quarta-feira, 9 de maio de 2012

Pepe Escobar: “O poder do Putinator”


7/5/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online [de Moscou, Rússia]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Vladimir Putin pretende aproveitar o potencial de recursos até extremo oriental do território da Rússia.  

Vladimir Putin – o ápice de um sistema muito altamente personalizado – está de volta à presidência da Rússia.


Esqueçam qualquer ideia de revolução de veludo, para mudança de regime. Mas não deixem de prestar atenção aos agitos da classe média russa (25% da população, 40% da força de trabalho). Primeiro, viraram consumidores; agora, estão virando cidadãos.

Isso implica que não desistirão da demanda por um judiciário genuinamente independente; por proteção aos direitos de propriedade; e por uma burocracia que não seja infinitamente corrupta.

O Putinator dedicar-se-á agora a descentralizar a Rússia. Todos aprovam: Moscou e as províncias. Será batalha dificílima –, mesmo sem incluir o objetivo de melhorar o crescimento de 3,5% ao ano (muitos, na União Europeia, morreriam por tal crescimento) e diminuir o aparentemente incansável voo dos capitais.

Três temas serão chave para o futuro imediato da Rússia: a economia; a conquista dos territórios orientais; e as pedregosas relações entre Rússia e OTAN. Esperemos para ver que plano de jogo o Putinator concebeu para enfrentá-los.

É a economia, camarada

A Rússia não sobrevive, se o petróleo for vendido a baixo preço no mercado global. Para equilibrar o orçamento – e também a conta corrente – Moscou precisa do barril a, pelo menos, US$115. [1]

Putin não deseja desvalorizar o rublo, nem permitirá que encolham as massivas reservas do país.

Portanto, idealmente, a Rússia não pode continuar a depender de exportar commodities. Qualquer administrador de fundo hedge em New York ou analista financeiro em Londres dirá que a Rússia precisa demonstrar que é governada por leis, não pelos impulsos do Kremlin.

Esse é o modo suavizado de eles preverem o colapso, no caso de a Rússia não se por a privatizar adoidadamente, pelos padrões anglo-norte-americanos. De fato, é muito mais complicado que isso.

Empire – A Rússia de Putin


O Putinator com certeza terá de tomar alguma medida radical, para convencer os investidores estrangeiros a levar para lá sua riqueza; e, os investidores locais, a não exportarem para paraísos fiscais (apesar do magro imposto de renda, de 13%) toda a riqueza que juntaram. É onde se encaixa o fim da burocracia, demanda chave da classe média. Crescer 5% ao ano seria ótimo para a Rússia. 5% seria o número mágico, nas expectativas de Putin.

Sim, claro, haverá algumas privatizações, mas não será o que se viu nos anos de Faroeste à moda Yeltsin. E os empresários russos terão de ser mais competitivos, depois de a Rússia afinal for admitida na Organização Mundial do Comércio (OMT), por acordo que deverá estar concluído em agosto de 2012.

A empresa Gazprom – proprietária de nada menos que 25% das reservas de gás do mundo – continuará a ser gerida como braço da política externa russa (é a síndrome do “país Gazprom”). Mas também será administrada como empresa global altamente lucrativa – mais lucrativa, de fato, que a Exxon.

Putin sabe que a Rússia não pode competir com a China (onde o preço da mão-de-obra é um terço do que custa na Rússia). Sabe também que a China produz tecnologia de ponta. Contem portanto com que Putin coordenará políticas para diversificar a base de manufatura russa, selecionando indústrias de serviços de ponta, com conhecimento de alto valor acumulado. Bom ponto de partida é o novo Vale do Silício, nos arredores de Moscou. E melhorias (já visíveis) na infraestrutura, nos transportes e nas comunicações.

Jovens russos, o Oriente os espera!

Em discurso ao Parlamento (Duma) no início de abril, o Putinator já definiu o desenvolvimento do extremo oriente do território como uma das prioridades da economia russa.

Na prática, uma empresa estatal russa será encarregada da dura tarefa de desenvolver o leste da Sibéria e o extremo leste – aquela vastidão de terra e recursos naturais que cobrem 60% do território russo.

O projeto de lei federal que criará essa empresa – redigido sob supervisão de Putin – foi apresentado semana passada aos ministérios da Energia, de Recursos Naturais, do Comércio e da Indústria.

Com sede em Vladivostok e isenta de impostos sobre os lucros, a empresa terá participação de 17 bilhões de dólares dos recursos, energia e infraestrutura de empresas como a RysHydro, Ferrovias da Rússia e da empresa de diamantes Alrosa, além de poder para tomar decisões no campo da energia, que envolvam as gigantes Gazprom e Transneft.

Rostislav Turovsky, vice-presidente do think tank Centro para Políticas Tecnológicas, definiu a ideia como “organizar um governo paralelo que será controlado pessoalmente por Putin” e quem venha a assumir o lugar de Dmitry Medvedev como primeiro-ministro. 

Podem-se esperar tempos de bonanza nos investimentos: ouro em Irkutsk, minas de ferro e campos de petróleo em Krasnoyarsk e carvão em Tuva. Esses recursos serão importantes para que a Rússia ganhe impulso e velocidade na corrida à caça dos minérios. O timing também é essencial, porque a próxima reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico [orig. Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)] acontecerá em setembro, em Vladivostok.

O aspecto do “Oleo-gasodutostão” é chave, outra vez; nesse caso, trata-se dos dois mega gasodutos que partem da Sibéria.

Moscou e Pequim estão disputando preços ferozmente. A Gazprom disse a Pequim que pode vender a mesma quantidade de gás para a Europa com lucro muito maior; e Pequim disse que não pode aumentar o preço da gasolina em casa, sem perder a vantagem competitiva na manufatura.

A China está agora propondo um “novo modelo” – o que indica que já há algum acordo à vista. 

Os interesses dos BRICS Rússia e China sobrepõem-se. O oleoduto ESPO (East Siberian-Pacific Ocean – bombeia 300 mil barris/dia, de Skovorodino, Rússia, para Daqing, China – entrou em funcionamento ano passado.

A China é agora o principal parceiro comercial da Rússia; o comércio bilateral alcançou $79 bilhões em 2011. A empresa CIC (China Investment Corp) – administradora do fundo soberano de Pequim – investirá cada vez mais na Rússia.

Globocop, go home

Apertem os cintos. Com a Rússia, hoje, sob o comando de Putin, nada será fácil para a OTAN.

Enquanto a aliança atlântica continuar a perder miseravelmente aquela guerra no Afeganistão, ela simplesmente nada cederá à Rússia na discussão sobre os mísseis de defesa e a ampliação da OTAN.

Na Cúpula de Lisboa, no final de 2010, quando a OTAN expôs seu mapa do caminho da dominação global virtual, um detonado Conselho OTAN-Rússia apoiou o que foi chamado de “Revisão Conjunta dos Desafios de Defesa Comum para o século 21”, que incluía Afeganistão, terrorismo, pirataria, proliferação de armas de destruição em massa e desastres naturais e provocados pelo homem.

Ficou mais ou menos combinado que continuariam a discutir os mísseis de defesa.

E por isso, há apenas duas semanas, ainda estavam discutindo contraterrorismo, contrapirataria, guerra às drogas (na Ásia Central), treinamento de técnicos da Força Aérea afegã e arranjos para liberar o trânsito para a OTAN no Afeganistão. A Rússia foi convidada a enviar representante à reunião sobre o Afeganistão, esse mês, durante a Conferência da OTAN em Chicago.

Putin já várias vezes denunciou a OTAN como “relíquia da Guerra Fria”. Mas admite que, vez o outra, a OTAN “desempenha papel de estabilização” em locais como o Afeganistão.

Esse é o argumento que explica que o Kremlin ainda considere a possibilidade de um aeroporto subutilizado em Ulyanovsk ser alugado como armazém de trânsito para equipamentos não letais da OTAN que têm de ser retirados do Afeganistão.

Os comunistas russos entraram em surto e iniciaram imediatamente uma campanha batizada “NATO Nyet!” [OTAN, Não!]. Que ultraje! A OTAN, na cidade onde nasceu Lênin!

Mas até o ex-embaixador da Rússia na OTAN, Dmitry Rogozin, defende o acordo de Ulyanovsk como bom negócio, que estimularia a economia local. Os aviões cargueiros, disse ele, carregarão itens não letais – dentre outros, “o papel higiênico da OTAN”. Os comunistas não perderam a deixa e jogaram rolos de papel higiênico contra prédios do governo da Rússia.

Mas o Putinator não acalenta ilusões sobre a OTAN. [2] Há dois meses, disse que “a aliança já nos oferece “fatos em campo” que não contribuem para construir confiança”.

A questão chave é que a OTAN, mais uma vez – extra oficialmente – está dentro da Georgia, com soldados norte-americanos e turcos, e a Georgia continua a enviar soldados para operações da OTAN. Para o Putinator, ter a OTAN ativa na fronteira sul da Rússia é caso absoluto de não-não-e-não. 

O secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen fala muito de uma “cooperação funcional” com a Rússia. Para Moscou, não passa de retórica oca. Fato é que, quando o presidente da Georgia, Mikhail Saakashvili, visitou o quartel-general da OTAN, há um mês, Rasmussen disse: “A Georgia é parceiro especial para a OTAN. Vocês estão envolvidos em nossas operações, na questão do acesso, estão comprometidos com as reformas. Em resumo, a Georgia é parceiro modelo”. [3]

A quantidade de fogos de artifício deve aumentar à frente. Para Putin, a OTAN sempre trata a Rússia em tom e termos da Guerra Fria. O governo Obama só fez “reiniciar” [orig. reset] mais da mesma retórica oca. Nesse momento, todos os olhos estão voltados para a Conferência da OTAN em Chicago. Não haverá reunião OTAN-Rússia. A Guerra Fria parece estar, não encolhendo, mas inchando. Muita atenção! O Putinator sabe jogar esse jogo. 

Notas de rodapé:
[2] 27/2/2012, The Embassy of Russian Federationto the United Kingdom of Great Britain and Nothern Ireland em:Russia and the changing world – article by V.Putin on foreign policy

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