domingo, 6 de novembro de 2011

Os russos avançam no Oriente Médio


3/11/2011, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Ainda não se conhece, longe disso, a última palavra sobre a desastrada intervenção ocidental na Líbia. Quem suporia que um dos primeiros altos dignitários do planeta a viajar até Trípoli para saudar o novo governo lá instalado à força pela OTAN, e a oferecer sua amizade eterna, seria o ministro de Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi? Que magnífica ironia! Barack Obama sai de cena pela porta dos fundos, e Salehi entra pelo tapete vermelho. 

Por outro lado, o principal partido de oposição na Turquia, CHP (fundado por Kemal Ataturk) alerta para o risco de a Primavera Árabe “dar frutos islamistas”.  

Mas as lições aprendidas do atentado ocidental contra a Líbia já são bem visíveis no ‘endurecimento’ da política regional russa para o Oriente Médio. Dito bem claramente, a Rússia ‘dormiu no ponto’ na questão líbia (o que soa incompreensível, se se conhecem os fantásticos ‘orientalistas’ russos e seus ricos recursos intelectuais no campo da história e da política daquela região). 

Fato é que o ministro das Relações Exteriores da Rússia está outra vez ao volante e se vê hoje bem claramente em Moscou uma firme decisão de impedir que ‘a Líbia’ repita-se em outros pontos do Oriente Médio. O modo como o ministro russo das Relações Exteriores Sergey Lavrov falou sobre a Síria – “a Rússia não permitirá que coisa semelhante volte algum dia a acontecer” [1]– e o local de onde falou – em Abu Dhabi – exigem atenção. 

A Rússia preocupa-se com o risco de a intervenção da OTAN na Líbia ter impacto sobre todo o sistema internacional. Por isso, a Rússia trabalha para bloquear todos os movimentos dos EUA que visem a criar pretextos novos para agir novamente, dessa vez contra o Irã. A Rússia também agiu firmemente para fazer gorar o movimento, dos EUA e aliados, que tentavam criar uma arquitetura de segurança regional nas regiões da Ásia Central e Sul da Ásia, que pudesse ser usada como instrumento para interferir nas questões regionais. [2] Os russos também veem com suspeitas todo o projeto “Grande Oriente Médio” de EUA-OTAN. 

Significa alguma confrontação ao estilo de guerra fria, com os EUA? Não. Longe disso. As políticas russas no Oriente Médio visam a ampliar sua rede e a expandir sua influência, criando empatia e desenvolvendo o entendimento mútuo, identificando e insistindo nos pontos de convergência, com vistas a construir novos e duradouros princípios de cooperação – em vez de os contatos definirem-se por ‘blocos’. 

Por isso, o primeiro “Diálogo Estratégico” em nível ministerial com os países do Conselho de Cooperação do Golfo é mais uma iniciativa brilhante. Lavrov está chamando a atenção, com sucesso, para o fato de que os estados do Conselho de Cooperação do Golfo têm afinidades provavelmente muito maiores com a Rússia, em várias questões candentes – a Primavera Árabe, o mundo multipolar, a questão palestina, dentre outras –, do que com seus tradicionais grandes aliados, os EUA.  

O que levou a Rússia a procurar o Conselho de Cooperação do Golfo? O comércio e os investimentos, sem dúvida, são o motivo principal. A Rússia quer beneficiar-se do movimento dos estados reunidos no Conselho de Cooperação do Golfo, que buscam novos parceiros na vazante da crise financeira global. Lavrov salientou várias vezes que os laços com o mundo islâmico são prioridade na política exterior russa. Já deixou alinhavada uma abordagem comum, na questão da Primavera Árabe:

“Por mais agudos que sejam, problemas domésticos podem e devem ser resolvidos por via pacífica, em diálogo nacional que reúna todos os grupos políticos, étnicos e religiosos e movimentos sociais. Em todas essas abordagens, a ajuda externa deve ser considerada bem-vinda, e levada a efeito com máxima responsabilidade, considerando sempre as reais necessidades e interesses dos cidadãos dos estados do Oriente Médio e norte da África. O Conselho de Segurança da ONU deve tomar decisões baseadas em fatos, em estrito respeito à legislação internacional. E essas resoluções devem ser cumpridas estritamente, sem qualquer tipo de desvio.”

É posição, pode-se dizer, bem próxima da posição da Índia. 

Por falar nisso, Damasco já fez saber à Liga Árabe que apreciará que representantes do Brasil, da China e da Índia sejam convidados a participar do diálogo nacional com a oposição síria.



Notas dos tradutores
[1] “A posição russa já apareceu manifesta no projeto de Resolução que Rússia e China apresentaram ao Conselho de Segurança da ONU, que visa a construir solução pacífica para o conflito sírio, sem interferência externa, baseado num amplo diálogo nacional, do qual participem todas as forças responsáveis da Síria. (...) A Rússia não permitirá que o que aconteceu na Líbia volte a acontecer. Repito: a Rússia não apóia regimes, apoiamos a lei internacional. Não apoiamos o regime do coronel Gaddafi, falamos a favor da iniciativa da União Africana a qual, infelizmente, foi ignorada e rejeitada por vários importantes membros da OTAN. Aproveitaram de um mandado do Conselho de Segurança da ONU e serviram-se dele para implantar solução militar, operação que custou dezenas de milhares de vidas de civis.” (1/11/2011, Sergey Lavrov, Primeiro Encontro Ministerial do Diálogo Estratégico entre Rússia e o Conselho de Cooperação do Golfo, Conferência de Imprensa, Abu Dhabi, na íntegra (em inglês).
[2] Ver 31/10/2011, “Sarkozy, Obama e o Iluminismo”, MK Bhadrakumar.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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