quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Assim não dá! “Occupy”! Contra os capitalistas fundamentalistas pirados


16/11/2011, Dafydd Taylor, Asia Times Online, “Speaking Freely” [título modificado]
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

A crise financeira global avança, e ouvimos repetir com insistência que, apesar de alguns problemas, todos os benefícios da modernidade seriam resultados incontestáveis do sistema capitalista. 

Que a mão invisível, que Adam Smith tão notoriamente documentou, nos trouxe o progresso industrial, das linhas de montagem ao telégrafo e à Internet. Nada disso é bem assim. A linha de montagem, sistema fabril inspirado nas invenções de Sir Richard Arkwright (1732-1792), mais de um século antes de Henry Ford, foi resposta aos efeitos da Revolução Agrária Britânica. 

Vastos pools de mão de obra barata criados pelo cercamento da terra comum, combinados com as políticas econômicas do mercantilismo tornadas especialmente efetivas pelo crescimento do império fizeram da Grã-Bretanha a nação líder do processo de industrialização. O desenvolvimento industrial foi resultado dessa interação entre estado e setor privado. Essas lições, que o ocidente parece nunca ter compreendido satisfatoriamente, foram atentamente aprendidas pela China – hoje o país mais bem sucedido do planeta. 

A Grã-Bretanha só adotou o livre comércio como política, no final do século 19 – nação plenamente industrializada, que se entrincheirou para defender essa posição; e defesa que incluiu conter ou limitar o crescimento dos concorrentes. A força que puxou adiante o desenvolvimento da primeira rede de comunicações eletrônicas que o mundo conheceu, o telégrafo, foi o Império Britânico. 

Nos EUA, o desenvolvimento também foi comandado pelo estado e por intervenção do estado. Mais especificamente: a intervenção do Departamento de Defesa dos EUA foi fator decisivo para o desenvolvimento das redes de computadores. E aqui se deve registrar uma importante verdade: foi a pressão competitiva dos soviéticos que forçou o estado nos EUA, através do Departamento de Defesa, a comandar o desenvolvimento de uma rede de comunicações computador-computador. 

Todo esse desenvolvimento puxado pelo estado aconteceu no ocidente “capitalista”. Em resumo: o ocidente saiu-se melhor que os russos, na Guerra Fria, não porque era capitalista, contra soviéticos comunistas. O ocidente venceu a Guerra Fria porque o ocidente manteve-se mais pragmático que ideológico. No ocidente, o desenvolvimento e a organização econômica não tiveram de ser mantidos “puros”; as coisas se misturaram mais. 

Isso não implica dizer que nada se aproveita no pensamento pró “livre mercado”, para construir políticas econômicas que prestem. Em termos simples, os mercados florescem porque as pessoas, entregues a seus próprios meios, sempre tendem a especializar-se e a trocar. A isso se chama “mercado”. A genialidade de Smith foi tanto (I) ter documentado e teorizado o que sempre foi um estado natural das coisas, quanto (II) ter visto ali um modelo econômico recomendável. Um dos seus mais poderosos insights foi “ver” a importância do marginal sobre o absoluto. 

A água, muito mais vitalmente necessária e importante que o uísque, vende-se mais barata. Por quê? A resposta está no benefício marginal. O preço que as pessoas estão preparadas para pagar não é governado pelo valor absoluto de uma mercadoria, mas pelo valor de mais um copo d’água, ou de uísque. A Escócia, terra de Smith nunca enfrentou escassez de água. 

E num mercado perfeito, diz a teoria, o preço tende a convergir para o custo marginal de produção. Só se pode vender alguma coisa pelo custo extra de produzir mais um do mesmo produto. Como alguém poderia sobreviver de investimentos, num sistema assim? 

As instituições educacionais são crucialmente importantes para qualquer desenvolvimento técnico. Essas instituições não são instituições capitalistas. Instituição que vise a ser educacional não aprovará alunos em troca de mensalidade paga, mas em troca de resposta reconhecida a algum tipo de teste. Esse não é sistema de mercado. Se fosse, haveria diplomas (valiosos e prestigiados no mercado) à venda. E não há. Se a instituição vende diplomas, o diploma automaticamente se desvaloriza. 

Em resumo, a vasta maioria dos – se não todos os – grandes desenvolvimentos técnicos, exigem hoje, como sempre exigiram, intervenção do estado e defesa contra a concorrência, para que o desenvolvimento sobreviva. O que o setor privado faz muito bem é, só e sempre, copiar os desenvolvimento inovadores, produzi-los industrialmente e distribuí-los comercialmente. 

Apesar de tudo isso, o atual discurso político e econômico dominante ainda assume que o sistema capitalista seria vital para o desenvolvimento de novas tecnologias. Não é e nunca foi. Essa é uma crença baseada na fé, não na razão ou em fatos. Hoje, a teoria do mercado racional já deveria estar tão publicamente desmoralizada quanto a teoria do comunismo soviético e a teoria da “imprensa livre”. 

O que o capitalismo faz é distribuir, pelos mecanismos comerciais, produtos novos e melhores, ou novos e melhores meios de fazer coisas. O capitalismo comunica a inovação, muito rapidamente, isso sim. Mas o capitalismo absolutamente não produz inovação. O capitalismo não promove a inovação e jamais promoveu. O capitalismo só promove o comércio. 

Mercado é qualquer fórum no qual compradores e vendedores encontrem-se para acertar um preço e concluir uma troca: pode ser eBay e pode ser o terreiro de uma aldeia africana. Se todos os que vendem conseguem chegar a um preço semelhante, onde todos os vendedores são independentes, mas é do interesse de todos manterem-se próximos (como aves num bando, abelhas num enxame), pode-se dizer que, sim, o mercado é livre. Mas aí nada há, de inovador ou de inovação. Esse comportamento é tão antigo quanto, ou talvez mais antigo, que a civilização. 

Assim sendo, por que tantos tanto repetem a ideia de que o capitalismo encorajaria a inovação? É ideia também sempre repetida, que o setor privado seria bom e o setor público, mau. Que qualquer regulação do setor privado, capitalista, bloquearia a inovação. O que se vê hoje é que o capital não regulado – deixado livre, portanto – arrastou o mundo para a crise econômica que enfrentamos hoje. 

Há paralelos próximos entre a desregulação dos 1980s e 1990s e dos 1920s, e entre a crise atual e a grande depressão dos 1930s. E também há paralelos entre o colapso do padrão ouro e a crise atual na eurozona. Em vários sentidos, vivemos hoje a segunda fase da globalização: a primeira começou nos anos 1920s. Já aconteceu antes. O capitalismo desregulado nos devolveu, pela segunda vez, ao ponto a que já nos devolvera antes. 

Crer no capitalismo como promotor do progresso é uma fé, uma crença. Nem os mercados são racionais, nem são racionais os economistas, os financistas e os banqueiros.  

Enquanto políticos, economistas, jornalistas não desenvolverem alguma ideia realista, não religiosa e não fundamentalista, sobre o funcionamento do sistema capitalista, não há qualquer chance de que alguém comece a esboçar alguma política econômica aproveitável, para o futuro. 

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