segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Praça Tahrir, Cairo, Egito: “Manifestantes juram resistir ao gás tóxico fabricado nos EUA”


26/11/2011, Jihan Hafiz, The Real News Network
[vídeo e falas transcritas e traduzidas pelo pessoal da Vila Vudu]


A corrente humana, de braços dados, que faz a linha de frente dos confrontos de rua entre cidadãos egípcios desarmados e as forças de segurança do estado, tem de enfrentar, dentre outros riscos, as granadas de gás lacrimogêneo lançadas pela polícia egípcia. Mas antes da paz, os manifestantes enfrentam ainda o caos criado pelas bombas de gás lacrimogêneo usadas pelas forças de segurança egípcias.

[fala a moça com máscara de papel]: Está muito difícil ficar ali, por causa desse gás. Estávamos a mais de 50 metros das bombas, há mulheres, crianças...

Esse gás parece simbolizar a violência das forças de segurança. Durante os cinco dias de combate violento entre os manifestantes e as forças policiais, os postos de emergência e os hospitais de campanha instalados na Praça Tahrir ficaram superlotados de vítimas de intoxicação por gás. Alguns não sobreviveram. Os serviços de saúde pública contabilizam sete casos de morte por asfixia. Muitos dos intoxicados respiraram o gás em pontos bem distantes dos confrontos, como essa mulher, que inalou o gás quando fazia compras numa loja, no centro da cidade. 

[fala a moça com véu]: Juro que estava bem longe daqui. De repente, não conseguia respirar, fiquei sufocada. O gás entrou pelo meu nariz, pelos olhos... e desmaiei. Usarem esse veneno só fará os jovens ficarem cada vez mais furiosos. 

Os manifestantes e o pessoal de saúde que dá atendimento aos feridos já denunciaram os efeitos excepcionalmente fortes do gás que está sendo usado, mais fortes que o gás usado nos primeiros dias do protesto, na chamada Revolução de 26 de janeiro. Para alguns, a Polícia estaria usando granadas de gás já vencidas e impróprias para uso. 

Samir, que desmaiou meia hora depois dessa entrevista, explica por que o gás tem efeito tão devastador:

[Samir, sentado na calçada]: O prazo de validade das granadas já expirou. Além disso, as granadas não podem ser lançadas tão próximas da multidão. Devem explodir a, no mínimo, 300 metros da multidão. Mas a polícia dispara contra nós quase a queima-roupa, de 20, 30m. É ilegal. A Polícia é proibida de lançar essas bombas diretamente contra as pessoas. Acho que estão usando as bombas em curta distância, talvez numa espécie de teste, para avaliar os efeitos. E o efeito é terrível.

As densas nuvens de fumaça são tão devastadoras, que às vezes nem os motoristas das ambulâncias conseguiam prosseguir para recolher os intoxicados.

O antídoto que os médicos usavam no início do ano, contra os efeitos do gás lacrimogêneo, não funcionou dessa vez. 

[Fala o médico de campanha]: Dessa vez os efeitos são mais fortes e diferentes. Estão usando algum outro tipo de gás. Os pacientes têm convulsões, vômitos incontroláveis e outros sintomas, sem causa aparente. Estamos pensando em organofosfatados, que são gases muito tóxicos, ou coisa parecida. Estamos usando água e soluções de glucose e nuvogel, tentando criar outro tipo de gel ou cobertura, que proteja contra esse novo gás.

Organizações de direitos humanos e o pessoal médico já recolheram granadas do gás usado e enviaram para exames, na esperança de, conhecendo a verdadeira fórmula do gás, encontrarem tratamento mais efetivo.

[Fala o médico voluntário, de camisa]: Estamos tentando encontrar tratamento contra os efeitos do novo gás. Estamos pesquisando pela internet, para saber o que essaas bombas contêm. Não há dúvidas de que se trata de outro gás. Não é o mesmo gás. Os intoxicados trazem feridas também nas mucosas do nariz, nos olhos e os intoxicados relatam pressão no peito e dificuldades para respirar. Em alguns casos, houve ataque cardíaco.

Na 4ª-feira da semana passada, as forças de segurança quebraram a trégua que se estabelecera entre a polícia e os manifestantes, e atacaram a multidão desarmada com granadas de gás lacrimogêneo e bombas revestidas de borracha. A rede Al-Jazeera noticiou que o gás lacrimogêneo foi lançado na Praça Tahrir num momento em que lá havia famílias, mulheres, crianças. Quase imediatamente os manifestantes começaram a apresentar sintomas de intoxicação.

Segundo Relatório do Departamento de Estado [Egito] de 2006, mais de 1,7 milhões de dólares foram gastos na compra de armas não letais, entre as quais gás lacrimogêneo, fabricadas nos EUA e compradas com o dinheiro da ajuda militar que os EUA dão aos militares egípcios. Granadas, embalagens e cartuchos recolhidos na Praça Tahrir por manifestantes indicam que praticamente todas são fabricadas por duas empresas. Uma delas, a norte-americana Combined Tactical, com sede em Jamestown, na Pensilvânia, nos EUA. Outras das granadas são fabricadas por Defense Laboratories [ver imagem], com sede também na Pensilvânia. 

Esse médico demonstra os efeitos colaterais do gás fabricado nos EUA, tirando latas de um saco plástico: “Tem cheiro muito forte, e os olhos ardem demais. Isso, depois que as granadas já foram usadas, estão frias e já foram lavadas. Bastou tirar as latas usadas do saco plástico e olhem como estão meus olhos”.

As duas empresas descrevem seus produtos como “less lethal” [menos letal] e não há dúvida que vendem para seus produtos para Israel. A empresa Combined Tactical exibe até, na entrada, uma bandeira de Israel, na cidade de Jamestown.

Apesar das nuvens persistentes de gás lacrimogêneo, os manifestantes continuam na praça Tahrir, provando a resistência da revolução egípcia, também contra granadas de gases tóxicos.

[fala o médico voluntário, na Praça Tahrir]: “Não há dúvidas de que o gás é perigoso, mas não nos assustam. Sabemos que podemos morrer aqui e não temos medo de nada. [Mostra um adesivo na camisa]. Aqui está escrito: “Sabemos que podemos morrer aqui.” Sabemos disso. Morreremos aqui. Ou eles vão embora.”      
Por hora, foram suspensos os ataques com gases tóxicos. Médicos e organizações humanitárias estão investigando o conteúdo das granadas recolhidas, com vestígios dos gases usados pelas forças de segurança do Egito, contra manifestantes desarmados, na Praça Tahrir, nos últimos dias.

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