terça-feira, 10 de abril de 2012

Os EUA, do “lado certo da história” (do Egito)

10/4/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu

Um alto dirigente da Fraternidade Muçulmana no Egito, atualmente em visita aos EUA, assegurou, publicamente, que os Irmãos podem aprender a conviver com o acordo de paz entre Egito e Israel. Disse ao Washington Times que “Nós respeitamos obrigações internacionais. Ponto final.” [1]

Perguntado especificamente se a Fraternidade Muçulmana havia proposto fazer um referendum sobre o Acordo de Camp David de 1979, respondeu com negativa firme e explicou: “Nenhum referendum absolutamente, sobre obrigações internacionais. Todas as nossas [do Egito] obrigações internacionais serão respeitadas pelo partido Liberdade e Justiça, inclusive Camp David”.

O governo Barack Obama prometeu dar 1,5 bilhão de dólares para ajudar o governo chefiado pela Fraternidade Muçulmana no Cairo.

A prodigalidade tem ares de negócio acertado [2]. A Fraternidade Muçulmana quer o dinheiro para firmar-se no governo, sob a vigilância do povo egípcio, que fiscalizará seu desempenho no governo. Na essência, Washington está emprestando o dinheiro para que os Irmãos possam “cumprir” as promessas que fizeram ao povo durante a campanha, e, “em troca”, os Irmãos aprendem a viver com Israel – ou, pelo menos, a não precipitar, bem agora, mais um front no Sinai, quando os EUA têm panelas fervendo no Irã, Síria, Iraque e Iêmen.

De bônus, Israel suspira aliviada, e os dividendos correm para a campanha de Obama, em ano eleitoral. Além disso, o ramo sírio da Fraternidade Muçulmana é também aliado [3] de Turquia, Arábia Saudita e Qatar, todos parceiros dos EUA na empreitada de derrubar o governo de Damasco. Há notícias de que os Irmãos sírios já se encontraram secretamente com agentes israelenses. Como se vê, o mundo é mesmo pequeno...

Tudo isso torna infinitamente interessantes as próximas eleições presidenciais no Egito (23/24 de maio) [4]. A Fraternidade Muçulmana mudou de ideia e decidiu apresentar, como candidato, seu número 2, Khairat El-Shater. Seus adversários incluem três nomes facilmente indentificáveis como do establishment da era Hosni Mubarak – o ex-ministro de Relações Exteriores e chefe da Liga Árabe Abu Moussa; o ex-comandante da inteligência de Mubarak, Omar Suleiman (chamado amorosamente de “o açougueiro do Cairo”); e o ex-primeiro-ministro Ahmed Shafiq. 

A aliança tática entre os Irmãos e os militares [5] provavelmente rachou. E a Fraternidade Muçulmana também tem de concorrer contra os salafistas ultraconservadores baseados na Arábia Saudita e contra a plataforma islamista centrista de Al-Azhar. A plataforma islamista está gravemente fragmentada e, aos olhos dos EUA, a Fraternidade Muçulmana parece mais homogênea.

Em resumo, Obama joga para ganhar nas duas pontas: se der cara, ganha; se der coroa, não perde. Os EUA têm fortes laços com os militares egípcios, próximos dos sauditas e qataris (mentores dos salafistas); agora, estão abertamente enlaçando os Irmãos.

Perdem, é claro, os liberais e os secularistas egípcios, que deveriam ser aliados “naturais” dos EUA na revolução democrática. 

Mas é que os EUA querem estar “do lado certo da história”. [6]
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Notas dos tradutores

[1] Ver 9/4/2012, WashingtonTimes, em: “MUSLIM BROTHERHOOD SEEKS U.S. ALLIANCE”, em inglês.

[2] Ver 9/4/2012, redecastorphoto, MK Bhadrakumar, “Casa Branca pisca o olho para Hafiz Saeed...
[3] Ver 26/3/2912, Hurriyet News, Ancara em: “Syria's Muslim Brotherhood meets in Turkey” [Fraternidade Muçulmana da Síria reúne-se na Turquia”, em inglês. 
[4] Ver 2/4/2012, DaralhayatAn Expert’s Mistake [Erro de especialista], em inglês.
[5] Ver 9/4/2012, Press TV, Teerã, “Egypt junta says 'neutral' towards presidential hopefuls” [Junta egípcia se declara neutra em relação aos candidatos à presidência], em inglês.
[6] Ver 15/2/2011, National Public Radio, EUA, “Obama: U.S. Is ‘On Right Side Of History’ in Middle East” [Obama: os EUA estão do lado no Oriente Médio”, em inglês.  



*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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