terça-feira, 31 de maio de 2011

FMI: França empareda os BRICS

31/5/2011, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger reclamou certa vez que a Europa não tinha número de telefone. O que o deixava sem saber com quem falar, como autêntica voz europeia. Hoje se pode dizer o mesmo dos BRICS, o grupamento que chegou a personificar as melhores e mais brilhantes potências emergentes na ordem global. BRICS são o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. 

A sumária demissão de Dominique Strauss-Kahn do emprego de diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), acusado de agressão sexual, deixou tristemente expostos os BRICS como navio fantasma que, vez ou outra, faz muito barulho. 

Mal se passaram seis semanas desde que a China hospedou a reunião dos BRICS em clima de glória, comandada por ninguém menos que o presidente Hu Jintao. E já hoje os líderes dos BRICS corarão, envergonhados, se lembrarem que o Diário do Povo de Pequim saudou-os naquela reunião como “âncora da economia e da política globais”. 

Strauss-Kahn não virou presidente da França, como se disse que seria seu sonho. Tampouco sua contribuição para a construção da ordem global irá além da do atual presidente Nicolas Sarkozy. Dado o modo como foi defenestrado do emprego no FMI, uma turba ensandecida surgiu, ardendo para ocupar a vaga, processo que, por sua vez, trouxe a nu as linhas muito frágeis do sistema internacional. Mas nem Strauss-Kahn algum dia deu sinais de ouvir os gritos das dores do nascimento do supracitado mundo multipolar. 

Apesar das homilias universais de que é preciso democratizar a ordem mundial, quando chegou a hora da verdade os países ocidentais rapidamente cerraram fileiras e entraram num frenesi jamais visto, para não deixar escapar o FMI como seu território exclusivo. 

Em questão de 72 horas, mais ou menos, a ministra francesa das Finanças Christine Lagarde anunciou-se candidata ao emprego. As nações européias rapidamente se organizaram em torno dela; o Grupo dos 8 (G-8) proclamou seu apoio; e ela partiu em tour global. No domingo, Lagarde postou um tuíte triunfalista no Twitter: “Voando para Brasília: amanhã almoço com colega Guido Mantega, encontro com presidente do BC Alexandre Tombini”. 

Urso (russo) de picadeiro 

Sim, Lagarde almoçou numa capital BRICS, depois de ter assegurado o apoio de outro BRICS, a Rússia, que esteve presente no jantar do G-8 na 5ª-feira na França. 

A ironia é que a Rússia, talvez a mais ardente defensora dos BRICS, no instante em que se viu sentada à mesa do banquete dos G-8 entrou em surto de crise de identidade e, num segundo, resolveu que prefere ser parte do mundo ocidental, a comer mosca no mundo em desenvolvimento. 

Foi exatamente o que todos viram, na posição adotada pela Rússia na reunião do G-8 na 6ª-feira, quando apoiou a candidatura de Lagarde. Na 4ª-feira, a Rússia assinara a declaração dos BRICS, contra a candidatura de Lagarde (e em busca de “um processo transparente, meritocrático e competitivo”, para a seleção do novo chefe do FMI). 

A Rússia sabia, é claro, que o apoio do G-8 praticamente significa que Lagarde já tem novo emprego, porque as nações reunidas no G-8 detêm 42% dos votos. Mas naquele momento a Rússia não tinha candidato próprio suficientemente qualificado para o emprego no FMI. Mais importante: o G-8 é um dos poucos símbolos que ainda fazem a Rússia sentir-se “grande potência” com influência global. 

Por trás de tudo isso, a Rússia pós-soviéticos anseia por ser aceita como “igual” na comunidade euro-atlântica. Ainda não se sabe se a Rússia ter-se-á amarrado em algum acordo faustiano que envolva algum interesse vital. Mas se se amarrou, não será surpresa. 

Fato é que a Rússia, praticamente do dia para a noite, deu as costas aos BRICS, por mais que, todo o tempo, tenha vivido a repetir rompantes do Kremlin, segundo os quais os BRICS seriam o evento mais importante que aconteceu no sistema internacional pós-Guerra Fria. 

O ocidente e o resto 

Tradicionalmente, os EUA presidem o Banco Mundial, e a Europa, o FMI. A corrida para ganhar o emprego no FMI indica claramente que o ocidente não consegue sequer imaginar qualquer outro modo de comandar o sistema financeiro mundial. O plano ocidental de já ter prontas as indicações para o FMI dia 10 de junho, e de decidir toda a agenda e o processo eleitoral unilateralmente, praticamente numa única reunião de fim de semana, e sem nem dar tempo de todos os diretores executivos reunirem-se em Washington, indicam que, sim, não concebem outro modo de fazer as coisas. Espera-se que o FMI anuncie os candidatos ao principal cargo dia 17 de junho, E que dia 30 de junho já se conheça o próximo diretor-executivo. 

Tudo isso está acontecendo apesar do compromisso assumido em 2007, quando Strauss-Kahn foi escolhido pelo grupo Euro. Nos termos daquele compromisso, “o próximo diretor-executivo certamente não será europeu” e “no grupo Euro e entre os ministros das Finanças da União Europeia, todos sabem que é provável que Strauss-Kahn venha a ser o último europeu a dirigir o FMI, no futuro previsível.” 

Por sua vez, os europeus argumentam, sem corar, que ter um europeu na chefia do FMI na atual conjuntura é absolutamente necessário, no momento em que os 17 países da Eurozona lutam para fazer frente aos problemas financeiros de Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda. 

Dentro dos BRICS, todos os olhos estão postos em China e Índia. (O Japão mantém-se estranhamente indiferente à disputa, apesar de controlar a segunda maior fatia.) China e Índia podem entender-se, apesar de terem interesses partilhados? Essa deveria ser a grande questão. Mas não é. O que se vê é que China e Índia fizeram mais barulho que o usual, mas nem uma nem outra estão fazendo coisa alguma para desafiar a candidatura Lagarde. 

Nem China nem Índia têm candidatos viáveis a oferecer ao FMI. Assim sendo, os dois países adotaram posição “de princípio”, para constar. Além desse ponto, não se vê nenhum tipo de ação coordenada entre ambas, nem qualquer sinal de que alguma das duas esteja inclinada a trabalhar a favor de um candidato de consenso. 

Interessante, mas nem Pequim nem Delhi marcaram, até agora, data para visita de Lagarde, para propor oficialmente sua candidatura. Pequim manteve silêncio sobre a declaração unilateral de Lagarde de que contaria com o apoio da China à sua candidatura. De fato, é tática esperta. China e Índia parecem estar-se preparando, depois de alguns dias de posar como superiores, para apoiar, sim, a candidatura Lagarde. Nos dois casos, haverá perda de prestígio e posição. Mas, afinal, China e Índia são escolados “realistas”. 

O Dragão chinês recolhe-se sem ruído... 
... e o Elefante indiano bate as patas 
[parágrafos não traduzidos, porque só fazem sentido para quem acompanhe a política interna de China e Índia]

Um coringa no baralho 

Depois da “defecção” da Rússia, que sequer se deu o trabalho de consultar seus BRICS parceiros; com Rússia, China, Índia e Brasil, que sequer se deram o trabalho de anotar que a África do Sul, também BRICS, apresentou, sim, um candidato; e, agora, depois de o Brasil já ter servido almoço à Lagarde, os BRICS cada dia mais parecem coringa no baralho com que o sistema internacional joga. 

Como as coisas chegaram a tão lamentável quadro? Com certeza não se trata de falta de candidatos qualificados. Basta considerar a lista impressionante de candidatos potenciais, das economias emergentes, todos perfeitamente qualificados para dirigir o FMI, tanto quanto Lagarde: 

  • Tharman Shanmugaratnam, ministro das Finanças de Cingapura e vice-primeiro ministro
  • Agustin Carstens, atual presidente do Banco Central do México
  • Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil
  • Sri Mulyani Indrawati, ex-ministro das Finanças da Indonésia
  • Trevor Manuel, ministro das Finanças da África do Sul. 

Assim sendo, qual é o problema? Tudo tem a ver com o que é o grupo BRICS – associação seletiva de alguns dos mais ambiciosos países do planeta, com interesses absolutamente diferentes uns dos outros, unidos por um único interesse comum, de garantir direito de assento à mesa principal da ordem política e econômica mundial. 

Teremos chegado ao fim da linha, para os BRICS? Não há dúvidas de que a luta pelo FMI deixou escoriações nos BRICS e abalou a credibilidade que tivessem. Nada garante que o grupo consiga recuperar a verve a tempo da reunião prevista para 2012, na Índia. Mas é provável que os membros ainda vejam vantagens táticas em manter-se num processo BRICS, mesmo que BRICS passe a ser só entidade de papel. 

De fato, o grupo BRICS continuará a servir como aprisco para a Rússia, enquanto continuar excluída do teto europeu comum. A China terá de usar o BRICS para ostentar simpatia e comunhão com os países em desenvolvimento, enquanto finge que é um deles. Os BRICS jamais foram mais que casa de passagem, onde a Índia abriga-se, vez ou outra, na longa estrada pela qual prossegue, tentando chegar ao clube dos ricos. E os BRICS permitem ao Brasil o conforto de afastar-se, vez ou outra, da sombra dos EUA no hemisfério ocidental. 

Lagarde diria, com sorriso de griffe: “Le Roi est mort, vive le Roi!” – “Morreu o rei, viva o rei”.

Jornalista Syed Saleem Shahzad foi assassinado

Syed Saleem Shahzad

De: Asia Times Online -  31/5/2011
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Syed Saleem Shahzad, 40 anos, editor-chefe da sucursal de Asia Times Online em Islamabad, Paquistão – que estava desaparecido desde domingo à noite, quando não compareceu a entrevista marcada numa rede de televisão – pode ter sido assassinado, segundo informou hoje a polícia paquistanesa. Corpo ainda não identificado, mas que pode ser do jornalista, foi encontrado hoje num canal em Mandi Bahauddin na província de Punjab, cerca de 150 km ao sul de Islamabad onde o carro do jornalista fora localizado. (Agora, às 15h53, a notícia já foi confirmada.) 

Para Ali Dayan Hasan, pesquisador da organização Human Rights Watch, Shahzad foi sequestrado e morto, provavelmente, por causa de artigo publicado dia 27/5 em Asia Times Online, no qual informa sobre infiltração da al-Qaeda na Marinha do Paquistão. 
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Aqui vai, traduzido, o artigo do dia 27/5/2011, de Syed Saleem Shahzad, jornalista paquistanês que descobrimos na internet, que aprendemos a admirar, e do qual traduzimos vários artigos. A luta sempre continua.
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Al-Qaeda avisou que atacaria no Paquistão
27/5/2011, Syed Saleem Shahzad,  Asia Times Online 
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

ISLAMABAD. A al-Qaeda atacou a base naval paquistanesa PNS Mehran, em Karachi, dia 22 de maio, depois que fracassaram as negociações entre a Marinha do Paquistão e a al-Qaeda para a libertação de vários oficiais da marinha presos sob a acusação de trabalharem como contatos da al-Qaeda – como revelaram investigações conduzidas pelo jornal Asia Times Online.

As forças de segurança do Paquistão enfrentaram 15 horas de combate para reocupar a base naval, depois de a base ser invadida e ocupada por pequeno grupo de militantes fortemente armados.

Houve pelo menos 10 mortos e foram destruídas duas aeronaves de patrulha marítima e detecção de submarinos fabricadas nos EUA, P3-C Orion, no valor, cada uma, de 36 milhões de dólares, antes de alguns dos militantes conseguirem furar o cerco de milhares de soldados, e escapar.

Declaração oficial fala de seis militantes atacantes, dos quais quatro teriam sido mortos e dois teriam escapado. Fontes não oficiais dizem que os militantes que ocuparam a base eram 10, dos quais seis escaparam. Fontes de Asia Times Online confirmam que os militantes atacantes eram, todos, membros da Brigada 313, de Ilyas Kashmiri – o braço operacional da al-Qaeda.

Três ataques contra ônibus da Marinha, no qual morreram pelo menos nove pessoas, mês passado, foram ‘avisos’, e visavam a pressionar o comando da Marinha paquistanesa no sentido de libertar os oficiais suspeitos presos, como a al-Qaeda desejava.

O assassinato de Osama bin Laden dia 2 de maio no Paquistão, empurrou os vários grupos da al-Qaeda na direção de um consenso que até então não havia, sobre o ataque à base em Karachi – em parte vingança pela morte do líder, e, simultaneamente, ataque contra a capacidade de vigilância do Paquistão, sempre em disputa contra a Marinha indiana.

Mas o motivo mais profundo e de mais peso foi, sem dúvida, a reação contra a perseguição e a prisão em massa de simpatizantes e afiliados da al-Qaeda que há dentro da Marinha paquistanesa.

Um vulcão de militantes 

Há várias semanas, a inteligência da marinha rastreou e localizou células da al-Qaeda em operação dentro de várias bases em Karachi – a maior cidade e porto chave no país.

“Sentimentos islâmicos são comuns e frequentes nas forças armadas” – disse a Asia Times Online alto oficial da Marinha que pediu para não ser identificado porque não tem autorização formal para falar à mídia.

“Jamais nos sentimos ameaçados por esses ou quaisquer outros sentimentos religiosos. Todos os exércitos do mundo, americano, britânico, indiano, todos eles, extraem da religião algum tipo de inspiração que ajuda a motivar os soldados, contra o inimigo. O Paquistão é resultado da teoria segundo a qual indus e muçulmanos são mundos separados e, portanto, não há como separar o Islã e os sentimentos islâmicos, e as forças armadas do Paquistão” – disse a esse jornalista o mesmo oficial.

“Apesar disso, observamos um movimento diferente, de formação de novos grupos, em várias bases navais em Karachi. Embora não se possa impedir soldados de praticar a religião ou de estudar o Islã, constatamos que esses novos grupamentos pregavam a rebelião contra a disciplina das forças armadas. A partir daí, iniciamos uma operação de inteligência na Marinha, para identificar responsáveis por pregação não desejada.”

O mesmo oficial explicou que os novos grupamentos estavam-se organizando contra a liderança das forças armadas – e contra, sobretudo, a aliança com os EUA contra a militância islâmica. Foram interceptadas mensagens que se interpretaram como planos para atacar oficiais norte-americanos em visita ao país. Nesse ponto, a inteligência paquistanesa interveio e foram detidos dez oficiais de Marinha, a maioria dos quais de baixo escalão, em várias ações.

“Foi o começo de graves problemas” – disse o oficial.

Os detidos estavam sendo mantidos num dos escritórios da inteligência em Karachi, mas antes que pudesse começar qualquer interrogatório, o encarregado das investigações foi diretamente ameaçado por militantes, que não deixaram qualquer dúvida de que sabiam exatamente onde os acusados estavam presos.

Imediatamente os acusados foram transferidos para local mais seguro, mas as ameaças continuaram. Para oficiais encarregados do caso, os militantes temiam que os interrogatórios levassem à revelação de outros membros da mesma organização também infiltrados nos quadros da Marinha. A partir daí, os militantes passaram às ameaças diretas. Deixaram bem claro que, se aqueles detidos não fossem libertados, começariam os ataques contra instalações navais.

Não havia qualquer dúvida de que os militantes continuavam a receber informação atualizada, porque sempre sabiam onde os detidos estavam, o que indicava infiltração considerável, pela al-Qaeda, nos quadros da Marinha. Convocou-se reunião de alto escalão da Marinha, na qual um oficial da inteligência insistiu em que o assunto fosse conduzido com extremo cuidado, para evitar consequências desastrosas. Todos concordaram, e decidiu-se abrir uma linha de comunicação direta com a al-Qaeda.

Abdul Samad Mansoori, estudante e ex-ativista sindical, hoje integrado à Brigada 313, criado em Karachi, mas que vive atualmente na área tribal do Waziristão Norte, foi contatado. E iniciaram-se as conversações. A al-Qaeda exigiu que todos os detidos fossem imediatamente libertados, sem mais interrogatórios. A exigência não foi aceita.

Os detidos foram autorizados a falar com familiares, que constataram que estavam sendo bem tratados, mas os oficiais da Marinha estavam interessados demais em interrogá-los, para poderem avaliar a extensão da penetração da al-Qaeda. A al-Qaeda foi informada que, depois de completado o interrogatório, os homens seriam expulsos da Marinha e libertados. A decisão não atendia aos interesses da Al-Qaeda. Como resposta, foram atacados os ônibus da Marinha, em abril.

Essa reação da al-Qaeda sugeriu aos agentes de segurança que haveria mais em jogo, do que a única célula da al-Qaeda que a Marinha já identificara. A partir desse momento, a segurança do Paquistão passou a temer que, se o problema da infiltração da al-Qaeda na Marinha não fosse adequadamente resolvido, logo poderiam surgir riscos graves também contra as linhas de suprimento da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. 

Os comboios da OTAN são rotineiramente atacados depois de já terem partido de Karachi para o Afeganistão. Dada a situação em Karachi, os mesmos comboios ficariam expostos a ataques já no porto de Karachi. E os norte-americanos que frequentemente visitam as instalações navais na cidade também ficariam expostos a grave risco de ataque.

A Marinha então aprofundou as investigações e fez mais presos. Dessa vez, foram detidos oficiais de diferentes origens étnicas. Um dos detidos vinha da tribo Mehsud do Waziristão do sul, e parecia ter recebido ordens diretas de Hakeemullah Mehsud, chefe do grupo Tehrik-e-Taliban Pakistan (“Talibã Paquistão”). Outros eram originais da província Punjab e de Karachi, capital da província Sindh.

Depois que Bin Laden foi morto pelos SEALs da Marinha dos EUA em Abbottabad, 60 km ao norte de Islamabad, os militantes decidiram que o momento estava maduro para ações de maiores proporções.

Em uma semana, membros infiltrados da al-Qaeda na base aeronaval de Mehran forneceram mapas, fotos de várias rotas de entrada e saída, tomadas durante o dia e à noite, a localização dos hangares e detalhes da provável reação das forças externas de segurança.

Por isso, os militantes conseguiram entrar e sair da base, apesar de ser muito fortemente protegida. Dentro da base, um grupo destruiu as duas aeronaves, um segundo grupo cuidou da defesa contra o primeiro assalto das forças de segurança, e um terceiro grupo garantiu cobertura de retaguarda aos demais. Vários conseguiram escapar, graças a essa cobertura. Todos os que ficaram na retaguarda foram mortos.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

ENCONTRO DE BLOGUEIROS E MÍDIAS SOCIAIS DO ESPÍRITO SANTO

COMUNICADO DE CANCELAMENTO


Gilney Viana
Há pouco mais de um mês decidiu-se realizar o ENCONTRO DE BLOGUEIROS E MÍDIAS SOCIAIS DO ESPÍRITO SANTO, em Vitória, capital do Estado, entre os dias 3 (três), 4 (quatro) e 5 (cinco) de junho próximo, como tem acontecido em todos os estados brasileiros.

Toda a programação do evento foi organizada e ao longo desse período até a presente data vários apoios e adesões consumados, além da presença confirmada de palestrantes convidados.

O evento constaria de exibição de filmes, palestras, debates e painéis – stands – de artes, cultura, resgate do papel da mídia alternativa no combate à ditadura militar e em sua abertura, com a presença do Coordenador Nacional da Campanha pelo Direito à Memória e a Verdade, Gilney Viana.

Genivaldo Lievori
Desde o primeiro momento o deputado estadual Genivaldo Lievori, da bancada estadual do PT – Partido dos Trabalhadores – manifestou apoio e perguntado sobre se a Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da qual é presidente, dentro do princípio que informação é direito fundamental dos povos, apoiaria com passagens aéreas para os convidados e se poderia fornecê-las; respondeu que cada mandato dispõe de uma cota de passagens e que o dele ofereceria pelo menos três.

A partir daí outros mandatos foram contatados para completar o número de passagens necessárias e dois deputados petistas aderiram com seu apoio de mandato. Cláudio Vereza e Roberto Carlos.

Cláudio Vereza
É de se destacar que os deputados estaduais dispõem de cotas de passagens para fins de eventos, seminários, debates, tudo com o objetivo básico de além de promover as necessidades para o exercício de seus mandatos, promoverem também a participação popular.

Em menor escala e dentro de suas possibilidades outras entidades participariam de forma direta e indireta da organização do evento, como alguns mandatos de vereadores, inclusive o ex-secretário de Direitos Humanos de Vitória, vereador petista Eliezer Tavares, secretário da executiva estadual do partido.

Eliézer Tavares
Na terça-feira, dia 23 (vinte e três) de maio corrente, em Vitória, no gabinete do deputado Genivaldo Lievori, Fernanda Tardin, integrante da Comissão Organizadora do evento, em contato pessoal com o deputado recebeu desse a confirmação de todo o acordado e a declaração que “com sua presença agora fica mais fácil agilizar o evento”.

O referido deputado, através de uma secretária, momentos após o encontro com Fernanda e por mail, deu ciência a esta integrante da Comissão Organizadora que, na quarta-feira, dia 24 (vinte e quatro) de maio, na parte da manhã, 11 (onze) horas seria realizada uma reunião com toda a bancada estadual do PT na Assembléia Legislativa do Estado, local onde aconteceria o evento, sendo solicitada a sua presença.

Percebe-se aqui, é importante para a compreensão exata dos fatos, que a comunicação da reunião da bancada foi feita momentos após um contato pessoal com Fernanda Tardin e através de uma secretária.

Lúcia Dornelas
Nessa reunião, presentes a signatária, os deputados Genivaldo Lievori, Cláudio Vereza, Roberto Carlos e Lúcia Dornelas; para surpresa desta que assina o presente comunicado, bem diferente do dia anterior, ríspido e seco, o deputado Genivaldo Lievori deu a palavra ao deputado Cláudio Vereza que, de forma incisiva e definitiva, rompeu todos os acordos assumidos anteriormente, “determinou” a transferência das datas do encontro, tornando o evento impraticável (no período de estruturação do evento várias tentativas de contato com o citado deputado Cláudio Vereza foram feitas sem sucesso, até que, quando concluída a organização o próprio deputado, através de mail, comunicou a esta integrante da Comissão, em sua residência, que seu mandato também apoiaria o evento)

Em todo o período de organização foram mantidos por mails, telefonemas, vários contatos com o deputado Genivaldo Lievori e em nenhuma ocasião o citado deputado deu mostras ou sinais que tudo não passava de uma farsa. Registre-se que esses contatos, via mail ou telefone tanto eram feitos por Fernanda Tardin para o deputado, como do gabinete do deputado para Fernanda Tardin, confirmando todos os acertos, inclusive indicando nomes de companheiros ex-presos, movimentos, blogueiros, mídias sociais, para participação. 

Luzia Toledo
As entidades que participariam do encontro de forma direta ou indireta, àquela altura dos fatos, faltando pouco mais de uma semana para o encontro, não tinham, como não têm condições de arcar com as responsabilidades totais e, ao tomar conhecimento dos fatos a deputada estadual Luzia Toledo, do PMDB, que nem fazia e nem faz parte da quadrilha (conforme poema de Drumond), no afã de tentar encontrar uma solução solidarizou-se com os organizadores e dispôs-se a ceder uma passagem. A despeito da atitude correta e digna da citada deputada, isso era ainda insuficiente e o tempo trabalhava contra a viabilização do evento.

Ao largo de todo o processo de organização do encontro vários companheiros foram mobilizados para o mesmo, inclusive ex-presos políticos instados a participar da campanha de mobilização pelo direito à memória e a verdade e nem mesmo o coordenador dessa campanha, Gilney Viana, tinha conhecimento do fato.

Na citada reunião com os deputados da bancada petista ficou evidenciado o descontentamento dos mesmos com o lançamento da campanha no encontro – haveria antes uma solenidade na OAB do Estado –, claras as divergências quanto ao caráter plural do encontro (todo o campo de esquerda foi convidado, desde partidos a movimentos populares) e toda a sorte de dificuldades foi posta pelos deputados da bancada do PT na Assembléia Legislativa do Estado, inclusive propostas de adiamento e solicitação de orçamento (já anteriormente apresentado e definidas as responsabilidades com o deputado Genivaldo Lievori). Manobras e sugestões destinadas a na prática inviabilizar como de fato aconteceu, o encontro.

É bom que fique claro que o fato maior de descontentamento dos deputados e a palavra final do deputado Cláudio Vereza foi de desagrado com a campanha Direito à Memória e a Verdade no encontro. Registre-se que o  penúltimo presidente da Assembléia Legislativa do Estado, Élcio Álvares, teve o voto do deputado Cláudio Vereza para tal, presidente do legislativo. Élcio Álvares é ex-governador biônico e ex-ministro da Defesa de Fernando Henrique Cardoso, afastado por corrupção flagrante.

Para coroar a ruptura dos compromissos assumidos, o deputado Genivaldo Lievori afirmou que o seu partido havia marcado uma reunião estadual no município de Colatina no mesmo dia de abertura do encontro e uma ONG chamada ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO, financiada por empresas como a ARACRUZ, VALE, SAMARCO e outros, a REDE GAZETA DE COMUNICAÇÃO (AFILIADA DA REDE GLOBO) estava organizando um Fórum Nacional de Reforma Eleitoral para discussão do projeto de reforma política, contando com apoio da Assembléia e do Governo do Estado, do TRE – TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – o que, na prática se constituiria tentativa de esvaziamento do ENCONTRO DE BLOGUEIROS E MÍDIAS SOCIAIS DO ESPÍRITO SANTO. Esse encontro promovido pelas empresas em cumplicidade com a Assembléia e o Governo Estadual, além do TRE será aberto pelo presidente do Senado, José Sarney.

A perspectiva de participação popular torna-se nula no Espírito Santo.

A despeito do apoio da deputada Luzia Toledo, do apoio de jornalistas como Valter Conde, do empenho de companheiros como Dagmar Volpi, além de muitos outros, a realização do encontro se tornou inviável, impraticável, pelo que ficou decidido o seu cancelamento.

Roberto Carlos
Lamento profundamente a atitude desrespeitosa dos deputados Genivaldo Lievori, Cláudio Vereza, Roberto Carlos e Lúcia Dornelas, a falta de cumprimento de compromissos assumidos pelo deputado Genivaldo Lievori. Coloco-me à inteira disposição para exibir aos interessados mails, se necessário for solicitar à Justiça provas de contatos telefônicos durante mais de um mês, bem como de todo o processo acontecido em Vitória entre os dias 24 (vinte e quatro) e 27 (vinte e sete) de maio corrente, na tentativa de buscar formas de realizar o encontro.

E assim, diante desses fatos, estamos comunicando aos convidados (via telefone) e aos interessados de um modo geral o cancelamento do encontro, bem como, disponibilizando, reitero isso, toda a documentação trocada entre esta signatária e o deputado Genivaldo Lievori e outros para realização do encontro, além do que, através de advogados contratados, estudando a viabilidade de ação judicial competente face aos fatos e prejuízos gerados. Materiais e morais.

O Estado do Espírito Santo, através da bancada do PT – Partido dos Trabalhadores – na Assembléia Legislativa, mais uma vez, dá uma triste demonstração que ao longo dos anos criou o conceito que no Espírito Santo a corrupção é generalizada e o espírito público de detentores de mandatos eletivos inexiste.

Abrir os baús da ditadura no Espírito Santo mais uma vez nem pensar. No Espírito Santo a ditadura ainda sobrevive, vide o complexo empresas/deputados e governo.

Vitória, 29 de maio de 2011.

FERNANDA MARIA TARDIN WEICHERT PINHEIRO   

Robert Fisk: “E quem, no Oriente Médio, liga para o que Obama diga?”


Robert Fisk
30/5/2011, Robert Fisk, The Independent, UK
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Esse mês, o Oriente Médio assistiu ao desmonte do presidente dos EUA. Pior do que isso, se assistiu aqui ao ponto mais baixo do prestígio dos EUA na região, desde que Roosevelt encontrou-se com o rei Abdul Aziz a bordo do USS Quincy, no Grande Lago Salgado [1], em 1945. 

Enquanto Barack Obama e Benjamin Netanyahu representavam sua farsa em dueto em Washington – Obama rastejante como sempre – os árabes meteram mãos à obra, no serviço de mudar seu mundo, em manifestações de rua, lutando e gritando e morrendo para alcançar liberdades que jamais tiveram. E Obama gaguejava sobre mudanças no Oriente Médio – e sobre o novo papel dos EUA na região. Foi patético. 

“E... que conversa é essa de “papel na região”?” perguntou-me um amigo egípcio, no fim de semana. “Será que ainda supõem que alguém aqui tenha algum interesse em saber o que eles pensam?”. 

Verdade. A omissão de Obama, o erro de não ter apoiado as revoluções árabes antes de estarem praticamente decididas, tirou dos EUA o pouco prestígio que ainda tinha no Oriente Médio. Obama calou sobre a derrubada de Ben Ali; só se uniu ao coro de indignação contra Mubarak dois dias depois de Mubarak já ter fugido; condenou o regime sírio – que já matou mais gente do próprio povo que qualquer outro governo nessa “primavera” árabe, exceto o temível Gaddafi –, mas deixou bem claro que gostaria muito de ver sobreviver o regime de Assad; ergueu o punhozinho contra a crueldade gigante do minúsculo Bahrain; mas, inacreditavelmente, ainda não disse uma palavra, uma, que fosse, contra a Arábia Saudita. Frente a Israel, Obama ajoelha-se. Como se surpreender agora, quando os árabes dão as costas aos EUA, não por ódio ou ira, não com ameaças, mas só, exclusivamente, com desprezo profundo? 
Agora, quem toma as decisões são os árabes e seus companheiros muçulmanos do Oriente Médio. 

A Turquia está furiosa com Assad, porque prometeu duas vezes propor reformas e eleições democráticas – e em nenhum dos casos honrou a promessa. O governo turco mandou duas delegações a Damasco e, segundo os turcos, na segunda visita Assad mentiu ao ministro das Relações Exteriores (disse que insistiria para que seu irmão Maher tirasse seus policiais das ruas das cidades sírias). Não insistiu. Os torturadores prosseguiram em sua faina. 

Assistindo à chegada de centenas de refugiados sírios pela fronteira norte do Líbano, o governo turco teme agora que se repita a onda de refugiados do Curdistão Iraquiano que inundou seu território depois da Guerra do Golfo de 1991, e já tem planos secretos para impedir que os curdos sírios cheguem aos milhares às áreas curdas do sudeste da Turquia. Os generais turcos prepararam operação para enviar soldados turcos para a Síria, para criar uma “área segura” para os refugiados sírios no território do califado de Assad. Os turcos estão preparados para avançar bem além da cidade de Al Qamishli, já na Síria – e talvez cheguem à metade do Deir el-Zour (aos velhos campos de matança do deserto, no holocausto de armênios em 1915), mas sem qualquer alarde. O plano é ali criar um “paraíso seguro” para os que fogem do massacre nas cidades sírias. 

Os qataris, simultaneamente, trabalham para impedir que a Argélia forneça mais tanques e veículos blindados a Gaddafi – essa foi uma das razões da visita do emir do Qatar, o pássaro mais esperto do Golfo Árabe, ao presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, semana passada. O Qatar está comprometido com os rebeldes líbios em Benghazi; seus aviões voam para a Líbia a partir de Creta e – o que não se sabia até agora –, há oficiais do Qatar assessorando os rebeldes na cidade de Misrata na Líbia ocidental. Se a Argélia estiver de fato ajudando a blindar Gaddafi e repondo material destruído, estaria explicado o avanço ridiculamente lento da campanha da OTAN contra Gaddafi. 

Claro, tudo depende de saber se Bouteflika realmente controla o próprio exército – ou se o pouvoir argelino, que inclui muitos generais conspiradores e corruptos, está cumprindo ordens e acordos. O equipamento argelino é superior ao de Gaddafi; assim, para cada tanque destruído, é possível que Gaddafi esteja recebendo modelo novo, como item de reposição. Abaixo da Tunísia, Argélia e Líbia partilham 750 milhas de fronteira de deserto, rota de fácil trânsito de armas. 

Mas os qataris também têm atraído a ira de Assad. A cobertura obcecada que a rede Al Jazeera tem dado ao levante sírio – imagens de mortos e feridos sempre muito mais terríveis que qualquer coisa que a soft televisão ocidental jamais se atreveria a mostrar – enfureceu a televisão estatal síria, que se pôs a atacar furiosamente o emir e o estado do Qatar. O governo sírio acaba se suspender projetos de investimentos de empresas do Qatar no valor de 4 bilhões de libras, entre os quais um projeto da estatal de água e eletricidade do Qatar. 

Entre esses eventos épicos – o próprio Iêmen talvez leve a coroa de repressão mais sangrenta de todas; e o número de mártires sírios já ultrapassou o número de mortos pela polícia assassina e esquadrões-da-morte de Mubarak há cinco meses – quem se surpreenderá ao constatar que Netanyahu e Obama já sejam vistos como absolutamente irrelevantes? 

A verdade é que as políticas de Obama para o Oriente Médio – sejam quais forem – são tão obscuras e confusas, que nem recebem qualquer atenção mais aprofundada. Obama apoia, claro, a democracia – e em seguida admite que a democracia pode não servir aos interesses dos EUA. Naquela magnífica democracia chamada Arábia Saudita, os EUA constroem negócio de venda de armas de 40 bilhões de libras, e ajudam os sauditas a desenvolver uma “nova” força de elite para proteger o petróleo e as futuras instalações nucleares do reino. Daí brota o medo de Obama de irritar a Arábia Saudita, onde dois dos três irmãos reinantes estão tão senis que já não tomam decisões lúcidas – e infelizmente um desses dois é o rei Abdullah. E daí brota também a disposição de Obama de assegurar a sobrevivência do regime de atrocidades da família Assad. 

Claro que os israelenses preferem que a ditadura síria continue “estável”: melhor um sombrio califado conhecido, que qualquer governo islâmico que venha a surgir das ruínas. Mas e Obama? Que sentido faz Obama defender esse argumento, quando o povo sírio está morrendo nas ruas em luta para conquistar a democracia que o mesmo Obama diz que quer ver na região? 

Um dos elementos mais ocos da oca política dos EUA para o Oriente Médio é a ideia básica segundo a qual os árabes seriam naturalmente mais estúpidos que “nós”, com certeza são mais estúpidos que os israelenses, ainda mais sem noção da realidade que o “ocidente”, além de os árabes absolutamente não entenderem a própria história. Assim sendo, os árabes têm de ser guiados, instruídos, conversados por La Clinton e sua troupe – exatamente como sempre fizeram e fazem os ditadores, guiando “seus filhos” pela vida.

Fato é que os árabes são hoje muito mais amplamente alfabetizados que há uma geração; milhões falam inglês perfeitamente e são perfeitamente capazes de constatar a total fragilidade e a completa irrelevância política das falas de Obama. Quem ouvisse o primeiro discurso de Obama esse mês, 45 minutos – o primeiro discurso de uma sequência de quatro dias de conversa fiada e perfumaria enunciadas pelo homem que parecia disposto a falar ao mundo muçulmano, do Cairo, há dois anos, mas que, a partir dali, nada mais fez –, poderia até imaginar que Obama estaria no comando das revoltas árabes, nunca que se encolheu à margem delas, com medo. 

Houve um muito significativo (co)lapso linguístico na fala de Obama ao longo desses quatro dias críticos. Dia 19/5, 5ª-feira, falou sobre a manutenção dos “assentamentos” israelenses. Dia 20/5, 6ª-feira, Netanyahu aplicou-lhe longo sermão sobre “algumas mudanças demográficas que se observam em campo”. Em seguida, ao falar ao lobby reunido do AIPAC, no domingo, 22/5, Obama já fizera sua a expressão absurda, sem sentido, de mascaramento dos fatos, de Netanyahu. No discurso ao AIPAC, Obama falou de “novas realidades demográficas que se observam em campo”.

Quem o ouvisse, jamais suspeitaria que Obama falasse de colônias ilegais, exclusivas para judeus, construídas ilegalmente em terras que Israel roubou e continua a roubar dos proprietários palestinos, no maior caso de roubo de terras da história da Palestina. 

Obama anunciou que qualquer demora na construção da paz criará riscos para a segurança de Israel. Como se nem desconfiasse que o projeto de Netanyahu é, exatamente, adiar, adiar, adiar, adiar a paz o mais possível, até que já não haja terras palestinas a serem roubadas nem, tampouco, qualquer possibilidade de algum dia haver o estado palestino “viável” que EUA e União Europeia supostamente desejam. 

Depois, foi aquela conversa sobre “as fronteiras de 1967”. Netanyahu declarou que as tais fronteiras seriam “indefensáveis” (apesar de as mesmas fronteiras terem parecido super defensáveis durante os 18 meses que antecederam a Guerra dos Seis Dias). E Obama – sem dar qualquer atenção ao fato de que Israel provavelmente é o único país do planeta que tem fronteiras terrestres a leste... mas não se sabe onde estão – disse que havia sido mal interpretado ao falar das fronteiras de 1967. 

Pouco importa o que diga o presidente dos EUA, o atual ou qualquer outro. George W Bush assinou a rendição há anos, quando entregou a Ariel Sharon uma carta na qual declarou que os EUA aceitam “todos os grandes centros populacionais em Israel” localizados além das linhas de 1967. 

Mesmo para os árabes já preparados para a fala desfibrada, sem espinha dorsal, de Obama, essa parte foi excessiva, além do razoável. Tampouco entenderam a reação ao discurso de Netanyahu ao Congresso. Como é possível que deputados e senadores dos EUA levantem-se 55 vezes para aplaudir Netanyahu – 55 vezes – mais entusiasmo do que se vê nos parlamentos-fantoche de Assad, Saleh e o resto? 

E o quê, diabos, afinal, o Grande Discursador do Ocidente quereria dizer com “todos os países têm direito a autodefesa”... mas a Palestina tem de ser “desmilitarizada”? Ora! Queria dizer que Israel está liberada para continuar a atacar palestinos (como em 2009, por exemplo, quando Obama guardou silêncio covarde, de traição) e os palestinos que aguentem o que os espera, se não se comportarem conforme as regras – porque não terão armas para defender-se. 

Para Netanyahu, os palestinos podem escolher: ou unidade com o Hamás, ou paz com Israel. Conversa muito estranha, essa! Quando não havia unidade, Netanyahu dizia que não tinha interlocutor palestino, porque os palestinos estavam divididos. Quando os palestinos se unem, diz que são desqualificados para conversações de paz. 

Claro, quanto mais tempo você vive no Oriente Médio, mais esperto fica. Lembro, por exemplo, em viagem a Gaza no início dos anos 1980s, quando Yasser Arafat comandava a OLP instalado em Beirute. Ansioso para destruir o prestígio de Arafat nos territórios ocupados, o governo de Israel decidiu apoiar um grupo islâmico em Gaza chamado Hamás. A verdade é simples. Eu vi com meus próprios olhos o comandante do Comando Sul do exército de Israel negociando com os barbudos do Hamás, autorizando-os a construir mais mesquitas. 

É justo lembrar que, naquele momento, americanos e britânicos estavam ocupadíssimos tentando convencer um certo Osama bin Laden a combater contra o exército soviético no Afeganistão. Mas os israelenses não largavam o pé do Hamás. Dias depois, lá estavam outra vez reunidos com a ‘facção’ na Cisjordânia. A história foi matéria de primeira página do Jerusalem Post, no dia seguinte. E os EUA não reclamaram: nem um pio. 

Lembro de outro momento, nesses longos anos. No início dos anos 1990s, membros do Hamás e da Jihad Islâmica foram infiltrados pela fronteira israelense no sul do Líbano, onde permaneceram mais de um ano acampados numa encosta gelada. Visitei-os naquele acampamento algumas vezes. Numa dessas vezes, mencionei que, no dia seguinte, viajaria para Israel. Imediatamente, um dos homens do Hamás correu até a barraca e voltou de lá com um caderno de anotações. Dali extraiu, para me dar, os números dos telefones de casa de três importantes políticos israelenses – dois dos quais continuam importantes até hoje – e eu, chegando a Jerusalém, testei os números: os três, certíssimos. Em outras palavras: no início dos anos 1990s, o governo de Israel mantinha contato pessoal e direto com o Hamás. 

De lá até hoje, a narrativa foi deformada até se tornar irreconhecível. O Hamás passou a ser “super terrorista”, “representante da al-Qaeda no governo unificado da Palestina”, os gênios do mal, para garantir que jamais haja paz entre os palestinos e Israel. Se tal coisa fosse verdade, a verdadeira al-Qa'ida já teria anunciado e assumiria plena responsabilidade pela ‘aliança’, que trataria de divulgar aos quatro ventos. Mas é mentira.

No mesmo contexto, Obama declarou que os palestinos teriam de responder perguntas sobre o Hamás. Mas... por quê? O que Obama e Netanyahu pensem sobre o Hamás absolutamente não interessa aos palestinos. Obama disse aos palestinos de que não se apresentem à ONU em setembro, para exigir o reconhecimento oficial ao seu estado. Mas... por que, diabos, não poderiam ir à ONU? 

Se os povos do Egito, da Tunísia, do Iêmen, da Líbia, da Síria – e continuamos a esperar por outros que hão de vir, talvez, agora, a revolução da Jordânia, uma segunda revolução no Bahrain? O Marrocos?) – podem lutar por dignidade e liberdade, por que os palestinos não poderiam? 

Tendo ouvido décadas de lições a favor de protestos não violentos, os palestinas escolheram a via de ir à ONU e lá fazer ouvir seu clamor por legitimação. Não. Obama acha que não. E ordena que nem tentem. 

Quem leu todos os “Palestine Papers” divulgados por Al-Jazeera sabe, sem sombra de dúvidas, que os negociadores palestinos irão até onde for preciso para criar qualquer tipo de estado. Mas Mahmoud Abbas – que conseguiu escrever livro de 600 páginas sem usar a palavra “ocupação” – é perfeitamente capaz de engavetar o projeto ONU, de medo do que disse Obama – que o movimento seria visto como tentativa para “isolar” Israel e, claro, para “deslegitimar” o estado israelense – “o estado judeu”, como diz, agora, o presidente dos EUA.

Netanyahu é quem mais trabalha para deslegitimar Israel. De todos, é o que cada dia mais se parece com os bufões árabes que, até hoje, comandaram o Oriente Médio. Mubarak viu “mão estrangeira” na revolução egípcia (mão iraniana, claro). O príncipe coroado do Bahrain, idem (o Irã, sempre o Irã). E Gaddafi (viu mãos da al-Qaeda, do imperialismo ocidental, várias mãos estrangeiras). Idem Saleh do Iêmen (al-Qaeda, Mossad e EUA). Idem Assad da Síria (mãos do islamismo, talvez do Mossad, e outras). E idem, idem, Netanyahu – que vê, claro, a mão do Irã, além da mão da Síria, do Líbano, de todas as entidades e seres imagináveis... exceto as suas próprias mãos israelenses. 

Contudo, enquanto segue a bufoneria geral, as placas tectônicas vibram e estremecem. 

Duvido muito que os palestinos mantenham-se calados por muito tempo mais. Se há uma “intifada” na Síria, por que não uma Terceira Intifada na Palestina? Não ações de homens-bomba e mulheres-bomba, mas movimento de massas, protestos de milhares, de milhões. Se Israel atirou para matar contra alguns poucos manifestantes que tentaram – e vários conseguiram – furar a fronteira de Israel há duas semanas... o que mais farão se tiverem de enfrentar manifestações de milhares, de milhões? 

Obama resolveu que a ONU não deve reconhecer nenhum estado palestino. Por que não? Mas, sobretudo, quem, no Oriente Médio, liga para o que Obama diga? De fato, nem os israelenses ligam. 

Em breve, a primavera árabe será tórrido verão e virá também um outono árabe. Até lá, é possível que o Oriente Médio já se tenha transformado para sempre. O que os EUA digam não fará diferença alguma.



Nota de tradução
[1] Orig. “Great Bitter Lake”: ver imagens do lago salgado entre a parte norte e sul do Canal de Suez, antes de haver o Canal de Suez. Ao lado, está o Pequeno Mar Salgado.