quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O fantasma sírio, à porta da Índia, do Paquistão


16/2/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A Liga Árabe anda vacilando, agora que os “árabes do Golfo” usurparam a liderança do arabismo. Historicamente, Cairo, Bagdá e Damasco sempre andaram à frente – cérebro, coração e alma do mundo árabe. Agora, com o Iraque em ruínas, Cairo em transição e Damasco em confusão, as oligarquias do Golfo Persa estão conseguindo entrar no jogo. A Arábia Saudita e o Qatar estão forçando o ritmo da intervenção da Liga Árabe na Síria. 

Não se passa uma semana, sem nova “iniciativa” da Liga Árabe. A mais recente foi uma força de paz da Liga Árabe. Mas a Liga Árabe não tem exército, e os rebeldes sírios são chusma de vespas; como se faria um cessar-fogo? Negociado com quem? O regime sírio pode ajudar muito a salvar a Liga Árabe, se a mandar às favas. 

No domingo, lá estava outra vez a Liga Árabe. Depois de nada amistoso encontro de ministros de Relações Exteriores no Cairo, o Qatar e a Arábia Sauditas forçaram uma Resolução que, dentre outras ideias [1], conclama os árabes a “garantir todas as formas de apoio político e material” à oposição na Síria. O fraseado é clonado de EUA e Israel quando ameaçam o Irã – “todas as opções”. Em termos simples, qataris e sauditas têm agora o mandado da Liga Árabe para legitimar o serviço de armar e incitar os dissidentes na Síria e inúmeros grupos jihadistas, até que consigam criar uma guerra civil na Síria. 

Enquanto isso, o rei Abdullah da Arábia Saudita pronunciou discurso kafkeano [2], lamentando o estado em que vive o mundo contemporâneo, falho de cérebro, justiça, moralidade e igualdade. Estava em campanha a favor da Resolução que aparecerá na Assembleia Geral da ONU  [3], a ser posta em votação talvez na 5ª-feira, condenando o regime sírio e exigindo que retire suas tropas de áreas civis (e nada exige da oposição). 

A resolução da Assembleia Geral da ONU não criar qualquer obrigatoriedade, mas, mesmo assim, ecoará no palco mundial. A intenção que se oculta por trás dessa resolução inventada às pressas é tentar esvaziar o movimento já encaminhado pelo governo sírio, de convocar referendo popular para aprovar uma nova Constituição que promoverá amplo leque de reformas [4] (incluindo sistema multipartidário, judiciário independente, etc.). 

Só “mudança de regime” em Damasco satisfará os sauditas; virou cruzada pessoal do rei Abdullah. Os sauditas movem-se passo a passo com Turquia e os EUA. O ministro de Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu, que passou cinco dias em Washington, numa romaria de reuniões, falou, em tom de ameaça, a favor de uma “iniciativa humanitária” [5]. Hillary Clinton prometeu “abertura ainda maior na direção da oposição, dentro e fora da Síria.” 

Davutoglu também esteve com o Secretário de Defesa dos EUA Leon Panetta, que elogiou o papel estelar da Turquia, como membro da OTAN. Tudo indica que Davutoglu discutiu com autoridades norte-americanas a possibilidade de implantar-se uma chamada buffer zone [terra-de-ninguém] no norte da Síria que faz fronteira com a Turquia, em Idlib e nas regiões em torno da cidade. 

Muito claramente, é a Líbia, tudo outra vez. 

Está sendo formado um grupo de “Amigos da Síria” [ing.Friends of Syria (FOS)], à imagem do que o ocidente e seus aliados árabes inventaram para a Líbia, antes da intervenção. A primeira reunião desses “Amigos da Síria” acontecerá na próxima 3ª-feira, na Tunísia (berço histórico da “Primavera Árabe”).

E vem a grande pergunta, no que tenha a ver com os indianos: Depois de ter votado a favor da resolução da Liga Árabe no Conselho de Segurança da ONU; e depois da visita altamente bem-sucedida que o ministro de Defesa da Índia [6] A.K. Antony fez a Riad essa semana... a Índia será ou não será do grupo “amigo da Síria”? Tudo dependerá de como os mandarins definam os “interesses da Índia”, depois de analisarem detidamente o diário de viagem de Antony. 

Foi gesto muito especial, do rei Abdullah, ter recebido Antony imediatamente depois de ele chegar a Riad. [7] E confirmou que os sauditas podem aumentar a oferta de petróleo para a Índia. Nunca antes se vira tal abertura saudita, em direção à Índia. Abdullah está fazendo o que EUA (e Israel) lhe disseram que fizesse. (...) 

Mas toda essa mobilização acrescenta-se à capacidade para “contenção instantânea” [orig. instant deterrent] à qual os sauditas esperam lançar mão “sob a forma do arsenal nuclear do Paquistão, que se crê que os sauditas tenham ajudado a financiar” – como se lê em coluna do terrivelmente bem informado David Ignatius do Washington Post  [8]. 

Em minha opinião, os sauditas operaram aqui uma pequena divisão do trabalho: subcontrataram simultaneamente indianos e paquistaneses, para que ambos, felizes, ajudem a entoar o cântico saudita contra a Síria. (...)



Notas dos tradutores

[1] 14/2/2012, Reuters,Insight: Arabs open way for arming Syrians, civil war feared

[5] 15/2/2012, Hurriyet Daily, Turkey, US discuss how to provide aid to Syrians

[6] 15/2/2012, Arab News, Joint team to prepare road map for Saudi-India defense cooperation

[7] 14/2/2012, Arab News, Boost to defense ties with India
  
*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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