quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A ascendência de uma elite financeira criminosa

James Petras

As duas faces de um estado policial: “Abrigar sonegadores, trapaceiros das finanças e lavadores de dinheiro enquanto vigia os cidadãos”

por James Petras

“O coração apodrecido das finanças”, The Economist



“Há um grau de cinismo e cobiça que é realmente bastante chocante”, Lord Turner do Bank of England, Financial Service Authority


Nunca na história dos Estados Unidos testemunhamos crimes cometidos na escala e do âmbito dos dias atuais, tanto pela elite privada como estatal. 

Um economista de credenciais impecáveis, James Henry, antigo economista chefe na prestigiosa firma de consultoria McKinsey & Company, investigou e documentou evasão fiscal. Ele descobriu que os super-ricos e suas famílias têm até US$32 trilhões de ativos escondidos em paraísos fiscais off shore, o que representa mais de US$280 bilhões de receita perdida no imposto sobre o rendimento! Este estudo excluía ativos não financeiros tais como imobiliário, metais preciosos, jóias, iates, cavalos de corrida, veículos de luxo e assim por diante. Dos US$32 trilhões de ativos escondidos, US$23 trilhões pertencem a super-ricos da América do Norte e da Europa.

Um relatório recente do Comitê Especial das Nações Unidas sobre Lavagem de Dinheiro descobriu que bancos dos EUA e da Europa têm lavado mais de US$300 bilhões por ano, incluindo US$30 bilhões apenas dos cartéis de droga mexicanos. 

Novos relatórios sobre trapaças financeiras de muitos bilhões envolvendo os grandes bancos dos EUA e Europa são publicados a cada semana. Os principais bancos da Inglaterra, incluindo o Barclay's e um bando de outros, foram identificados como tendo manipulado o LIBOR, ou inter-bank lending rate, durante anos a fim de maximizar lucros.

O Bank of New York, JP Morgan, HSBC, Wachovia e Citibank estão entre a multidão de bancos acusados de lavar dinheiro da droga e de outros fundos ilícitos segundo investigações do Comitê Bancário do Senado dos EUA. Corporações multinacionais receberam fundos federais de salvamento e isenções fiscais e então, violando os acordos publicitados com o governo, relocalizam fábricas e empregos na Ásia e no México. 

Grandes firmas de investimento, como a Goldman Sachs, enganaram investidores durante anos investindo em ações “lixo” enquanto os corretores puxavam e afundavam (pumped and dumped ) ações sem valor. Jon Corzine, presidente do MF Global (bem como antigo presidente da Goldman Sachs, antigo senador dos EUA e governador de Nova Jersey) afirmou que “não podia explicar” os US$1,6 bilhões de perdas de clientes investidores de fundos no colapso de 2011 do MF Global. 

Apesar do enorme crescimento do aparelho policial do estado, da proliferação de agências de investigação, das audiências no Congresso e dos mais de 400 mil empregados do Ministério da Segurança Interna (Department of Homeland Security), nem um único banqueiro foi para a cadeia. Nos casos mais chocantes, um banco como o Barclay pagará uma pequena multa por ter facilitado a evasão fiscal e efetuado trapaças especulativas. Ao mesmo tempo, de acordo com o princípio “canalha” [implícito] na trapaça LIBOR, o Diretor de Operações (Chief Operating Officer, COO) do Barclay's Bank, Jerry Del Missier, receberá uma indenização de 13 milhões de dólares pelo seu afastamento. 

Em contraste com a complacente aplicação da lei praticada pelo florescente estado policial em relação a trapaças dos bancos, das corporações e das elites bilionárias, tem-se intensificado a repressão política de cidadãos e imigrantes que não cometeram qualquer crime contra a segurança e ordem pública.

Milhões de imigrantes têm sido agarrados nas suas casas e lugares de trabalho, presos, surrados e deportados. Centenas de bairros hispânicos e afro-americanos têm sido alvo de raids policiais, tiroteios e mortes. Em tais bairros, a polícia local e federal opera com impunidade – como foi ilustrado por vídeos chocantes dos tiros e brutalidade da polícia contra civis desarmados em Anaheim, Califórnia. Muçulmanos, asiáticos do Sul, árabes, iranianos e outros são racialmente perfilados, arbitrariamente presos e processados por participarem em obras de caridade, de fundações humanitárias ou simplesmente por participarem de instituições religiosas. Mais de 40 milhões de americanos empenhados em atividade política legal são atualmente vigiados, espionados e frequentemente molestados.  

As duas faces do governo dos EUA: Impunidade e repressão

Documentação esmagadora confirma a deterioração total da polícia e do sistema judicial dos EUA no que respeita à aplicação da lei quanto a crimes entre a elite financeira, bancária e corporativa. 

Sonegadores de trilhões de dólares, trapaças financeiras bilionárias e lavadores de dinheiro multibilionários quase nunca são enviados para a cadeia. Se bem que alguns paguem uma multa, nenhum deles têm os seus ganhos ilícitos apreendidos, apesar de muitos serem criminosos reincidentes. A reincidência entre criminosos financeiros é comum porque as penalidades são leves, os lucros são altos e as investigações pouco frequentes, superficiais e sem consequências. O United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) informou que, só em 2009, foram lavados US$1,6 trilhões, principalmente em bancos ocidentais, um quinto vindo diretamente do comércio de droga. O grosso do rendimento do comércio de cocaína foi gerado na América do Norte (US$35 bilhões), dois terços dos quais foram lavados em bancos locais.

O fracasso em processar banqueiros empenhados numa ligação crítica do comércio da droga não se deve à “falta de informação”, nem tampouco à “frouxidão” por parte dos reguladores e aplicadores da lei. A razão é que os bancos são demasiado grandes para processar e os banqueiros demasiado ricos para prender.

A aplicação efetiva da lei levaria a serem submetidos a processo todos os principais bancos e banqueiros, o que reduziria lucros drasticamente. Encarcerar banqueiros de topo fecharia a “porta giratória”, o portão dourado através do qual reguladores do governo asseguram a sua própria riqueza e fortuna pela entrada em casas de investimento privadas depois de deixarem o serviço “público”. Os ativos dos dez maiores bancos nos EUA constituem uma porção apreciável da economia estadunidense. Os gabinetes dos diretores dos maiores bancos entrecruzam-se com todos os principais setores corporativos. Os responsáveis de topo e médios e seus confrades no setor corporativo, bem como seus principais acionistas e possuidores de títulos, estão entre os maiores sonegadores do país. 

Se bem que a Security and Exchange Commission, o Departamento do Tesouro e o Comitê Bancário do Senado finjam publicamente que investigam altos crimes financeiros, a sua função real é proteger estas instituições de quaisquer esforços para transformar a sua estrutura, as suas operações e o seu papel na economia estadunidense. As multas recentemente impostas são altas pelos padrões anteriores, mas ainda assim seus montantes, na maior parte, correspondem aos lucros de um par de semanas. 

A falta de “vontade judiciária”, o colapso de todo o sistema regulamentar e a ostentação do poder financeiro manifestam-se nos “pára-quedas dourados” habitualmente concedidos a presidentes de conselho de administração criminosos após sua revelação e “renúncia”. Isto se deve ao enorme poder político que a elite financeira exerce sobre o estado, o judiciário e a economia.  

Poder político e morte da “lei e ordem”

Em relação a crimes financeiros, a doutrina que guia a política do estado é “demasiado rico para encarcerar, demasiado grande para falir”, o que se traduz nos salvamentos pelo tesouro, com muitos trilhões de dólares, de instituições financeiras cleptocráticas em bancarrota e num alto nível de tolerância do estado para com sonegadores, trapaceiros e lavadores de dinheiro. Devido ao colapso total da aplicação da lei em relação a crimes financeiros, há altos níveis de delinquentes contumazes. É o que um responsável financeiro britânico descreve como “cobiça cínica (e cíclica)”. 

A palavra de ordem sob a qual a elite financeira tomou o controle total do estado, do orçamento e da economia foi “mudança”. Isto refere-se a desregulamentação do sistema financeiro, à expansão maciça dos alçapões fiscais, a fuga livre de lucros para paraísos fiscais além-mar e a dramática comutação da “aplicação da lei” da persecução dos bancos que lavam os ganhos ilícitos da droga e de cartéis criminosos para a perseguição dos chamados “estados terroristas”.

O “estado da lei” tornou-se um estado sem lei. “Mudanças” financeiras permitiram e mesmo promoveram trapaças reiteradas, as quais defraudaram milhões e empobreceram centenas de milhões.

Há 20 milhões de hipotecados que perderam seus lares ou não são capazes de manter pagamentos; dezenas de milhões de contribuintes da classe média e da classe trabalhadora que foram forçados a pagar impostos mais altos e a perder serviços sociais vitais devido à evasão fiscal da classe superior e corporativa.

A lavagem de bilhões de dólares de cartéis da droga e de riqueza criminosa pelos maiores bancos levou à deterioração de bairros inteiros e à ascensão do crime, o que desestabilizou a vida familiar da classe média e trabalhadora.  

Conclusão  

A ascendência de uma elite financeira criminosa e a cumplicidade do estado complacente levaram ao colapso da lei e da ordem, à degradação e ao descrédito de toda a rede regulamentar e do sistema judicial. Isto levou a um sistema nacional de “injustiça desigual” onde cidadãos críticos são perseguidos por exercerem seus direitos constitucionais ao passo que elites criminosas operam com impunidade. As mais duras sanções do estado policial são aplicadas contra centenas de milhares de imigrantes, muçulmanos e ativistas de direitos humanos, ao passo que trapaceiros financeiros são cortejados por coletores de fundos de campanhas presidenciais. 

Não é de surpreender que hoje muitos trabalhadores e cidadãos da classe média considerem-se “conservadores” e serem “contra a mudança”. Na verdade, a maioria quer “conservar” a Segurança Social, a educação pública, aposentadorias & pensões, estabilidade de emprego e planos médicos federais tais como o MEDICARE e o MEDICAID em oposição aos advogados da “mudança” da elite “radical” que quer privatizar a Segurança Social e a educação, acabar com o MEDICARE e amputar o MEDICAID.

Trabalhadores e classe média pedem estabilidade no emprego e nos bairros residenciais, assim como preços estáveis contra a disparada de inflação nos cuidados médicos e na educação. Cidadãos assalariados apoiam a lei e a ordem, especialmente quando isto significa o processamento de sonegadores bilionários, banqueiros lavadores de dinheiro criminoso e trapaceiros, os quais, na maior parte, pagam uma pequena multa, emitem uma “desculpa” e a seguir prosseguem a repetição das suas trapaças. 

As “mudanças  radicais promovidas pela elite devastaram a vida de milhões de americanos em todas as regiões, ocupações e grupos etários. Elas desestabilizaram a família ao minarem a segurança de emprego enquanto minavam bairros residenciais com a lavagem dos lucros da droga. Acima de tudo elas perverteram totalmente todo o sistema de justiça no qual “os criminosos são tornados respeitáveis e os respeitáveis tratados como criminosos”. 

A primeira defesa da maioria é resistir à “mudança da elite” e conservar os remanescentes do estado previdência (welfare state). O objetivo da resistência “conservadora” será transformar todo o corrupto sistema legal de “criminalidade funcional” num sistema de “igualdade perante a lei”. Isto exigirá uma alteração fundamental no poder político, ao nível local e regional, dos gabinetes dos banqueiros para os conselhos dos bairros populares e lugares de trabalho, dos juízes e reguladores acomodatícios nomeados pela elite para representantes reais eleitos pela maioria que geme sob o nosso atual sistema de injustiça.

05/Agosto/2012

O artigo original, em inglês encontra-se em: The Ascendancy of a Criminal Financial Elite
Esta tradução foi extraída de Resistir e ligeiramente adaptada pela redecastorphoto

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.