quinta-feira, 31 de março de 2011

A guerra como farsa, numa vila afegã


31/3/2011, Maiwand Safi, Institute for War and Peace Reporting (IWPR)
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

PROVÍNCIA DE KAPISA – O distrito de Alasay nessa província, a nordeste da capital afegã Cabul, é cenário de um arranjo raro entre funcionários, polícia e exército do governo afegão e os Talibãs, onde um lado vive como se o outro não existisse. 

Tendo afinal reconhecido que, ali, um lado jamais derrotará o outro, os dois lados decidiram tentar conviver o mais pacificamente possível, conforme as circunstâncias permitam. 

Guerrilheiros Talibãs e policiais, ambos armados, andam pelo mercado no centro do distrito, tratando-se com respeitosa indiferença e sem que uns impeçam os movimentos dos outros. Há quem diga que os têm visto lado a lado em funerais e casamentos. 

Para facilitar as relações e minimizar qualquer embaraço, decidiu-se recentemente que os guerrilheiros vão às comprar pela manhã e os policiais, à tarde. 

“Muito melhor assim”, disse Reza, dono de banca no mercado, “porque antes todos tinham medo que, de repente, todos se pusessem a atirar uns contra os outros. Agora, há horários separados e eles só raramente se encontram.” 

Um policial, que pediu que seu nome não fosse publicado, vem de ônibus todos os dias até o centro, de sua casa na vila, onde os Talibãs ainda têm pleno controle do governo, mas nunca mais o perturbaram, apesar de ter de andar uniformizado e armado. 

“Cruzo com os Talibãs ao longo do caminho e no ônibus, e nos cumprimentamos. Às vezes, nos lamentamos de ter de acordar tão cedo para trabalhar. Mas vivo aqui desde criança, como eles. Nós não os perturbamos e eles não nos perturbam. É um arranjo local, informal.” 

Mirzaman Mangarai, chefe de polícia do distrito de Alasay, disse que o pacto de não agressão é o reconhecimento tácito de que nenhum dos lados tem ou poderá vir a ter superioridade militar. 

“Tenho 20 soldados e 20 policiais para fazer patrulha”, disse ele. “Temos de fazer respeitar a lei, mas não temos efetivo para fazer isso pela força. Os Talibãs não têm meios aqui para nos expulsar. Talvez fosse melhor que vivêssemos em vilas separadas, porque representamos sistemas diferentes, mas não há para onde ir. E há vantagens para todos, se ficarmos. Há única coisa indispensável é a paz.” 

O pacto é resultado do trabalho de líderes comunitários informais em Alasay, um vale nas montanhas, onde um grupo de anciãos, há alguns anos, construiu o acordo com os guerrilheiros. Com momentos piores e momentos melhores, continua dando certo até hoje. 

Dado que os anciãos também influenciam a indicação do chefe de polícia local e dos soldados, todos foram ouvidos no acordo e, de fato, firmaram um pacto de não agressão.
O governador local, Mullah Mohammad, disse que o acordo é informal, sem nada assinado. Disse também que toda sua equipe de governo foi instruída a manter a política do governo central de tentar persuadir os guerrilheiros a depor armas.

“Os grupos armados devem-se manter a alguns metros de distância do mercado central de Alasay, mas também têm de vir até aqui para abastecer-se de comida. Deixamos que venham, e eles não nos perturbam”, disse. “É o resultado de um esforço conjunto, com os mais velhos das tribos, nosso processo de paz local. Até que concordem em depor armas, como quer o governo.” 

Outros entrevistados parecem menos interessados em conseguir que os Talibã deponham as armas e sugerem que as coisas como estão, estão bem. Importante, para esses, é manter longe os políticos e os estrangeiros. 

“Se a guerra continuasse, acabávamos mortos, ou pela polícia, ou pelo exército ou pelos Talibãs, porque todos queriam nos obrigar a viver como parecia melhor a cada um deles. Se um policial, um soldado ou um Talibã afegão é morto, todo o Afeganistão sofre. Então, os mais velhos de Alasai tomamos uma decisão, para que todos na nossa área possam viver em paz.” 

O líder da vila disse que os Talibãs comprometeram-se a não atacar soldados do Exército Nacional Afegão (ANA) ou da Polícia Nacional Afegã, a menos que sejam comandados por comandantes estrangeiros ou estejam na região especificamente para matar Talibãs. 

As Forças Internacionais de Segurança (ISAF) no Afeganistão conduziram várias operações para ‘limpar a região’, o que significa tentar expulsar os guerrilheiros da região de Alasay, ao longo dos anos, mas nunca conseguiram estabelecer-se no controle da região. Os soldados estrangeiros e o exército afegão instalaram bases e uma “linha de consolidação” no centro do distrito de Alasay. Mas a região, para o norte e para o leste, de montanhas escarpadas, não é favorável aos estrangeiros e é excepcionalmente favorável para as populações locais – avaliação com a qual concordam também as autoridades militares norte-americanas na área, como se ouve aqui e como também se leu em telegramas de militares dos EUA publicados por WikiLeaks. 

Entrevistamos um soldado do exército afegão acampado na região, que se mostrou claramente relutante por ter de participar do esforço de contraguerrilha. Disse que sempre, na história do Afeganistão, os conflitos visam a atender interesses de outros países.

“Os Talibãs são nossos irmãos também” – disse ele. Têm seus projetos, suas ideias e suas demandas, e têm direito de apresentá-las. Não são doidos. Sabem por que lutam e lutam porque realmente desejam uma vida melhor. Nem todos pensam como nós pensamos. Não significa que estejam errados.” 

E concluiu: “Espero sinceramente que os Talibãs e o governo cheguem a acordos como esse também em outras regiões. Os verdadeiros inimigos do Afeganistão não são nem afegãos nem Talibãs.” 

Um comandante Talibã, que também não quer ser identificado, disse que a guerra contra as forças internacionais continua e continuará até que todos saiam do Afeganistão. Mas que seus guerrilheiros respeitarão a trégua acertada com a população em Alasay, e não atacarão, a menos que sejam atacados. 

“Decidimos não lutar contra forças do governo, porque somos irmãos, temos laços étnicos e religiosos, respeitamos os mais velhos de todas as tribos e respeitamos o Islã. E todos somos muçulmanos e afegãos. Mas se formos atacados por ordem de comandantes estrangeiros, quem nos atacar será morto.” 

Como outros entrevistados no governo também fazem, o comandante Talibã faz clara separação entre os arranjos locais e a política nacional. “Esse acordo não significa que os Talibãs aceitamos governos corruptos ou os assassinos norte-americanos. Significa exclusivamente que, se não formos atacados, não mataremos afegãos e muçulmanos.” 

Para analistas de defesa e cientistas políticos afegãos, o acordo de paz de Alasay não passa de uma espécie de conundrum. – Será modelo de convivência pacífica a ser implantado noutras regiões, ou não passa de “empate”, na correlação de forças, sem implicações mais amplas? 

O general reformado Hai Sulaimankhel não tem dúvidas: o que acontece em Alasay reflete o fracasso do governo central e do estado de direito. 

“Essa situação mostra a fraqueza do governo, que é incapaz de implantar a lei em Alasay”, disse ele. “A oposição cresce, porque os problemas crescem. A realidade é que aqui há dois governos e isso é prova de que a guerrilha venceu o estado de direito, é vitória da guerrilha. É inadmissível”. 

Para o general, os Talibãs só aceitaram a paz local porque lhes é conveniente, mas atacarão a cidade, se lhes parecer vantajoso. Outro analista, Abdul Ghafur Liwal, que preside o Centro Regional de Estudos Afegãos, discorda do general. Para ele, qualquer acordo que ponha fim à matança é bom acordo. 

“Quando a guerra para, a racionalidade e a lógica voltam a poder se manifestar”, diz. “Tenho certeza de que esse acordo informal ajudaria outras áreas a ver que a guerra não é solução nem caminho para coisa alguma”. 

Diferente do general Sulaimankhel, Liwal entende que uma trégua prolongada com os Talibãs interessa ao governo central afegão, porque cria condições para que o governo ponha em prática seus projetos. “Se tiver projetos, é claro” – concluiu. 

Costa do Marfim: Alassane Ouattarra, o neoliberal do FMI (que o “ocidente” ama amar...)

29/3/2011, *Daniel Balint-Kurti, African Arguments
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu  

Alassane Ouattarra
Costa do Marfim, que já foi “o primo rico” da África Ocidental, vive, desde o final do ano passado, o agravamento de uma crise há muito anunciada. Quando o presidente Laurent Gbagbo foi derrotado em eleições presidenciais ano passado, seus apoiadores denunciaram as eleições como fraudadas e o presidente recusou-se a deixar o cargo. Os dois candidatos declararam-se presidentes: Gbagbo e seu adversário Alassane Ouattara, ex-primeiro-ministro, formado nos EUA onde viveu muitos anos, funcionário do Fundo Monetário Internacional e “guru” da economia neoliberal, cuja vitória eleitoral foi imediatamente reconhecida pela União Europeia, pela ONU e pela União Africana.

Uma onda de sanções caiu sobre o país e milhares de soldados de uma força de paz da ONU e franceses foram enviados para garantir a posse e um governo paralelo de Ouattara, que se instalou num hotel de luxo da principal cidade do país, Abidjan. Desde então, a violência varre o país a partir de Abidjan, já estendida para a vizinha Abobo.

A culpa por esse último fiasco é inteiramente de Gbagbo, que se recusou a aceitar o resultado de eleições marcadas como última etapa faltante de um processo para reunificar o país dividido entre um norte armado e rebelado e um sul oficialista governista, já há mais de dez anos. Mas, embora seja fácil apontar culpados, muito mais difícil é oferecer propostas que encaminhem alguma solução para os problemas costamarfinenses. Agentes internacionais têm-se aproximado, não raras vezes bem intencionados, mas sem considerar que não se trata apenas de candidatos rivais, mas de uma população dividida por eras de política tóxica e propaganda envenenada.

Uma das causas das divisões que se veem hoje na Costa do Marfim é o ódio xenofóbico e étnico, alimentado por muitos políticos locais desde meados dos anos 1990s. Hoje, boa parte desse ódio concentrou-se num homem: Ouattara. Temerosos da popularidade e do prestígio de Ouattara entre europeus e norte-americanos, vários presidentes o rotularam como “estrangeirista” ou “entreguista”, homem que, podendo, venderia o país ao primeiro interessado. Os detratores de Ouattara denunciam também que ele não seria “costamarfinense nativo”, que seria nascido em Burkina Faso, ao norte do país. A propaganda anti-Ouattara aprofundou também, além das divisões étnicas e políticas, também as cisões religiosas que há entre grupos étnicos predominantemente cristãos no sul do país e os grupos étnicos predominantemente muçulmanos no norte do país.

A bola anti-Ouattara foi posta a rolar imediatamente depois da morte, em 1993, do presidente ‘ancestral’, primeiro presidente e pai-fundador do país, Felix Houphouët-Boigny. Ouattara, que foi Primeiro-Ministro de Houphouët-Boigny, disputou a sucessão com o deputado Henri Konan Bédié. Bédié, homem do sul, do mesmo grupo étnico de Houphouët-Boigny (os baulés), venceu as eleições – em parte por causa de decidido apoio que recebeu da França. Eleito, passou a trabalhar para que Ouattara não voltasse a ameaçar sua posição política.

Com essa finalidade, Bédié criou e alimentou uma doutrina hipernacionalista, chamada “ivoirité” em francês, que se pode traduzir por “costamarfinidade” [à maneira de “brasilidade”, “italianidade”, “germanidade” etc. (NTs)], a partir da qual determinou parâmetros que definiriam o que significaria “ser costamarfinense”. Armado com essa teoria racista e xenófoba, Bédié conseguiu incluir no Código Eleitoral a exigência de que os candidatos comprovassem sua “costamarfinidade” para serem elegíveis. O único objetivo de tudo isso era tornar Ouattara inelegível e, simultaneamente, impedir o alistamento eleitoral de inúmeros eleitores do norte, para diminuir o peso eleitoral daquela região. 

Um dos parágrafos da “lei da costamarfinidade” determinava que quem tivesse pai ou mãe (bastaria um) que não pudesse comprovar “origem costamarfinense” não poderia candidatar-se à presidência. Em seguida, Bédié e seus apoiadores reuniram quantidade imensa de documentos para demonstrar que o pai e a mãe de Ouattara eram estrangeiros e que o próprio Ouattara seria nascido em área do norte do país já pertencente ao vizinho Burkina Faso. O conceito de “costamarfinidade” passou a ser argumento central de toda a campanha anti-Ouattara. Bédié inflou o fervor nacionalista à volta desse conceito, e construiu um novo e inflamado “orgulho de ser costamarfinense” e a correspondente resistência xenófoba à ideia de o país ser governado por estrangeiros.

Esse patriotismo xenófobo veio acompanhado por forte preconceito tribal; Bédié dizia que, dentre todos os costamarfinenses, a tribo baulé seria “a mais apta” a governar, por causa de suas tradições políticas que, dizia ele, teriam nascido no Egito antigo. As tribos do norte, por sua vez, não seriam suficientemente ‘nacionais’ e teriam usurpado a nacionalidade legítima das tribos do sul.

Pouco depois de eu chegar à Costa do Marfim como jornalista em meados de 1999, Abidjan converteu-se em cenário de manifestações cada dia mais violentas organizadas por apoiadores de Ouattara, quase todos dos grupos étnicos no norte, que não admitiam ser impedidos de circular pelo país, frequentemente presos em bloqueios nas estradas ou acusados de portarem documentos falsos. No final do ano, o governo Bédié foi derrubado por um golpe militar disparado por uma disputa entre facções de oficiais militares jovens, mas disputa que só se converteu em golpe militar porque aconteceu em contexto político onde já havia alto nível de conflito. Assumiu o governo o general Robert Guéï.

De início, Robert Guéï flertou com Ouattara. Mas em pouco tempo adotou a via de torcer, ao seu modo, o conceito de costamarfinidade. Passou a propagandear que Ouattara seria homem de “dupla nacionalidade”. E daí por diante, entre acusações de golpes de uns contra outros, Ouattara contra Guéïa e Guéï contra todos, a crise só fez complicar-se cada dia mais. Depois de várias prisões, num momento em que se dizia que um golpe militar teria sido descoberto, lembro do discurso em tom ameaçador, pela televisão, feito pelo porta-voz da junta militar de governo: “Se eles querem por fogo no país, então queimemos tudo, sem deixar nada em pé. Em seguida, veremos o que nos ensinam as cinzas”. Era como se todos mais ou menos soubessem que estavam destruindo o país, mas continuassem a por lenha na fogueira.

No final de 2000, o general Guéï, por sua vez, foi derrubado, depois de recusar-se a reconhecer sua derrota, em eleições nas quais concorreu com Laurent Gbagbo (Ouattara fora impedido de candidatar-se). Gbagbo – veterano líder da oposição democrática na Costa do Marfim e que viveu anos na França como exilado político – foi eleito por uma coalizão de vontades na qual se uniram militares da oposição, que derrubaram Guéï. Gbagbo declarou-se presidente e, outra vez, os apoiadores de Ouattara levantarem-se em revolta. Gbagbo respondeu aos ataques, com o exército na rua. Em seguida, a descoberta em Abidjan de um cemitério clandestino onde havia mais de 50 cadáveres de pessoas de várias etnias do norte deu aos defensores de Ouattara os mártires que lhes faltavam – a ajudou a aprofundar ainda mais a divisão do país.

A essa altura, o exército já expulsara grande número de jovens oficiais, todos vindos do norte do páis, o que os obrigou a fugir para Burkina Faso, onde organizaram movimento rebelde. Em setembro de 2002, esses rebeldes atacaram. Não conseguiram tomar a capital, Abidjan, mas assumiram controle militar de toda a metade norte do país.

As eleições de dezembro do ano passado – adiadas inúmeras vezes, já há alguns anos – estavam previstas para restaurar a unidade do país, mas uma persistente campanha de ódio étnico, de xenofobia – que se mistura na Costa do Marfim a uma sempre presente resistência a um ‘imperialismo’ francês e norte-americano (os franceses mantêm interesses gigantescos na Costa do Marfim) que parece ter-se ‘colado’ à imagem de Ouattara, tornou essa unidade praticamente impossível. (...)

Apesar de as disputas políticas entre grupos políticos armados terem longa história na Costa do Marfim, Ouattara tem sido muito frequentemente culpado, por muitos costamarfinenses, de ser instigador das lutas no país. Ano passado, venceu as eleições e deveria ter podido assumir o poder e governar. 

Mas, se tivesse acontecido, é provável que seus apoiadores, nacionais e estrangeiros, armados e ‘empresariais’ também tornassem seu governo tão impossível e inviável, e a Costa do Marfim tão ingovernável, quanto, hoje, os apoiadores do governo de Gbagbo tornam impossível a sucessão e a posse de Ouattara e tornam o país ingovernável

*Daniel Balint-Kurti, entre outros países, trabalhou como jornalista na Costa do Marfim de 1999 a 2007 produzindo relatórios, publicações e artigos para agências noticiosas, incluindo Dow Jones, Reuters e Associated Press. Em setembro de 2007, publicou um documento com título de: Ivory Coast’s rebel Forces Nouvelles for Chatham House .
Balint-Kurti atualmente lidera uma ONG britânica - Global Witness - na República Democrática do Congo.

Trípoli, a nova Tróia

Pepe Escobar

1/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online 
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

A “Alvorada da Odisséia” prossegue – sórdida “ação militar cinética” (como definida pela Casa Branca) digna do Homero que atualmente habita o Pentágono. A matança entre civis em terra pode durar semanas, talvez meses. Não é mais como remix da Ilíada– lembrem, a Guerra de Tróia se arrastava já por dez anos, sem qualquer resultado decisivo. Os EUA estão perplexos. Nova pesquisa da Associated Press-GfK revela que o país está dividido: 48% a favor da “ação militar cinética” na Líbia; 50%, contra. 

Gaddafi não é rei Príamo. E Saif al-Islam Gaddafi não é Páris (embora, à falta de Helena, ele tenha seduzido a London School of Economics). Khamis Gaddafi não é Aquiles – no máximo, um Ajax de segunda (coragem gigante, enormíssima, mas miolo mole). 

Príamo foi príncipe sábio – Gaddafi é espertalhão. Príamo fortaleceu o estado mediante governança prudente e sábia (Maquiavel teria aprovado) e alianças com os vizinhos; e Gaddafi governou jogando umas tribos contra outras. Nem sinal, nem sombra, à vista, de um Heitor – de caráter nobre. 

Pode-se conjecturar que deuses e deusas – além de Atena – interessam-se tanto por essa guerra quanto as próprias partes envolvidas diretamente. Aliadas crucialmente importantes de Tróia foram Pentesileia, rainha das Amazonas, e seu exército de mulheres guerreiras. No remix do Pentágono, Pentesileia mudou-se para a oposição: é a secretária de Estado Hillary Clinton, com as combatentes Susan Rice embaixadora ONU e Samantha Power no Conselho Nacional de Segurança. 

O presidente francês Nicolas Sarkozy libertador de árabes não é nenhum Menelau; sua Helena – Carla Bruni, que costumava festejar com o báquico Mick Jagger –, prefere as passarelas by Vogue e nada a arrastará para o desconforto de tendas no deserto. O primeiro-ministro britânico David Cameron longe está de ser Agamenon. E quanto a Silvio “Bunga Bunga” Berlusconi, presidente da Itália, é sátiro escapado de comédia de Aristófanes. 

À espera do raio iluminador

A operação Alvorada da Odisseia inclui conjunto de personagens das forças especiais infiltradas – de EUA, Grã-Bretanha, França, mais os inevitáveis agentes secretos da CIA sancionados por Barack Obama. Podem, talvez, ensinar uma ou outra coisinha aos “rebeldes” sobre guerra, mas com certeza não estão ensinando as táticas de guerrilha de Mao Tse Tung que nosso Príamo/Gaddafi está usando.
Seja como for, essas forças especiais serão chaves. Tróia resistiu a cerco de dez anos por exército regular – e só caiu depois que duas forças muito especiais intervieram em missão de inteligência e reconhecimento: Ulisses e Diomedes. Havia em Tróia uma celebrada estátua de Atenas chamada “Palladium” [aprox. “talismã”]. Disfarçados, encobertos por mágica operada por Atenas (a versão grega da OTAN), e ajudados por Helena – a mulher cuja estonteante beleza provocara toda a guerra, vale lembrar – Ulisses e Diomede esgueiraram para dentro das muralhas de Tróia e de lá roubaram a “Palladium”. 

A “Palladium”, enorme estátua de madeira, protegia Tróia. Atena a arrancara do Olimpo porque a “Palladium” havia bebido o sangue vaginal de Electra quando foi estuprada por Zeus. Pois Tróia não caiu, nem depois de roubada a sua “Palladium” protetora. A “coalizão de vontades” começava a desesperar – até que Ulisses apareceu com mais um agente das forças especiais: o Cavalo de Tróia. 

Dificilmente acontecerá de Gadaffi cair, enganado pelo Cavalo de Tróia EUA-franco-galês (a menos que inventem outra resolução da ONU). Os troianos tremeram quando viram o Cavalo. E Laocoonte, o sacerdote, pronunciou frase inesquecível: “Que loucura, cidadãos, é essa! Será que ainda não aprenderam sobre as fraudes dos gregos? Será que ainda se deixam enganar? Eu, de minha parte, desconfio dos gregos até quando trazem presentes!” 

Atenção! Todo o cuidado é pouco quando o ocidente traz presentes! – Lição que muitos líbios ainda terão de aprender, sobretudo se os presentes vêm de ex-potências coloniais, França e Grã-Bretanha, e de um condomínio de CIA/Pentágono/OTAN/AFRICOM. 

Por outro lado, nada deliciaria mais esses portadores de presentes que ver Gaddafi terminar seus dias como Príamo – que sobreviveu à queda de Tróia e foi assassinado na noite fatal em que os gregos tomaram a cidade. 

Em outras palavras, Trípoli não cairá enquanto sua “Palladium” – que é o próprio Gaddafi, imagem especular de seu próprio poder – permanecer na cidade. 

Por hora, Gaddafi está “vencendo”, como Tróia “venceu” ao longo de anos – emboscando os guerreiros recém-chegados nos arredores de sua Sirte natal, flanqueando-os pelo deserto, e replicando a tática em Ras Lanuf, com uns poucos foguetes Grad acrescentados, por via das dúvidas. 

Pouco restou para a “coalizão de vontades” além de curvar-se à resolução n. 1.973 da ONU – apesar de legiões de especialistas em leis internacionais não se cansarem de repetir que, segundo a única resolução a ONU que há até agora sobre a questão, a decisão de armar os “rebeldes” é ilegal. 

O consórcio EUA-França-Grã-Bretanha aprofunda-se na guerra – começou com  “proteger civis” com Tomahawks e ataques aéreos; passou a atacar forças de Gaddafi onde as encontrassem; agora, vai armar civis. 

Estão dizendo que tudo está autorizado – o parágrafo 4º da resolução n. 1.973 da ONU autoriza “todas as medidas necessárias” para proteger civis, “... considerado o parágrafo 9º da resolução n. 1.970”. Esse parágrafo 9º trata do embargo de armas. A expressão “considerado” [orig. withstanding”] dá base legal para armar os rebeldes, desde que se assuma que seja feito para proteger civis. Daí até uma outra resolução que permita invasão por terra, com tropas de ocupação é só um pequeno passo. 

É preciso suspender completamente a capacidade de criticar, para ver o ex-ministro do Interior de Gaddafi, Abdel Fatah Younis e o agente da CIA Khalifah Hifle – esse, o novo comandante militar dos “rebeldes” –, como Ulisses e Diomedes. E a estátua “Palladium” continua lá posta. O principal furo no roteiro da operação Alvorada da Odisseia é que não há nada nem parecido com Ulisses, à vista. 

Não surpreende que tantos peçam que os céus lhes mandem um raio iluminador (talvez um Tomahawk bento?), enviado por algum deus ex machina, por Zeus, primeiro e único, que até agora se mantém como supervisor geral dos procedimentos, em seu trono olímpico, em Washington.

Como a Rússia vê a ameaça norte-americana*


Embaixador M.K. Bhadrakumar

29/3/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu
  
“Tempos de Dificuldades” [ing. Times of Troubles] é imagem arquetípica na consciência dos russos. A expressão evoca memórias coletivas da dolorosa história russa, quando, por longos períodos de tempo, às vezes por décadas a fio, o “centro” não conseguiu manter a própria coesão interna e tudo se tornou volátil e o país, de certo modo, fundiu-se. Também faz a Rússia lembrar a também dolorosa história das invasões estrangeiras. Por tudo isso, quando figura de destaque da comunidade estratégica russa fala de “Tempos de Dificuldades” que haveria à vista, no futuro dos russos, a expressão pesa toneladas e dá peso equivalente a todo o discurso; muito mais, se aparece em discurso do general Makhmud Garyev, presidente da Academia de Ciências Militares da Rússia. 

Em relatório que apresentou à academia militar no sábado passado em Moscou, em sessão da qual participou o mais alto escalão militar russo (dentre outros, Nikolai Makarov, chefe do comando do estado-maior da Rússia), Garyev alertou que a Rússia enfrenta hoje ameaças e desafios, no futuro próximo, que são as mais graves de sua história desde os “Tempos de Dificuldades” de 1612. [Os tempos de anarquia que a Rússia viveu entre 1598 e 1613, quando o país foi conquistado por poloneses e lituanos e um terço da população morreu de inanição e fome.] 

As palavras de Garyev foram: “No que tenha a ver com  segurança, a Rússia jamais viveu época de tais e tantas ameaças como as se veem crescer nesse início do século 21, desde talvez 1612.” E prosseguiu: 

“Nosso país enfrentará terríveis pressões geopolíticas nos próximos anos, basicamente vindas de EUA e China. E temos de fazer o que for possível para não enveredar por qualquer tipo de rota de colisão com EUA e China.”

Recomendou que Moscou otimize todas suas competências e habilidades diplomáticas para evitar os perigos que se avizinham. 

Gareyev destacou “o caráter global” que a guerra contemporânea está assumindo, agora que exércitos dos EUA já ocupam por terra territórios no Iraque e no Afeganistão e, por enquanto apenas por ar, também a Líbia. 

Gareyev também chamou a atenção – detalhe importante – para o fato de que a China jamais parou de fortalecer-se militarmente, embora em idas e vindas, mas sempre com claros objetivos estratégicos. Em janeiro, por exemplo, a China fez coincidir um teste de voo (bem sucedido) de seu avião bombardeiro J-20 (com tecnologia “stealth” [invisível para os radares]) com a visita ao país do Secretário de Defesa dos EUA Robert Gates. 

Na opinião de Garyev, os futuros conflitos absolutamente não serão conflitos só regionais ou locais. 

“As forças militares dos EUA já estão presentes e ativas em todas as direções estratégicas – norte, sul, oriente e ocidente –, por todo o planeta ”. Para comprovar que essa ameaça é real e crescente, Gareyev recomendou que a Rússia avalie os riscos realisticamente e com a máxima objetividade. 

Criticou diretamente os think-tanks ultraliberais russos que “continuam a enganar a opinião pública”, fazendo crer que não haveria nuvens à vista. “A Rússia enfrenta ameaças graves, reais, no campo da defesa. Se essas ameaças não forem neutralizadas politicamente, não serão neutralizadas de modo algum (...) e o inimigo, como em 1941, descarregará sobre nossas costas o peso maior.” 

A Rússia está iniciando programa massivo de modernização militar que custará cerca de 650 bilhões de dólares. Mas é evento raríssimo que os estrategistas militares russos falem abertamente sobre ameaças que pressintam ou conheçam vindas da China.

Ainda que se deva conceder que é provável que Garyev estivesse argumentando, sobretudo, a favor de aumento drástico nos gastos militares, sua fala atraiu atenção em todo o mundo, como fala autorizada do mais alto comando estratégico russo. 

Além disso, a publicidade dada ao discurso de Garyev na mídia russa indica que visa a ecoar também na opinião pública russa a qual, até agora foi seduzida exclusivamente para aprovar as políticas manifestas de “reset” com os EUA e de “parceria estratégica” com a China.

Observação dos tradutores:

*Esse comentário rápido (praticamente uma anotação de percurso) foi traduzido dia 29/3, mas não foi distribuído, porque nos pareceu específico demais – sobre tema de alta especificidade, que só interessaria a poucos. Ledo engano!
Mas ontem (30/3/11), no “Jornal da Globo” – e, muito espantosamente, falando de Israel (?!) – o correspondente da Globo “noticiou” que “A Rússia dá sinais de preocupação com o destino dos rebeldes líbios”. Essa espantosa des-notícia, notícia de coisa alguma, tornou ABSOLUTAMENTE interessante, para todos, o artigo abaixo. 
Diferente do que a Rede Globo sionista pirada já começa a (des)noticiar, os russos não estão preocupados com líbio algum -- como tampouco EUA ou Israel preocupam-se com algum líbio!
Os russos estão preocupadíssimos, isso sim, com a “guerra global” que os EUA estão se posicionando para disparar contra... O MUNDO.

Quem são os “democratas” de Benghazi e seus patrões?

Comentário (introdução) da Vila Vudu
Recebemos, repassamos. É artigo útil pela quantidade de fontes que reúne. Todas são fontes jornalísticas. 

Então, quem quiser descartar metade do mundo sob o argumento de que isso aí seriam "paranóias de conspiração", comece a ler pelas notas e veja que, aí, só há matérias JORNALÍSTICAS PUBLICADAS (algumas já traduzidas e distribuídas aqui). 

Então, se o Sêo Clóvis Rossi e D. Eliane quiserem INSISTIR no bobajol que escrevem à guisa de “comentário sobre situação internacional” fiquem sabendo, desde já, que HÁ NO MUNDO melhor jornalismo que o deles. 

Boa parte da blogosfera NÃO LÊ jornais brasileiros nem dá qquer bola para opiniões de williamswaacks: por isso, é mais bem informada. 8-)))

Peter Dale Scott
25/3/2011, Peter Dale Scott, Global Research
The Asia-Pacific Journal, vol. 9-13, n. 3, 28/3/2011
Todos os artigos do autor estão reunidos no Blog de Peter Dale Scott
Enviado e comentado pelo pessoal da Vila Vudu

PREFÁCIO

O mundo enfrenta situação de final imprevisível e potencialmente perigosa no norte da África e no Oriente Médio. O que começou como realização memorável, promissora, relativamente não-violenta de uma Nova Política – as revoluções na Tunísia e no Egito, foi sendo convertido subrepticiamente em recrudescência de velhos vícios: os EUA já envolvidos em duas guerra há duas décadas, no Iraque e no Afeganistão, com ataques aéreos esporádicos no Iêmen e na Somália, agora já bombardeiam mais um país do terceiro mundo, dessa vez a Líbia.

O objetivo inicialmente declarado desse bombardeio foi fazer diminuir o número de mortes entre os civis. Mas muitas altas figuras do governo dos EUA, entre os quais o presidente Obama, apressaram-se a sugerir que essa seria guerra diferente para alteração de regime; é o tipo de intervenção que muito rapidamente se pode aprofundar, além de poder alastrar-se para fora da Líbia (1). Se se expandir, a esperança de transição não violenta para governo civil na Tunísia e no Egito e em outras nações do Oriente Médio cujos governos enfrentam levantes populares poderá levar a nada ou, mesmo, perder para movimento de ainda maior militarização do governo, especialmente no Egito. Interessa ao mundo, não só aos egípcios, lutar para que isso não aconteça.

Esse artigo não visa a propor soluções nem a prescrever um curso de ação para os EUA e seus aliados nem para os povos do Oriente Médio. Visa só a examinar a natureza das forças que emergiram na Líbia ao longo dos últimos 40 anos e que se veem hoje em disputa, aos olhos do mundo [absolutamente ou mal informado ou ativamente desinformado].

Com esse objetivo, comecei a coletar o que tenho chamado de meu “Notebook Líbio” [ing.my Libyan Notebook] – um arquivo de fatos relevantes que subjazem à atual crise líbia. 

Esse meu Notebook Líbio não visa a ser isento, uma vez que tentei coletar fatos que a mídia dos EUA quase sempre ignorou e ignora, fatos que são resultado de outras várias e diferentes posições de jornalismo investigativo e que visam a chegar ao coração das relações de poder, às estruturas mais profundas e aos interesses econômicos na Região, dos EUA, de Israel e dos Estados Árabes, como se deixaram ver, mesmo que nem todos tenham visto, ao longo de, no mínimo, vinte anos. Mas tenho esperança de ser objetivamente útil e de não forçar qualquer conclusão, de modo a que diferentes projetos possam inferir diferentes conclusões de um mesmo conjunto de dados (2).

Quero começar com dois tópicos sempre mal compreendidos: I. Quem é a oposição na Líbia?, e II. Quem está armando a oposição na Líbia? 
________________________

I. Quem é a oposição na Líbia?

1) Historicamente:

“Se Muammar Al Gaddafi agiu como paranoico, não lhe faltam motivos. Há muito tempo, desde que, aos 27 anos, liderou um pequeno grupo de jovens militares em golpe de estado sem derramamento de sangue, que derrubou o rei líbio Idris, dia 1/9/1969, ele enfrenta ameaças a seu governo e à sua vida – de monarquistas, do Mossad israelense, de inimigos que fez entre os palestinos religiosos, da segurança dos reis sauditas, da Frente Nacional de Salvação da Líbia [ing. National Front for the Salvation of Libya (NFSL)], da Conferência Nacional para a Oposição na Líbia [ing. National Conference for the Libyan Opposition (NCLO)], de espiões britânicos e norte-americanos e, a partir de 1995, a mais grave de todas, de um grupo de combatentes islâmicos, que se constituiu na Líbia pelo molde da Al-Qaeda, conhecido como Al-Jama’a al-Islamiyyah al-Muqatilah bi-Libya. O coronel sempre reagiu com brutalidade, mas não expulsou nem mandou matar os que ele sempre soube que lhe faziam oposição” (3).

2) A Frente Nacional para a Salvação da Líbia [ing. National Front for the Salvation of Libya (NFSL)

“Com o objetivo de derrubar o homem forte da Líbia Muammar Khadafy, EUA e Israel treinaram rebeldes anti-Líbia em vários países do ocidente e da África Central. Dia 5/1/1989, o e-jornal African Confidential, com sede em Paris, noticiou que EUA e Israel haviam implantado várias bases no Chad e em países vizinhos, para treinar 2.000 rebeldes líbios capturados pelo exército do Chad. Esse grupo, conhecido como Frente Nacional para a Salvação da Líbia, criou suas bases no Chad” (4).

“Documentos oficiais dos EUA indicam que a guerra secreta contra a Líbia a partir do Chad foi projeto financiado por Arábia Saudita, Egito, Marrocos, Israel e Iraque. Os sauditas, por exemplo, doaram $7m a um grupo de oposição, a Frente Nacional para a Salvação da Líbia (apoiado também pela inteligência francesa e pela CIA). Mas um plano para assassinar Gadafi e tomar o governo, iniciado dia 8/5/1984, foi descoberto e neutralizado. No ano seguinte, os EUA pediram ao Egito que invadisse a Líbia e derrubasse Gadafi, mas Mubarak não concordou. No final de 1985, o jornal Washington Post divulgou o plano, depois de divulgada uma carta de líderes no Congresso, que se opunham ao plano, dirigida ao presidente Reagan” (5).

“A Frente Nacional para a Salvação da Líbia foi parte da Conferência Nacional para a Oposição na Líbia, realizada em Londres em 2005, e usaram-se recursos britânicos para apoiar a FNSL e outros grupos da oposição a Gaddafi (...) A FNSL realizou seu congresso nacional nos EUA, em julho de 2007. Matérias sobre “atrocidades” e mortes de civis são regularmente distribuídas para a mídia ocidental por grupos que operam em Washington DC, e há informes sobre ataques militares contra Gaddafi, ditos “da resistência” organizados pela FNSL, tanto fora da Líbia quanto em território líbio” (6).

3) A Conferência Nacional para a Oposição na Líbia [ing. National Conference for the Libyan Opposition (NCLO)]

“O principal grupo sempre à frente de insurreições é a Conferência Nacional para a Oposição na Líbia, que inclui a Frente Nacional para a Salvação da Líbia (ing. NFSL). A NFSL, que lidera a violência é uma milícia armada patrocinada pelos EUA, constiuída quase exclusivamente de exilados líbios e tribos que se opõem ao governo de al-Qaddafi” (7).

4) Al-Jama’a al-Islamiyyah al-Muqatilah bi-Libya (Grupo de Combatentes Islâmicos pela Líbia) [ing. Libyan Islamic Fighting Group, LIFG]

“O LIFG foi fundado em 1995 por um grupo de veteranos mujahideen que combateram contra a ocupação soviética no Afeganistão. Depois de voltarem à Líbia, revoltaram-se contra o que viam como sinais de corrupção e “governo ímpio” na Líbia e formaram o LIFG, cujo objetivo é criar estado religioso o qual, para eles, corresponderia ao verdadeiro caráter do povo líbio.

A ação mais significativa do LIFG foi o atentado, em 1996, para matar Gadhafi; membros do LIFG, liderados por Wadi al-Shateh jogaram uma bomba sobre o carro em que Gaddafi viajava. O grupo também organizou ataques guerrilheiros contra forças de segurança do estado, a partir de bases nas monhanhas. Embora a maioria dos membros do LIFG sejam exclusivamente dedicados a derrubar Gaddafi, há relatos de inteligência sobre alguns de seus membros que se teriam aliado à al-Qaida, em ações de jihad contra a Líbia e contra interesses ocidentais em vários lugares do mundo.

Em fevereiro de 2004, o então diretor da CIA George Tenet em depoimento ao Comitê de Inteligência do Senado disse que “uma das ameaças mais imediatas à segurança dos EUA é uma pequena organização de grupos sunitas extremistas, que se vale de laços com a al-Qaeda, Entre esses grupos (...), o Grupo de Combatentes Islâmicos pela Líbia” (8). 

“Recentemente, oficiais líbios distribuíram informes de segurança com detalhes sobre Sufiyan al-Koumi, que seria um dos motoristas de Osama bin Laden, e de outro militante. Dizem os informes, envolvido num “emirado islâmico” em Derna, na região leste da Líbia. Esses informes mostram que Koumi foi libertado em setembro de 2010, como parte de uma iniciativa de “arrependimento e reforma” organizado por Saif al-Islam, filho de Gaddafi. (...)

O LIFG, criado no Afeganistão nos anos 1990s, assassinou dúzias de soldados e policiais líbios. Em 2009, nos 40 anos de governo de Gaddafi, o grupo arrependeu-se publicamente por haver tentado matá-lo e depôs armas. O MI6 [inteligência britânica] foi várias vezes acusado no passado de apoiar o grupo. Seis líderes do LIFG, que permanecem presos, renegaram as táticas passadas e declararam que combater o governo de Gaddafi já nada tinha a ver com qualquer jihad “legítima”. Abdul-Hakim al-Hasadi, outro membro do LIFG que foi libertado, negou o que o governo divulgava sobre o grupo. “Gaddafi tenta dividir o povo” – declarou à al-Jazeera. “Diz que há um emirado islâmico em Derna e que o emir sou eu. Está tentando tirar vantagem de eu ter sido prisioneiro político”. 

Derna é região conhecida como região natal de grande número de suicidas-bomba no Iraque. É região de gente profundamente hostil a Gaddafi. “Habitantes do leste da Líbia em geral, e de Derna em especial, veem a tribo Gaddadfa (tribo de Gaddafi) como gente mal educada, oportunista, inconseqüente, que “roubou para eles mesmos” o direito de governar a Líbia” – como diplomatas dos EUA ouviram em 2008 e informaram ao Departamento de Estado, por telegrama publicado por WikiLeaks.

Os últimos 110 membros do LIFG foram libertados dia 16/2/2011, um dia depois que começou o levante popular na Líbia. Um dos prisioneiros libertados, Abdulwahab Mohammed Kayed, é irmão de Abu Yahya Al Libi – dos principais estrategistas da al-Qaida. Koumi, antes, deixara a Líbia, viajara para o Afeganistão, onde acabou trabalhando para Bin Laden. Foi capturado no Paquistão, entregue aos EUA e, em 2002, foi mandado para Guantánamo. Em 2009 foi mandado de volta à Líbia (9). 

Especialistas em contraterrorismo dos EUA manifestaram preocupações de que a al-Qaida tire vantagem de um vácuo de poder que se criaria se Gaddafi for derrubado. Mas a maioria dos analistas dizem que, embora a ideologia islamista tenha grande penetração no leste da Líbia, não há sinais de que os protestos venham a ser ‘capturados’ por esses extremistas (10) .

“Em setembro de 1995, irromperam violentos confrontos entre forças de segurança de Gaddafi e guerrilheiros islamistas em Benghazi, que deixaram dezenas de mortos dos dois lados. Depois de semanas de combate intenso, o Grupo de Combatentes Islâmicos pela Líbia)  [ing. Libyan Islamic Fighting Group, LIFG] declarou formalmente sua existência, em communiqué no qual acusava o governo de Gaddafi de ser “regime apóstata que blasfemou contra a fé no Todo Poderoso” e que derrubar o regime de Gaddafi seria “principal dever dos muçulmanos, depois da fé em Deus” (3) .

Esse e comunicados subseqüentes do LIFG foram distribuídos por afegãos-líbios que receberam asilo político na Grã-Bretanha (...). O envolvimento do governo britânico na campanha do LIFG contra Gaddafi ainda é objeto de muita controvérsia. 

A grande operação seguinte do LIFG, um atentado fracassado para matar Gaddafi em fevereiro de 1996, que matou vários de seus guarda-costas, teria sido financiado pela inteligência britânica, ao custo de $160 mil libras, segundo depoimento de um ex-agente do MI5, David Shayler (4). As declarações de Shayler jamais puderam ser confirmadas, mas é bem claro que os britânicos permitiram que o LIFG criasse base de apoio logístico e levantassem fundos em solo britânico. Seja como for, o financiamento que receberam de bin Laden parece ter sido muito mais significativo. Há relatos de inteligência que dizem que os islamistas do LIFG receberam cerca de 50 mil libras, do mais conhecido terrorista saudita, por cada inimigo morto no campo de batalha” [2005] (11).

“EUA, Grã-Bretanha e França são hoje companheiros em armas dos islamistas do Al-Jama’a al-Islamiyyah al-Muqatilah bi-Libya (Grupo de Combatentes Islâmicos pela Líbia)  [ing. Libyan Islamic Fighting Group, LIFG], o grupo mais radical da rede al-Qaeda [na luta para derrubar Gaddhafi]. 

A secretária de Estado Hillary Clinton admitiu os riscos dessa aliança nada-santa, em audiência no Congresso; disse que a oposição líbia é provavelmente mais anti-EUA que o próprio Muammar Gaddhafi. Há uma década, essa mesma fantasia de que alguma parceria seria algum dia possível entre o ocidente e os extremistas islâmicos no Kosovo, na Bósnia e na Chechênia acabou abrupta e violentamente nos ataques do 11 de setembro” (12). 

5) Conselho Nacional de Transição [ing. ex-Transitional National Council, hoje já Interim National Council, INC]

“Um governo de transição rival do líder líbio parece estar recebendo apoio dos EUA e de outras forças internacionaais, enquanto cresce o movimento para depor o ditador Muammar Gaddafi.

A secretária de Estado Hillary Clinton confirmou ontem que há contatos entre o governo Obama e a oposição ao coronel Gaddafi. Disse que os EUA estão dispostos a oferecer “qualquer tipo de ajuda” para tirá-lo do poder.

Os líderes políticos que assumiram o controle armado das cidades do leste da Líbia dizem te estabelecido um “conselho nacional” de transição que, de fato, é governo rebelde. Conclamaram o exército líbio a unir-se a eles, no ataque à capital Tripoli, onde Gaddafi mantém seu governo.

Certa de que os 42 anos de governo de Gaddafi chegaram ao fim, a Sra. Clinton disse ontem: “Assistimos ao começo do que virá depois de Gaddafi’” (13) .

6) Facebook

“Omar El- Hariri, Chefe das Forças Armadas do Conselho Nacional de Transição, esteve sob cerrada vigilância das forças de segurança de Gaddafi até o dia 17/2/2011, quando a revolução começou. A revolução não foi iniciada por figuras da velha geração, disse Hariri, mas “começou espontaneamente, quando Tunísia e Egito inspiraram os jovens. São as crianças do Facebook!”, disse Hariri em inglês, num amplo sorriso” (14). 

7) Petróleo

“Os rebeldes líbios em Benghazi disseram que já criaram outra empresa nacional de petróleo, em substituição à corporação contratada pelo ditador Muammar Qaddafi, cujos bens foram congelados por decisão do CSONU. 

O Conselho Nacional de Transição divulgou declaração em que anuncia a decisão tomada em reunião do dia 10/3, de cria a “Libyan Oil Company”, como autoridade que supervisionará a produção de petróleo e as políticas nacionais do petróleo no país. A nova empresa tem sede temporária em Benghazi, e já há um diretor geral de provisório da nova empresa, já nomeado.

O Conselho também informou que designou o Banco Central de Benghazi como autoridade competente para definir as políticas monetárias na Líbia; e que já foi nomeado o presidente do Banco Central da Líbia, com sede provisória em Benghazi” (15).

II. Quem está armando a oposição na Líbia?

“Desesperadamente necessitado de evitar qualquer envolvimento direto do exército dos EUA na Líbia, no caso de luta prolongada entre o regime de Gaddafi e seus opositores, os EUA consultaram a Arábia Saudita sobre a possibilidade de fornecer armas aos rebeldes em Benghazi.

Os sauditas foram informados de que, como artigos de primeira necessidade para resistir aos tanques de Gaddafi, os grupos da oposição estão carentes de foguetes antitanque e morteiros, além de também precisarem de mísseis terra-ar, para resistir aos jatos-bombardeiros.

Tais artigos de primeira necessidade poderiam chegar a Benghazi em 48 horas, mas teriam de ser entregues em bases aéreas em território líbio ou no aeroporto de Benghazi. Se os rebeldes conseguirem manter a ofensiva e atacarem as fortalezas de Gaddafi no oeste da Líbia, a pressão política que fazem EUA e OTAN – além da pressão que o Partido Republicano faz hoje no Congresso, para que se estabeleça uma zona aérea de exclusão [ing. a no-fly zone] – diminuiriam.

Os estrategistas militares dos EUA já informaram que, para estabelecer qualquer tipo de zona aérea de exclusão, é indispensável que a capacidade de ataque dos EUA contra a Líbia esteja ativa; com o quê, Washington já estaria diretamente inserida na guerra, ao lado dos que se opõem a Gaddafi.

Já há vários dias, os aviões espiões do Sistema Aerotransportado de Alerta e Controle (ing. Airborne Warning and Control System, AWACS) dos EUA circulam em torno de território líbio, em contato permanente com o controle aéreo de Malta, pedindo informações sobre os aviões líbios nas últimas 48 horas, planos de voo e rotas, inclusive todos os planos de voo do jato privado de Gaddafi – que voou da Líbia à Jordânia e de volta à Líbia, pouco antes do fim de semana.

Oficialmente, a OTAN diz que a presença dos aviões espiões norte-americanos é parte da Operação Active Endeavour, rotina depois do 11/9, com vistas a preservar a capacidade para ações antiterrorismo no Oriente Médio.

Os dados obtidos pelos aviões espiões são distribuídos para todos os países da OTAN, nos termos das regras para as missões em andamento. Agora, depois que Gaddafi voltou a ser classificado como super terrorista na cartilha ocidental, a OTAN pode facilmente ser usada para localizar janelas de oportunidade para ataques contra a Líbia, no caso de serem iniciadas operações militares ativas.

O canal de televisão Al Jazeera, em inglês, divulgou gravações dos aviões robôs, dos registros de tráfego aéreo de Malta, em que os aviões robôs pedem informação sobre voos de aviões líbios e insistem sobre voos do jato privado de Gaddafi.

Os contatos feitos por um avião espião AWACs dos EUA, identificado pelo número de fuselagem LX-N90442 foram ouvidos, falando com a torre de controle de voo de Malta, no sábado, pedindo informes sobre um jato líbio, Dassault-Falcon 900, 5A-DCN, no voo entre Amman e Mitiga, aeroporto VIP de Gaddafi.

Ouve-se o AWACS 07 da OTAN, que diz: “Vocês têm informação sobre aeronave Squawk 2017, posição leste, a cerca de 85 milhas ‘da gente’ [ing. position about 85 miles east of our [sic]]?”.

O controle de tráfego aéreo de Malta responde: “Sete, parece que é Falcon 900 – nível de voo 340, destino Mitiga, segundo o plano de voo”. Mas a Arábia Saudita já enfrenta riscos, com um dia de protestos coordenados pelos seus próprios cidadãos xiitas, os quais, estimulados pelo levante dos xiitas no Bahrain, ilha vizinha, convocaram manifestações de rua para a próxima 6ª-feira, contra a família saudita reinante.

Depois de enviar muitos soldados e a polícia política para a província de Qatif, semana passada, os sauditas proibiram completamente todas as manifestações de rua.

Os organizadores xiitas dizem que haverá 20 mil manifestantes nas ruas e que as mulheres apresentaram-se para ir à frente, para evitar que o exército abra fogo.

Se os sauditas atenderem ao pedido dos EUA e mandarem armas e mísseis para os rebeldes líbios, ficará quase impossível que o presidente Obama condene qualquer violência contra os xiitas nas províncias do nordeste.

Assim, como se vê, o despertar árabe, os clamores populares por democracia no norte da África, a revolta dos xiitas e o levante contra Gaddafi converteram-se, em apenas poucas horas, em problema militar prioritário para os EUA, no Oriente Médio”. (16)

“Relatos da região sugerem que os sauditas e egípcios têm fornecido armas aos rebeldes líbios. Funcionários dos EUA não confirmaram, mas dizem que é plausível” (17).

“CAIRO. Militares egípcios começaram a embarcar armas para o outro lado da fronteira, para os rebeldes líbios, com pleno conhecimento de Washington, dizem oficiais rebeldes líbios. 

As armas embarcadas, quase todas armas leves como rifles de assalto e munição, parecem ser o primeiro caso confirmado de governo estrangeiro armando combatentes rebeldes. Esses combatentes têm perdido terreno para as forças de Gaddafi que avançam rumo oeste.

O embarque de armas egípcias é o mais forte sinal, até agora, de que alguns países árabes estão atendendo ao pedido dos EUA para participar do esforço a favor dos rebeldes democratas na luta contra Gaddafi na Líbia. Washington e outros países ocidentais já se manifestaram, lastimando que tantos estados árabes não mostrem disposição de ajudar a superar a crise em sua própria região e, mesmo, critiquem as potências ocidentais em sua luta pró democracia..

O embarque de armas vem depois de uma muito clara e rara resposta diplomática dos países árabes. Só raras vezes se ouviram países árabes solicitar tão claramente a intervenção militar estrangeira em país árabe, com, inclusive, pedido aprovado pelos 23 membros da Liga Árabe, para que a ONU implantasse uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia.

Essa manifestação da Liga Árabe oferece a indispensável cobertura política de que os EUA careciam para promover a intervenção militar; o ocidente sabe que não poderia intervir militarmente na Líbia sem autorização ampla, geral e irrestrita das comunidades internacional e regional. Na 5ª-feira à noite, o CS-ONU aprovou resolução que autoriza a implantação de zona área de exclusão na Líbia e autoriza ação militar de apoio aos rebeldes.

Coube ao Líbano produzir o primeiro rascunho da resolução, que autoriza a que se tomem “todas as medidas necessárias” para impedir que haja voos sobre a Líbia. Os Emirados Árabes Unidos e o Qatar foram os primeiros países árabes que se ofereceram para participar da implantação da zona aérea de exclusão, segundo diplomatas da ONU.

Militares do governo rebelde em Benghazi, de fato, desde os primeiros dias do levante têm elogiado o Qatar, declarado seu mais firme aliado. Nos bastidores, o Qatar fez campanha cerrada a favor de dura e imediata intervenção dos EUA a favor dos rebeldes líbios. Em Benghazi, desde os primeiros dias, veem-se muitas bandeiras do Qatar. Depois de as forças pró-Gadhafi terem retomado a cidade de Ras Lanuf, semana passada, a TV estatal líbia exibiu imagens de contâineres de alimentos encontrados na cidade, nos quais se via a bandeira do Qatar.

Forças anti-Gaddafi em Benghazi

A Casa Branca resiste aos apelos de líderes no Congresso para que envie armas diretamente aos rebeldes líbios, sob o argumento de que os EUA precisam, antes, saber exatamente quem são os rebeldes e que objetivos políticos têm para o país, no caso de conseguirem derrubar o governo de Gadhafi. Conselheiros e especialistas do governo dos EUA creem que haja elementos islamistas radicais entre a oposição a Gaddafi. Temem que grupos radicais hostis aos EUA estejam infiltrados na oposição e confisquem as armas que sejam enviadas.

As armas egípcias começaram a ser despachadas “há poucos dias” e continuam a ser embarcadas, disse um alto oficial do governo dos EUA. “Mas não há qualquer política formal, nem qualquer reconhecimento formal dos EUA sobre a iniciativa do Egito”. 

Tentamos entrar em contato com o ministérios das Relações Exteriores do Egito e com  o porta-voz do primeiro-ministro para que comentassem essas notícias, mas não obtivemos resposta. Nenhum militar egípcio quis comentar o noticiário. Funcionária da embaixada do Egito em Washington disse que não tinha notícia de embarques de armas.

Militares norte-americanos consultados disseram que o envio de armas, se houvesse, seria “pequeno demais, tardio demais” para alterar o equilíbrio de forças a favor dos rebeldes, que já teriam sido massacrados pelo exército líbio, com tanques e artilharia pesada aérea e de solo.

“Sabemos que os militares do conselho militar egípcio está nos ajudando, mas não pode ser ajuda muito visível” – disse Hani Souflakis, empresário líbio no Cairo que tem servido como elo de ligação entre os rebeldes líbios e o governo egípcio desde o início do levante.

“Mesmo assim, as armas estão chegando” – disse Souflakis. Disse também que tem feito contatos regulares com militares egípcios no Cairo e com líderes rebeldes na Líbia. “Os EUA deram luz verde para que os egípcios ajudassem a Líbia. Os EUA não querem aparecer envolvidos diretamente, mas os egípcios nada fariam se não tivessem sido autorizados pelos EUA.” 

Funcionários ocidentais e líderes rebeldes na Líbia disseram que os EUA insistiam em não ser vistos como líderes de qualquer ação militar contra Gadhafi, depois que as invasões contra o Iraque e o Afeganistão dispararam a fúria antiamericana em toda a região.

Mas os EUA disseram claramente que “Gadhafi tem de sair”; assim deixou bem claro que ajudaria os rebeldes, militarmente ou por outras vias. (...) 

Porta-voz do governo rebelde, Mustafa al-Gherryani , disse que “Nosso comando militar está comprando armas para armar o povo. As armas estão chegando, mas não posso falar sobre o tipo, a quantidade, a origem das armas”. 

Funcionários dos EUA disseram que o Egito não queria divulgar que estava enviando armas aos rebeldes líbios. Em público, o Egito tentava manter posição neutra em relação à Líbia. Na votação da Liga Árabe que aprovou o pedido ao CSONU para que impusesse uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia de Gadhafi, o Egito absteve-se de votar – disse esse especialista norte-americano, que conhece o regime de deliberações da Liga Árabe.

Por outro lado, o apoio militar egípcio aos rebeldes, ainda que discreto, sugere que os militares egípcios avaliam que Gadhafi não se manterá no poder; assim, interessaria ao Egito começar a construir boas relações com um futuro governo egípcio (...), pensando também em manter na Líbia as centenas de milhares de trabalhadores egípcios que lá vivem (Sam Dagher e Adam Entous contribuíram para esse artigo) (18, 19).

Al-Qaeda e Jihadistas

“Talvez intrigue e decepcione os jovens manifestantes de Benghazi, Cairo e Tunísia saber que suas esperanças democráticas estão sendo manipuladas pela elite árabe ultraconservadora que já organizou e já pôs em marcha um levante de militantes islâmicos radicais no norte da África. Informes confiáveis da inteligência dos EUA dão conta que o Qatar há muito tempo apoia a Fraternidade Muçulmana, a Al Qaeda e combatentes jihadistas que voltam do Afeganistão.

Os laços com o Qatar, descobertos em investigações de contraterrorismo logo depois do 11/9 devem ser reexaminados, agora que o LIFG (Grupo de Combatentes Islâmicos pela Líbia) de ex-afiliados da Al Qaeda já se engajou ao lado dos “rebeldes” líbios. O LIFG está na lista de organizações terroristas do Departamento de Estado; e a Líbia tem bem abastecidos arsenais de explosivos, lança-granadas e armas químicas (20) (...).

Depois de ter deixado vazar que os primeiros protestos na Líbia foram organizados pelos militantes islâmicos do LIFG, a rede Al Jazeera rapidamente mudou a linha da cobertura e passou a distribuir incansáveis repetições de notícias e comentários que, todos, apresentavam os eventos como “protestos pacíficos”. Para explicar os soldados líbios mortos durante o levante, a rede apresentou um cenário bizarro de 150 soldados líbios que teriam sido executados pelos próprios comandantes, “porque se recusaram a combater”. Os misteriosos oficiais sumiram misteriosamente da base e desapareceram no ar, quando estavam cercados por furiosos manifestantes! Em declarações off the record, um analista de inteligência dos EUA disse que essas notícias “não passam de mais absurdos da mídia” e sugeriu que a verdade seria menos gloriosa para o exército líbio: os soldados teriam sido executados, sim, mas por milícias armadas de jihadistas que combateram no Iraque e no Afeganistão e que estariam já aliados aos “rebeldes” líbios (...) (20).

NOTAS

1 “O secretário de Defesa Gates, que recentemente alertou contra o risco para os EUA de uma guerra de ocupação prolongada, disse, dia 23/3, que o fim da ação militar na Líbia é indeterminado e a ação pode durar mais que algumas semanas: “Acho que há vários resultados possíveis e ninguém hoje pode antever coisa alguma” – disse Gates a jornalistas no Egito” (C-Span, March 24, 2011). Em português, o mesmo comentário foi anotado em MK Bhadrakumar, 23/3/2011, “A estratégia (e os temores) dos EUA na Líbia”, 21/3/2011, Blog Beatrice.

2 Leitores que se interessem podem consultar o primeiro artigo exploratório que escrevi sobre esses temas: Googling ‘Revolution’ in North Africa”.

3 Dan Lieberman, “Muammar Al Gaddafi Meets His Own Rebels”, CounterCurrents.org, 9/3/2011.

4 Joel Bainerman, Inside the Covert Operations of the CIA & Israel’s Mossad (New York: S.P.I. Books, 1994), 14. 

5 Richard Keeble, “The Secret War Against Libya”, MediaLens, 2002 .


7 Ghali Hassan, “U.S. Love Affair with Murderous Dictators and Hate for Democracy”. Axis of Logic, 17/3/2011 ().

8 Center for Defense Information, “In the Spotlight: The Libyan Islamic Fighting Group (LIFG),” 18/1/2005.

9 Gaddafi preocupa-se há muito tempo com o terrorismo de Al-Qaeda na Líbia; em 1996, a Líbia foi o primeiro país a requerer que Osama bin Laden fosse incluído na lista dos Mais Procurados da Interpol (Rohan Gunaratna, Inside Al Qaeda: Global Network of Terror [New York: Columbia UP, 2002], 142).  Depois disso, agentes de segurança de EUA e da Líbia trabalharam por muito tempo, em íntima associação, em programas contra a Al Qaeda. Não se sabe quando essa colaboração começou, mas não há dúvidas de que aconteceu. [Há pelo menos um telegrama diplomático publicado por WikiLeaks que a comprova. Ver “Senadores McCAIN, Lieberman e outros Republicanos discutiam “SEGURANÇA” com... MUAMMAR e MUATASSIM AL-QADHAFI, em Trípoli, há dois anos...”. 

10 Ian Black, Libya rebels rejects Gaddafi’s al-Qaida spin”, Guardian, 1/3/2011.

11 Gary Gambill, “The Islamic Fighting Group (LIFG), Jamestown Foundation", Terrorism Monitor, 5/5/2005 (); citing Al-Hayat (London), 20/10/1995 [“communiqué”]; “The Shayler affair: The spooks, the Colonel and the jailed whistle-blower,” The Observer(Londres), 9/8/1998; Jean-Charles Brisard and Guillaume Dasquié, Ben Laden: La Verite interdite (Bin Ladin: The Forbidden Truth). Cf. also Annie Machon, Spies, Lies and Whistleblowers: MI5, MI6 And the Shayler Affair (Book Guild Publishing, 2005) [Shayler].

12 Yoichi Shimatsu, “Attack on Libya: Why Odyssey Dawn Is Doomed”, New America Media, 20/3/2011.

13US reaches out to Libyan insurgents”, The Australian, 1/3/2011.

14 “How a onetime friend to Gadhafi became his rival,” Globe and Mail [Toronto], 4/3/2011.


16 Robert Fisk, “Obama pede que sauditas entreguem armas em Benghazi”, Independent, UK, 7/3/2011, em português, redeastorphoto, 7/3/2011.
17Libya rebels coordinating with West on air assault,” Los Angeles Times, 24/3/2011.

18Egypt Said to Arm Libya Rebels”, Wall Street Journal, 17/3/2011.

19 Benjamin Gottlieb, “Egypt Arms Libyan Rebels As Gaddafi’s Conquest Continues”,  NeonTommy Annenberg Digital News, 17/3/2011.

20 Yoichi Shimatsu, “Mideast Revolutions and 9-11 Intrigues Created in Qatar,” New America Media, 1/3/2011. Que a família al-Thani dava proteção a Khalid Shaikh Mohammed é confirmado pelo ex-agente da CIA Robert Baer (Los Angeles Times, 23/3/2011 ). Cf. Robert Baer, Sleeping with the Devil (New York: Crown, 2003); Peter Lance, Triple Cross (New York: Regan/HarperCollins, 2006), 234-37.