segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Reforma é a “...takeusparíu” - Cuidado: crateras no caminho


Vijay Prashad


3/11/2011, Vijay Prashad, Counterpunch
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu



Entre o sentimento nos acampamentos do movimento Occupy e a ala liberal do establishment dos Democratas há um fosso imensíssimo, que nem a mais longa ponte consegue transpor. Entre Occupy e os Republicanos, há um universo.

Democratas em Washington e sua coorte de fantoches nos bairros e distritos consideram razoável qualquer negociação que leve a qualquer acordo cordial com o capital financeiro. 

Todos os corredores e alas da Casa Branca, que têm nomes históricos, bem poderiam ser rebatizados com um mesmo nome: Wall Street. Por lá transitam, além do menino-de-recados dos bancos, o secretário do Tesouro Timothy Geithner, também o Chefe de Gabinete da Presidência, Bill Daley (antes empregado da presidência executiva do banco J. P. Morgan Chase, onde cuidava do setor de Responsabilidade Corporativa), e, agora, um recém contratado conselheiro-chefe da campanha eleitoral, Broderick Johnson (antes, lobbyst contratado dos gigantes Bank of America, Fannie Mae, banco J. P. Morgan Chase e consórcio de empresas do Projeto do Oleoduto Keystone XL). São a escória de Wall Street e de Washington, monumentos vivos do Poder Financeiro e seu sistema de pague-e-leve (o próprio governo, a própria administração pública). Para esses, o movimento Occupy é uma comichão que atormenta; e será risco potencial grave, em período eleitoral.

O presidente Obama chegou à Casa Branca carregado até lá por um liberalismo robusto que o adotou como seu delegado e contou com que, na presidência, Obama poria em andamento aquela agenda liberal. Mas boa parte daquele programa foi tratado como caspa: Obama varreu-o dos ombros e não voltou a pensar no assunto. 

Se Obama tivesse apoiado o “Employee Free Choice Act” [1], certamente teria comprovado seu comprometimento com a agenda para a qual foi eleito. E a confiança dos mais pobres teria aumentado e Obama seria hoje menos fraco. 

Atualmente, apenas 6,9% dos trabalhadores do setor privado nos EUA são sindicalizados. Com mais empregados sindicalizados e se os sindicatos continuassem a fazer ecoar os movimentos sociais que se reúnem em volta deles nos EUA – fazendo repercutir pelo país a discussão de questões sociais em torno de gênero, sexualidade, racismo –, o continente da esquerda seria com certeza muito mais forte hoje. Mas não se viu nenhum tipo de empenho de Obama, sequer nesse gesto modesto. O presidente Obama distanciou-se daquele projeto de lei e nunca investiu nele nenhum capital político.

O movimento Occupy faz muito bem, ao não se deixar incorporar pelo establishment do Partido Democrata, em termos que necessariamente seriam odiosos. O movimento quer mais, quer maior: quer uma completa virada no sistema. O sentimento que ferve nos acampamentos é semelhante ao que havia na França de 1968: réforme mon cul, reforma é a puuuuuuuuuutakiuspariu. 

O conjunto do presente tem de ser lançado ao ar, ventilado, expurgado das toxinas e, então, rearranjado pela prática como encarnação da justiça. É emocionante estar próximo desses sentimentos que se fartaram de realidade e já abocanham o futuro em pedaços grandes nas assembléias gerais e na alegria da interação social.

Cratera no caminho: a realidade corrompe 

Mas temos de andar pela prancha, para o presente. Há jeito para fazer isso sem se deixar hipnotizar pela Política Ordinária. Sugiro um tônico, cuja receita aí vai:

Derrubar os três ministros capitalistas. É direito do movimento Occupy exigir rendição incondicional dos delegados dos banqueiros: eles têm de deixar imediatamente a Casa Branca. Fora Geither. Mas também Fora Daley. E Fora Johnson. Para começar. É uma demanda mínima. Se há outros nomes, organizemos uma lista. Todos os listados terão de sair da Casa Branca.

Promover os Delegados do Povo. É direito do movimento Occupy exigir que se elejam os que já manifestaram comprometimento com as amplas ideias dos 99. Penso em nomes como Cheri Honkala (que concorre ao cargo de Xerife da Filadélfia); Amaad Rivera (que concorre ao cargo de Conselheiro Municipal Correspondente em Springfield, MA.), Luis Cotto (que concorre ao Conselho Municipal em Hartford), Bill Dwight (que concorre ao cargo de Conselheiro Municipal Correspondente em Northampton, MA.) – gente que nada teme, gente que temos de empurrar contra (mas para dentro) da burocracia, para que tenham meios para levar avante suas ideias criativas para promover a visão popular. Amaad Rivera, por exemplo, é o braço legislativo do grupo No One Leaves [contra os despejos], que incomodou muito seriamente os bancos que tanto se esforçavam para manter a cidade de Springfield no lugar n.1 da lista de cidades da Nova Inglaterra com maior número de famílias despejadas por bancos. Temos de ter esses delegados em posições de autoridade, para que abram espaço para os movimentos populares como Occupy e No One Leaves, e para jogar na cara do 1% as contradições do sistema (os valores do sistema x as realidades do sistema). O movimento Occupy deve acolher a política eleitoral como instrumento, usá-la quando necessário, sempre em doses homeopáticas. 

Celebrar o corpo social que se multiplica. Um dos traços mais gloriosos do movimento Occupy é que jamais apresentou demandas pequenas, estreitas. Por isso, os milhões de sofrimentos pelos quais passam os vários fragmentos de nossa realidade social puderam ser ventilados, enunciados, ouvidos. Tornaram-se presentes. Nada foi deixado propositalmente fora do movimento. Porta aberta. Houve os que, escondidos por trás do que Jo Freeman chamou de “a tirania da estrutura-zero” tentam sequestrar o movimento. Serão desmascarados pela própria arrogância. Há esperança popular demais, para que certas coisas sejam esquecidas no fundo do palco. Se decidirmos que a violência sexual e a brutalidade policial são questões importantes, tão importantes quanto ‘resgatar’ bancos e banqueiros, assim será. Justamente porque há milhões de diferentes sofrimentos, os milhões sentem que esse é o nosso movimento.

O debate sobre “demandas” é enganador. Como escreveram Ruth Jennison e Jordana Rosenberg no blog Lenin’s Tomb: “O que, afinal, é uma demanda? Libertar New York ou Oakland ou Cleveland das garras dos financistas? Exigir de volta, porque é direito nosso, o que nos foi roubado pelos bancos e pelos 1%? Exigir viver sem repressão e violência policiais? Exigir o fim das guerras e projetos imperialistas e a restauração de serviços sociais e da educação pública? Se hesitamos ainda ao exigir, por medo de perder, basta olhar em volta e ver a nossa força, pela primeira vez nessa geração”.

Depois da extraordinária greve geral em Oakland, nossa força está aí, à vista, à nossa frente. É verdade que lutas como essa não vêm com manual de instruções. Na luta aprendemos como lutar, como escreveu Rosa Luxemburgo, há um século. E também é verdade que no calor da hora das lutas emergem os slogans dos quais germinam programas e agendas. É hora de reunir tudo o que já temos para lançar à cara da Ordem.

Mudar-nos, de celebrar nossa força, para criar instrumentos políticos afiados, não é fácil. Temos de ter cuidado e paciência. Claro que precisaremos de demandas formuladas. Claro que teremos de construir uma carapaça política que concentre a energia do movimento Occupy. Teremos tudo isso. Tudo isso virá. O futuro é feito do que ali depositamos, hoje.



Nota dos tradutores
[1] A chamada “Lei EFCA (Employee Free Choice Act, ‘lei da livre escolha para os empregados’)” é um projeto de lei que chegou ao Congresso dos EUA dia 10/3/2009 (é projeto inicial, de 2007, do senador Edward Kennedy, Democrata). Essencialmente, garante direitos de sindicalização que, nos EUA, os empregados não têm. Sempre foi alvo de furioso lobby de todos os bancos, todas as grandes empresas e todos os donos e empregados da imprensa-empresa e, até hoje, jamais foi sequer levada a votação (conheça detalhes da lei, em inglês)

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