dizer. Mas, simultaneamente, os sindicatos perdem quadros todos os dias. E estão discursando com as costas já coladas à parede.

O outro lado dessa moeda, Paul, é a questão de por que as coisas estão como estão, se, não fosse o movimento sindical, os Democratas jamais teriam sido reeleitos. Apesar disso, ao longo de 20 anos, o Partido Democrata assistiu impassível ao enfraquecimento, ano após ano, de seu principal aliado. Você sabe: a reação dos Democratas sempre tem sido “sindicatos não são assunto de governo”.

Simultaneamente, os Democratas, a cada ano que passa, recebem mais e mais doações das grandes empresas, para as campanhas eleitorais. Você sabe: Wall Street está infiltrada no governo Obama, todos sabemos disso. Isso tudo implica que o equilíbrio dentro do partido foi consideravelmente alterado.

O caso é que, os trabalhadores norte-americanos votaram – se há cinco, talvez seis anos, se alguém dissesse que a classe trabalhadora nos EUA votaria num professor universitário afro-americano, que seria presidente dos EUA, você sabe, qualquer um seria chamado de doido. Mas os trabalhadores votaram em Obama, e votaram porque, no governo Bush, a economia estava sendo exportada para o sul. Acho que... É preciso constatar o que os Democratas efetivamente fizeram, para entender porque há hoje tanta ira contra eles.

Em certo sentido, é suicídio, porque acho que, se tivermos os Republicanos no governo no próximo mandato, os sindicatos serão esmagados. Mas, você sabe... Todos falam, a cobertura que a imprensa faz... Há algumas semanas, eu estava num restaurante no Maine, espiando uma televisão que havia no bar, e, em menos de 25 minutos, foram exibidos cinco spots de propaganda paga, todos contra Obama. Vai ser... Vai ser assim, sem alívio, sem descanso.

JAY: E o outro lado, do qual não se fala muito....

FAUX: Voltando à sua pergunta inicial, acho que, sim, que os Republicanos terão, sim, que modificar a linha direitista mais dura.

JAY: E o outro lado, do qual não se fala muito na cobertura da mídia – há muitos comerciais da propaganda paga, mas a cobertura realmente jornalística da Convenção, o perfil de Romney que está sendo apresentado, o modo como os programas nas redes comerciais apresentam a disputa como se fosse corrida de cavalos, como se se tratasse de escolher entre argumentos, a falta de qualquer sentido de análise política... Quem assiste a esse The Real News sabe que nunca fui defensor muito empenhado do governo Obama. Mas a banalidade do discurso dos Republicanos, a mesma conversa que já tantas vezes foi derrotada nas urnas, que ano após ano é exposta como discurso sem profundidade, sem sentido. O país sabe que todos lutamos por igualdade de oportunidades, não por resultados. E ainda não ouvi alguém que destaque uma política dos Republicanos que tenha sido realmente implementada, nem no plano federal, nem no plano estadual, em governo dos Republicanos, e que realmente tenha tornado as oportunidades mais igualitárias. Falam e falam, mas é só retórica. OK, mas... ninguém, na grande mídia, discute essa questão. O que lhe parece a cobertura que a mídia está fazendo dessas eleições?

FAUX: Na minha avaliação, terrível. Veja o The New York Times, OK, é um jornal de notícias, de comentário matutino. Basta ler ou ouvir dois parágrafos... E todos dizem que Ryan falou sobre... administrar um estado mínimo, bem pequeno, quanto menor, melhor, governo mínimo, seus planos para fazer governo mínimo em estado mínimo... Ora! Todo mundo sabe que Ryan não tem plano algum para algum governo mínimo, nunca pensou nisso. E todos os analistas e comentaristas sabem disso. Fato é que, com um orçamento como o que Ryan apresentou, cheio de mentiras e distorções, incluindo a grande mentira que é o seu Medicare, ele jamais governará, nem pequeno nem grande estado, nem pequeno nem grande governo.

Outra coisa também sobre o tamanho do Estado e do governo, que me parece importante lembrar, é que os Democratas admitiram, deixaram que prosperasse o ataque contra o governo “grande”. De fato, começou ou Clinton, ou, talvez, pode-se dizer, começou antes, com Jimmy Carter, quando os Democratas acompanharam a crítica dos Republicanos na crítica contra o estado “grande”. Você sabe, Bill Clinton disse que se acabara o tempo do estado “grande”. Assim, aos poucos, todo mundo hoje é contra estado grande e governo grande. Mas ninguém se opõe a bancos grandes, business grande, Wall Street grande. Assim nos metemos no problema em que estamos... de não sabermos defender o grande, enorme estado; e o grande, enorme governo Obama, sem os quais não haveria como salvar a pele dos bancos, business, Wall Street. E se um estado “grande”, nos anos de Obama, não tivesse investido algum dinheiro... A taxa de desemprego, hoje, seria o dobro da que é.

O problema é que não aparece ninguém que lembre, por puro bom-senso, que seja, que... Calma lá! Somos país grande, estamos com problemas grandes. Melhor começarem a se acostumar com a ideia de que precisaremos de governo grande, estado grande. Não. O que temos é o pessoal de Romney-Ryan que aí está com a conversa de “claro que o orçamento militar não será cortado, os militares terão até mais dinheiro que antes”. Mas... O que são forças armadas “grandes”, se não “estado grande” e “governo grande”?

JAY: Obrigado, Jeff, pela entrevista.



Notas dos Tradutores

[1] “Direita” e “esquerda”, nos EUA, não são conceitos equivalentes, correspondentes ou comparáveis com os que se discutem no mundo da esquerda europeia e discutia-se dentro da esquerda brasileira antes dos anos 80s. O que se chama de “esquerda”, nos EUA, é, no máximo, uma espécie de centro-esquerda liberal (a favor do Estado-Providência, dos direitos civis das minorias, pelas causas ditas ecológicas, de gênero etc.). Toda a chamada “esquerda” nos EUA é mais furiosamente anticomunista que a D. Dora Kramer, colunista deO Estado de S. Paulo e musa da UDN-paulista-sempre-golpista.

O Partido Democrata, nos EUA, “flutua” no campo liberal, nem sempre necessariamente a favor de alguma esquerda mais ou menos consistente e, não raras vezes, obra a favor do mais declarado conservadorismo de direita (como, por exemplo, mas não é caso único, quando os conservadores do sul dos EUA controlavam o bloco Democrata, à direita, até, dos Republicanos). Nesse sentido é que se vê, nessa entrevista, é definir os Democratas de Obama como “esquerda”.

Interessante observar que o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, está seguindo a tendência desse maneirismo da política partidária dos EUA, convertendo-se também em partido “flutuante”, que abriga também uma direita liberal (metida a “ética”) e cujo conteúdo de “esquerda” afere-se, só, pela posição relativa em oposição à direitona paulista e nordestina mais militantemente fascista. Só nesse sentido se entende que o governo Dilma, por exemplo, seja dito governo “de esquerda”: se o comparamos aos governos dos generais da ditadura, sim, é governo de esquerda (“mas só porque à direita daquilo não caberia ninguém” – como se ouvia dizer no Brasil, há alguns anos, e ouve-se cada dia menos). Mas, como uma dita “esquerda” obamista, nos EUA, o governo Dilma não tem qualquer discurso político consistentemente marxiano, que consiga ultrapassar o economicismo (e correspondente neodesenvolvimentismo) ainda incapacitantemente liberal conservador.

[2] “Explicar” embora superficialmente, sem nada aprofundar, mas, pelo menos, oferecendo alguns argumentos ou, no mínimo, algumas frases, que os eleitores dos Democratas podem usar como arrimo, foi, exatamente, o que fez o ex-presidente Bill Clinton, em seu discurso à Convenção Democrata, anteontem [depois desta entrevista].

Hoje, na sequência da campanha, em viagem pelo país, o presidente Obama repetiu três vezes, em três diferentes cidades, que “há gente dizendo pelo Twitter que temos de nomear o presidente Bill Clinton para o cargo de Secretário para o Serviço de Explicar essa Coisa. Bom... não disseram “coisa”... Demos uma limpada na frase... [gargalhadas]. Leia mais notícias ( em inglês) e veja mais imagens a seguir:

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