sexta-feira, 18 de maio de 2012

Terrorismo de Estado e a “verdade” fardada


Zoroastro Sant’Anna - Jornalista e cineasta
Nosso Homem nº 18

Sou filho de militar, cassado em 64, mas militar. Fui criado na Vila Militar do Galeão, Ilha do Governador. Cursei o internato do Colégio Militar do Rio de Janeiro, Esquadrão de Cavalaria, 4ª Companhia, de onde saí em 1965 pressionado pelos oficiais da administração embora querido pelos generais professores de quem eu era um bom aluno. Além de ser o Orador Oficial do Colégio, em concurso presidido pelo apresentador de TV Flávio Cavalcanti, eu representava o então comandante general Newton O’Relly em cerimônias oficiais do  Alto Comando Militar e em seu nome discursava.

O mundo dos botões dourados e dos galões, das continências e das armas me é muito familiar, eu só não podia prever que o encontraria novamente em circunstâncias muito adversas.

Conheço o sentimento militar de nacionalismo e o conceito de dever de defesa da pátria. Convivi com a disciplina e o respeito pela hierarquia, pela lei e pela ordem, ou seja, sei na pele os bons princípios que nortearam a vida militar, como também sei na pele os maus tratos impostos por quem desonrou a farda que vestia.

A criação e nomeação da Comissão da Verdade pela presidenta Dilma inquietou a caserna, instigada pelos velhinhos de pijama, viúvos da ditadura militar que em seus delírios macartistas ainda enxergam fantasmas comunistas nas esquinas de bairros e nas quadras de Brasília.

Que diriam esses zumbis do obscurantismo se a sociedade voltasse a chamá-los de gorilas como eram conhecidos na América Latina durante várias décadas? Do que adiantaria agora satanizar todos os militares em função de uns poucos decrépitos que insistem em negar atrocidades que eles mesmo cometeram e portanto sabem ser verdadeiras?

Os generais zumbis criaram em cerimônia no Clube Naval a Comissão da Verdade 2, um pastiche da comissão nomeada pela Presidenta, com o objetivo de “investigar” 119 alegados atos terroristas cometidos pela esquerda.

Esses zumbis tem nome, endereço e residência fixa: ex-general Renato Cesar Tibau da Costa, ex-tenente-brigadeiro-do-ar Carlos de Almeida Baptista  e ex-vice-almirante Ricardo Antonio da Veiga Cabral.

Quem tiver critério e respeito pela verdade, sabe que nunca nenhum partido da esquerda brasileira optou pelo terrorismo como forma de luta contra a ditadura militar, ao contrário do IRA na Irlanda, do ETA na Espanha, do Baader-Meihonff na Alemanha, da Fatah na Palestina e vários outros.

A luta armada começou no Brasil como ato de autodefesa dos grupos perseguidos e torturados.

Quem implantou a violência foi o Estado, tendo o Exército como seu braço armado no comando das outras forças militares e civis.

O Estado implantou o terrorismo como forma de esmagamento e intimidação da resistência ao regime e colou nas costas da oposição a placa de “terroristas”. E não estamos aqui falando de briga na escola quando a professora pergunta “quem começou primeiro”. Estamos falando de prisões, torturas e assassinatos.

O Estado começou primeiro. Não havia um único ato de violência da esquerda até 1965, um ano depois do golpe.

Agora, o confesso torturador e ex-delegado do DOPS, Claudio Guerra revela que queimou dez corpos de presos políticos no forno da Usina Cambahyba, no Rio

Assista aseguir a confissão dele entre eles o corpo do meu amigo e ex-companheiro de lutas Eduardo Collier Filho.


A mim, enquanto cidadão, a ditadura deve ainda o corpo de Sérgio Landulfo Furtado, outro companheiro nunca encontrado. Os agentes da repressão do Estado devem ao país 146 corpos. E vão ter que devolver. Essa é a verdade que se busca.

E não existem duas verdades, uma civil e outra fardada.

Que houve prisões em massa e indiscriminadas durante a ditadura, houve. Que houve tortura e assassinato, houve. Que houve desaparecimento de cadáveres, houve. Todo mundo sabe. Sabemos até quem foram os responsáveis.

A Presidenta Dilma sabe perfeitamente quem a prendeu e quem a torturou e nem por isso está pedindo punição para ninguém.

O medo que os zumbis do obscurantismo tem é que o desdobramento da Comissão da Verdade leve a uma revisão da Anistia e que os assassinos e torturadores sejam excluídos do perdão. Pode acontecer, mas o objetivo da Comissão não é este e sim resgatar a triste memória do regime militar para que isso não volte a acontecer num país pretensamente civilizado além do que as famílias tem o legítimo direito de saber onde estão os corpos de seus entes queridos.

Os zumbis de pijama alegam que era “uma guerra” e que, portanto, guerra é guerra, onde se supõe que vale tudo.

Primeiro, a versão da existência de uma “guerra” é a versão dos vencedores. Segundo,  toda e qualquer guerra está sujeita à Convenção de Genebra que proíbe, entre outras coisas, torturas e execuções. Seja qual for a versão, o Estado, sob gerência militar, cometeu crimes hediondos condenados por todas as sociedades do mundo. Não se pode queimar corpos em fornos como Hitler fazia.

A Comissão da Verdade tem dois anos para nos contar tudo o que aconteceu, tim-tim por tim-tim. Doa a quem doer. De 1946 (fim da era Vargas) a 1988 (nova Constituição brasileira). A sociedade brasileira não pode mais conviver com o ensurdecedor silêncio dos mortos.

Abram-se os arquivos, contem-se a verdade, tirem-se os cadáveres dos armários do poder.

  • Doação – R$ 20 mil é a indenização que a Presidenta Dilma Rousseff vai receber em junho do Governo do Rio de Janeiro por ter sido presa e torturada no Estado em 1970. O Secretário Estadual de Assistência Social, Rodrigo Neves, revelou que a Presidenta vai doar a indenização pois a questão “foi moral” para obrigar o Estado a reconhecer seus atos.
  • Desculpas - O Estado do Rio vai pedir desculpas oficiais do governo às vítimas da ditadura no dia 4 de junho, às 16hs, na cerimônia pública no Estádio Caio Martins, em Niterói.
  • Casadas – Aqui no Estado ao lado, no Espírito Santo, a 1ª Câmara Cívil do Tribunal de Justiça deu ganho de causa a uma mulher que vivia em união estável com uma escrivã da Polícia Civil que morreu em 2003. A briga na Justiça  capixaba levou nove anos e agora a viúva  passará a receber a pensão deixada pela companheira.
  • Abandono – O Prefeito do Rio, Eduardo Paes, baixou dois decretos que autorizam particulares a assumirem por 50 anos a propriedade de imóveis abandonados na cidade, desde que os imóveis estejam com mais de três anos de atraso no IPTU. A licitação para 39 prédios da Prefeitura abandonados por ela mesma começa na próxima semana.
  • Carusos – Assisti, feliz da vida, o espetáculo “Homenagem a Trois”,  com Miéle, Chico Caruso e Rogéria no teatro do Bar do Tom, no Leblon. Um besteirol da melhor qualidade, bom humor com boa música e boa interpretação. Já os gêmeos Paulo e Chico Caruso, cartunistas e humoristas, vão se apresentar juntos em “Caricaturas Musicais”, no Teatro dos Quatro, na Gávea, nos dias 21, 22, 28 e 29 de junho. Anote aí.
  • Sinfônica – A Orquestra Sinfônica Brasileira inicia no Rio, dia 26 de maio, às 16hs no Teatro Municipal, uma série de apresentações que começa com a sinfonia em si menor de Franz Schubert e termina em 19 de outubro com A Ilha dos Mortos, Opus 35, de Sergei Rachmaninov.

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