quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Pepe Escobar: “É Pentágono/OTAN versus BRICS”


Pepe Escobar

 30/11/2011, Pepe EscobarAl-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Poucos prestaram atenção, quando, semana passada, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Victoria Nuland anunciou, em linguagem cifrada, que Washington “deixará de atender a alguns dos dispositivos do Tratado das Forças Militares Convencionais na Europa [ing. Conventional Armed Forces in Europe (CFE) Treaty], no que tenha a ver com Rússia”.  [1]

Tradução: Washington deixará de informar a Rússia sobre deslocamentos de sua armada global. A estratégia de “reposicionamento” planetário do Pentágono virou segredo. 

BRICS cada vez mais cautelosos com as “intervenções humanitárias dos EUA-OTAN
É preciso atualizar algumas informações de fundo. Esse tratado, CFE, foi assinado nos anos 1990 – quando o Pacto de Varsóvia ainda era vigente, e cabia à OTAN defender o ocidente “livre” contra o que então estava sendo pintado como um muito ameaçador Exército Vermelho.   

Na Parte I, esse Tratado CFE estabelecia significativa redução no número de tanques, artilharia pesadíssima, jatos e helicópteros de guerra, e dizia também, aos dois lados, que todos teriam de nunca parar de falar do Tratado CFE

A Parte II do Tratado CFE foi assinada em 1999, no mundo pós-URSS. A Rússia transferiu grande parte de seu arsenal para trás dos Montes Urais, e a OTAN nunca parou de avançar diretamente contra as fronteiras russas – movimento que aberta e descaradamente descumpria a promessa que George Bush-Pai fizera, pessoalmente, a Mikhail Gorbachev. 

Em 2007, entra Vladimir Putin, que decide suspender a participação da Rússia no Tratado CFE, até que EUA e OTAN ratifiquem a Parte II do CFE. Washington nada fez, nada de nada; e passou quatro anos pensando sobre o que fazer. Agora, decidiu que nem falar falará (“Washington deixará de atender”, etc. etc.).

Não se metam na Síria

Moscou sempre soube, há anos, o que o Pentágono quer: Polônia, República Checa, Hungria, Lituânia. Mas o sonho da OTAN é completamente diferente: já delineado num encontro em Lisboa há um ano, o sonho da OTAN é converter o Mediterrâneo em “um lago da OTAN”.[2]

Em Bruxelas, diplomatas da União Europeia confirmam, off the record, que a OTAN discutirá, numa reunião chave no início de dezembro, o que fazer para fixar uma cabeça-de-praia muito próxima da fronteira sul da Rússia, para dali turbinar a desestabilização da Síria.

Para a Rússia, qualquer intervenção ocidental na Síria é caso resolvido de não-e-não-e-não absoluto. A única base naval russa em todo o Mediterrâneo Ocidental está instalada no porto (sírio) de Tartus.

Não por acaso, a Rússia instalou seu sistema de mísseis de defesa aérea S-300 – dos melhores do mundo, comparável ao Patriot, dos EUA – em Tartus. E é iminente a atualização para sistema ainda mais sofisticado, o S-400.

Mais importante: pelo menos 20% do complexo industrial militar russo enfrentaria crise profunda, no caso de perder seus assíduos clientes sírios.

Em resumo, seria suicídio, para a OTAN – para nem falar em Israel – tentar atacar a Síria por mar. A inteligência russa trabalha hoje sobre a hipótese de o ataque vir via Arábia Saudita. E vários outros países também sabem, com riqueza de detalhes, dessa estratégia de “Líbia remix”, da OTAN.

Vejam o caso, por exemplo, da reunião da semana passada, em Moscou, dos vice-ministros de Relações Exteriores dos países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) [3].

Os BRICS não poderiam ter sido mais claros: esqueçam qualquer tipo de intervenção externa na Síria; disseram, exatamente que “não se deverá considerar qualquer interferência externa nos negócios da Síria, que não esteja perfeitamente conforme o que determina a Carta das Nações Unidas”. [4] Os BRICS também condenam as sanções extras contra o Irã (são “contraproducentes”) e qualquer possibilidade de algum ataque. A única solução – para os dois casos, Síria e Irã – é negociações e diálogo. Esqueçam a conversa de um voto da Liga Árabe levar a nova resolução, do Conselho de Segurança da ONU, de “responsabilidade de proteger” (responsibility to protect - R2P). Esqueçam. 

O que temos aí é um terremoto geopolítico. A diplomacia russa coordenou, com outros países BRICS, um murro tectônico na mesa: não admitiremos qualquer tipo de nova intervenção dos EUA – seja “humanitária” ou a que for – no Oriente Médio. Agora, é Pentágono/OTAN versus os BRICS.

Brasil, Índia e China estão acompanhando tão de perto quanto a Rússia, o que a França – sob o comando do neonapolêonico Libertador da Líbia, Nicolas Sarkozy – e a Turquia, os dois países membros da OTAN, estão empenhados e fazer hoje, sem qualquer limite ou contenção, contrabandeando armas e apostando em uma guerra civil na Síria, ao mesmo tempo em que tudo fazem para impedir qualquer tipo de diálogo entre o governo de Assad e a oposição síria, essa, em frangalhos.

Alerta máximo nos gargalos

Tampouco é segredo dos BRICS que a estratégia de “reposicionamento” do Pentágono implica mal disfarçada tentativa de impor, no longo prazo, uma “negativa de acesso” à marinha chinesa expedicionária [ing. blue-water navy, capaz de operar em alto mar], em acelerada expansão.  

Agora, o “reposicionamento” na África e na Ásia tem a ver, diretamente, com os gargalos. Não surpreende que três dos gargalos mais cruciais do mapa do mundo é questão de alta segurança nacional para a China, em termos do fluxo do suprimento de petróleo. 

Estreito de Ormuz
Estreito de Ormuz é gargalo global crucial (por ali passam 16 milhões de barris de petróleo por dia, 17% de todo o petróleo negociado no planeta, mais de 75% do petróleo exportado para a Ásia).

O Estreito de Malacca é elo crucial entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da China e o Oceano Pacífico, a rota mais curta entre o Golfo Persa e a Ásia, com fluxo de cerca de 14 milhões de barris de petróleo/dia. 

E o Bab el-Mandab, entre o Chifre da África e o Oriente Médio, passagem estratégica entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico, com fluxo de cerca de 4 milhões de barris/dia. 

Thomas Donilon, conselheiro de segurança nacional do governo Obama tem repetido, insistentemente, que os EUA têm de “reequilibrar” a ênfase estratégica – do Oriente Médio, para a Ásia. 

Assim se explica boa parte do movimento de Obama, de mandar Marines para Darwin, no norte da Austrália, movimento já analisado em outro artigo para Al Jazeera  [5]. Darwin é cidade bem próxima de outro gargalo – Jolo/Sulu, sudoeste das Filipinas.

Estreito de Malacca
O primeiro secretário-geral da OTAN, Lord “Pug” Ismay, cunhou o famoso mantra segundo o qual a aliança Atlântica deveria “manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães abaixo.” Hoje, o mantra da OTAN parece ser “manter os chineses fora e os russos abaixo”.

Mas o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [ing.Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida , que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar.   

A doutrina da Dominação de Pleno Espectro implica centenas de bases militares e agora também de sistemas de mísseis de defesa (ainda não testados). O que também implica, crucialmente, a ameaça mãe de todas as ameaças: capacidade para lançar o primeiro ataque.

Pequim, pelo menos por hora, não tomou a expansão do Comando dos EUA na África, Africom, como ataque aos seus interesses comerciais, nem tomou o posicionamento de Marines na Austrália como ato de guerra.

Mas a Rússia – tanto no caso da expansão dos mísseis de defesa posicionados contra Europa e Turquia, como na atitude de “sem conversas” sobre o Tratado CFE, e posicionada já contra os planos da OTAN para a Síria – está-se tornando bem mais incisiva.

Esqueçam a conversa de Rússia e China, “competidores estratégicos” dos EUA, serem tímidos na defesa da própria soberania, ou dados a pôr em risco a própria segurança nacional. Alguém aí tem de avisar aqueles generais no Pentágono: Rússia e China não são, não, de modo algum, Iraque e Líbia.



Notas dos tradutores

[2] 25/11/2010, Pepe Escobar, “EUA: como criança em loja de doces da OTAN”.
[3] Sobre a mesma reunião e o mesmo Comunicado Conjunto, ver 25/11/2011, MK Bhadrakumar, “BRICS bloqueiam os EUA no Oriente Médio”. 
[4]Comunicado Conjunto à Imprensa(em inglês). 
[5] 22/11/2011, Pepe Escobar, “Obama projects Pacific power (em inglês).

Turquia pronta para invadir a Síria


29/11/2011, *M K Bhadrakumar, Indian Puchline  
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

A Turquia e seus aliados ocidentais estão transferindo, para a Síria, os mercenários líbios que treinaram e armaram para depor Muammar Gaddafi. Cerca de 600 “voluntários” líbios já entraram na Síria. O jornal Daily Telegraph noticia que houve encontros secretos na 6ª-feira em Istambul, entre oficiais turcos, representantes da oposição síria e mercenários líbios. Infiltração de armas em grande escala, da Turquia e da Jordânia, já ocorre há meses, para criar condições para uma guerra civil na Síria, mas, até agora, não havia notícia de infiltração também de grande número de mercenários “voluntários”.

O movimento tornou-se necessário, porque o projeto de induzir grande número de deserções nas forças armadas sírias não produziu o resultado esperado (houve pouquíssimas deserções). A Turquia e as potências ocidentais precisam desesperadamente construir o mito de uma força síria “de resistência” contra o regime de Assad, sem o qual qualquer movimento contra a Síria estará exposto como o que realmente é, agressão nua e crua.

Moscou reagiu hoje: sugeriu firmemente que pode fornecer armas ao regime sírio, para sua autodefesa. O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Lavrov, parou um a um milímetro de dizê-lo claramente. Disse que qualquer embargo de armas para a Síria seria “injusto”. Moscou confirmou que uma esquadra de combate russa navega para a base russa no porto sírio de Tartus, no Mediterrâneo oriental, bem próxima da fronteira entre Turquia e Síria. Lavrov criticou a interferência estrangeira na Síria, mas sem citar Turquia, Jordânia, etc.

As coisas parecem estar andando céleres para a invasão. Sinal claro disso é que o vice-presidente Biden dos EUA, estará em Ancara no fim-de-semana. Com toda a certeza, lá estará para dar aos turcos o “sinal verde” dos EUA, para que ataquem a Síria, sem medo. E o rei Abdullah da Jordânia viajou outra vez para Israel. É o “canal oculto” direto entre Arábia Saudita e Israel e aliado regional chave da inteligência ocidental.

Verdade é que a Turquia está tendo de engolir o medo do desconhecido, e se exporá muito abertamente, com a intervenção armada na Síria.

Hoje, pela primeira vez, o ministro das Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davotoglu sugeriu que a Turquia esteja em preparação para invadir a Síria; à espera, apenas, do “sinal verde” dos aliados ocidentais. Foi o que quase disse, pouco antes de uma reunião de ministros de Relações Exteriores da União Europeia e representantes da Liga Árabe (leia-se: Arábia Saudita e Qatar).  

O dia dessa fala de Davutoglu, 29 de novembro, ficará marcado na crônica da República Turca que Kemal Ataturk fundou. A “linha vermelha” que Ataturk fixou determinava que em nenhum caso a Turquia se deixaria envolver nas questões do Oriente Médio muçulmano e que, em vez disso, se dedicaria à “modernização” do país. Evidentemente, o governo islâmico, hoje no poder, entende que a Turquia já é suficientemente “moderna” e já pode voltar atrás e ir à guerra para reclamar seu legado otomano. 

Haver exército turco em ataque a país árabe – isso é virada histórica. Faz um século que os turcos foram vencidos pela “revolta árabe”. A coincidência pinga de ironia.

A revolta árabe contra os turcos foi instigada pela Grã-Bretanha. E a Grã-Bretanha, embora seja hoje poder muito enfraquecido, ainda desempenha papel seminal, com a diferença que, hoje, está empurrando os turcos de volta ao mundo árabe. Há cem anos, a Grã-Bretanha conseguiu empurrar os árabes contra os turcos. Hoje, os turcos dão as mãos a alguns árabes, contra outros árabes.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Inteligência iraniana impõe dura derrota à CIA-EUA


Mahan Abedin

30/11/2011, Mahan Abedin, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


A prisão de 12 espiões que trabalhavam para a CIA-EUA, anunciada recentemente pelas autoridades iranianas, pode vir a revelar-se muito duro golpe contra os esforços da agência norte-americana que busca coletar informações sobre o Irã e, no geral, contra toda inteligência dos EUA. Essas prisões recentes acontecem imediatamente depois da prisão, em maio passado, de outros 30 suspeitos de também trabalharem para a CIA; e indicam que o Irã já conta com importantes capacidades de contrainteligência.

Os mais recentes sucessos iranianos são reforçados pela descoberta e desmontagem de uma cadeia de espionagem da CIA que operava dentro do grupo Hezbollah no Líbano. Todas essas notícias já foram confirmadas, muito a contragosto, por atuais e antigos funcionários da inteligência dos EUA – o que sugere fortemente que se trate, sim, de grave derrota da inteligência dos EUA, ou, mesmo, de desastre de grandes proporções.

Recentes sucessos da contrainteligência do Hezbollah contra Israel e EUA (em junho, o Hezbollah prendeu dois espiões da CIA que trabalhavam infiltrados na organização) são outros bons resultados devidos, pelo menos em parte, à crescente colaboração que o Hezbollah tem recebido da contrainteligência iraniana.

Fontes do jornal Asia Times Online em Teerã dizem que, nos últimos meses, o Ministério de Inteligência e Segurança do Irã [ing. Ministry of Intelligence and Security (MOIS)] tem-se mostrado mais disposto a partilhar técnicas e know-how extremamente sensíveis de contraespionagem, com o Hezbollah e com os serviços oficiais da inteligência do Líbano.

Quanto à prisão, no Irã, dos 12 suspeitos de espionar a serviço da CIA, além de ser indicação clara da escalada de missões clandestinas da inteligência dos EUA dentro do Irã, há duas observações necessárias. Primeira: é patente que a CIA opera hoje sob baixos padrões de qualidade, seja no recrutamento seja na gestão de seu pessoal. Segunda: há sinais de que o Ministério de Inteligência e Segurança do Irã já está conseguindo converter o Irã em espaço inacessível aos serviços de inteligência estrangeiros hostis.

Informação obtida de muitas fontes na imprensa iraniana – e confirmada por fontes de Asia Times Online em Teerã – sugere que a CIA estaria operando sem objetivo claro (‘atire para todos os lados’), e recolhendo informação de praticamente qualquer cidadão.

Em maio, circularam notícias de que haveria “operadores” do governo entre os suspeitos de espionagem então presos; agora, o ministro da Inteligência do Irã Heydar Moslehi já disse a jornalistas locais, no domingo, que não há funcionários do governo entre os 12 novos suspeitos de espionagem presos.

Falando dos bastidores da reunião semanal do Gabinete, Moslehi deu fortes indícios de que muitos, se não todos os presos recentes são ou jovens cientistas ou estudantes de famílias abastadas que viajam frequentemente ao exterior, em viagens de estudos ou para congressos e seminários científicos.

Informação que se encontra em muitos veículos da mídia iraniana ao longo dos últimos seis meses – e também confirmada por fontes de Asia Times Online em Teerã – parece indicar que, além do alvo principal (o programa nuclear iraniano e o establishment de defesa do país), a CIA opera também conta outros alvos dentro do Irã: o sistema bancário e financeiro iraniano; as redes de logística e transporte (principalmente transporte aéreo); o planejamento urbano; o setor de petróleo e gás; e a indústria de softwares, principalmente empresas privadas que criam e operam os programas especialistas usados dentro do governo iraniano.

Mais especificamente, a CIA parece interessada em descobrir e entender como o Irã está conseguindo contornar e superar as sanções internacionais e unilaterais impostas por EUA e países europeus; como e em que extensão o Irã está usando o sistema financeiro internacional para manter em andamento vários projetos críticos, e os negócios do dia-a-dia da vida do país; vulnerabilidades que haja na rede logística e de transportes; os níveis de prontidão e preparo das organizações iranianas de socorro humanitário e resposta a emergências; e, em termos mais gerais, a resistência da infraestrutura iraniana crítica que esteja disponível para operar no país no caso de grande desastre ou longo período de estresse (como, evidentemente, se o país for militarmente atacado).
 
Para alcançar esses objetivos, o Serviço Nacional Clandestino [ing. National Clandestine Service (NCS)] da CIA criou uma equipe dedicada de operadores e analistas, que trabalham, basicamente, em países que têm fronteiras com o Irã, mas também mais longe, especialmente em países onde vivam número significativo de estudantes iranianos, como a Malásia.

Essa rede dedicada é excepcionalmente bem treinada. Por exemplo, todos esses agentes de campo e analistas têm de ser falantes super eficientes da língua persa e ter competências de alto nível nas “trocas interculturais”.

Há sinais de que a CIA-EUA começou a construir essa vasta rede dedicada em 2003; e em meados de 2008, a maioria dos agentes já estava em campo. Tudo isso ajuda a ver a extensão e a importância dos recentes sucessos da contrainteligência do Irã, a qual, agora, já expôs, neutralizou e tornou inócuos praticamente todo o gigantesco aparato e vastos investimentos da contrainteligência da CIA-EUA no país.

Ao longo das investigações e trabalho especializado de contraespionagem, o Ministério de Inteligência e Segurança do Irã diz já ter identificado 42 oficiais do NCS-CIA que trabalham em vários países e já ter recolhido informação detalhada sobre o objetivo e a natureza de seu trabalho.

As equipes desse serviço NCS-CIA parecem trabalhar embutidas em várias organizações oficiais e não oficiais dos EUA, como embaixadas dos EUA, corporações multinacionais, organizações comerciais de porte médio, consultorias e empresas de recrutamento de empregados, serviços de imigração e outros serviços oficiais mais amplos, em universidades e instituições para-acadêmicas de renome, e em institutos, think tanks e empresas menos conhecidas.

Se se pode crer em matérias distribuídas pela imprensa online iraniana, a obsessão com cientistas e estudantes iranianos de ciências pode ter sido o calcanhar de Aquiles da operação, a partir do qual toda a operação pôde ser desmontada. Já se sugeriu que a existência de uma rede de 30 pessoas e suas sub-redes, já desmanteladas no início desse ano (anúncio feito no final de maio) chamou a atenção das autoridades iranianas graças a informações prestadas voluntariamente por um estudante iraniano que suspeitou, ao ser abordado por uma instituição para-acadêmica (que lhe ofereceu bolsas de estudo e dinheiro), na Malásia.
 
O Ministério de Inteligência e Segurança do Irã passou então a investigar aquela instituição e rapidamente descobriu que mantinha contato direto com a CIA. A partir daí, a investigação ganhou fôlego e, em pouco tempo, mais de trinta suspeitos de atividades de espionagem foram identificados e localizados.

Já se sabe que 75% dos acusados de espionagem esse ano têm altas qualificações acadêmicas. Por um lado, pode sugerir novidade na abordagem pela CIA, que agora andaria à caça de cientistas iranianos e estudantes mais bem dotados, pensando em recolher informações a serem utilizadas em curto e médio prazos.

Mas, por outro lado, o fato de estarem sendo abordados estudantes “em geral” (não agentes ou funcionários do governo que têm acesso a informação de melhor qualidade), indicam, também, que a CIA está sem rumo, pressionada pelo tempo e pelo desespero; indica que a Agência não está em condições de selecionar melhor nem a informação que mais lhe interesse nem o melhor informante a recrutar, e tem de operar com recrutas “de baixo nível”, na esperança de poder “aquecer” rapidamente esses agentes “frios”, uma vez que esses estudantes e cientistas só muito raramente têm acesso a qualquer tipo de informação realmente classificada – além de serem alvos sempre expostos às investigações dos serviços da inteligência iraniana.

Não há dúvidas de que, depois desse mais recente sucesso da inteligência do Irã, as próprias organizações iranianas (entre as quais os serviços de inteligência do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, mas, igualmente, todo o establishment iraniano de defesa) estão em melhores condições para operar, livres de inúmeros espiões dos EUA e, em todos os casos, mais seguros do que antes.

Além do mais, pode-se dizer que, quanto mais a CIA vê-se obrigada a baixar os critérios de exigência e a ter de recrutar agentes “frios”, a própria CIA passa a expor-se a riscos maiores, no longo prazo, e mais difícil vai-se tornando a operação dentro do Irã, uma vez que já está bem provado que o Ministério de Inteligência e Segurança do Irã é, sim, perfeitamente capaz de desmontar as redes norte-americanas de espionagem e, como se viu, bem no início daquelas operações.

Em resumo, parece haver hoje certa disparidade entre as tentativas de escalada, nos movimentos de espionagem da CIA no Irã, e a eficácia das respostas de contraespionagem que saem do Ministério de Inteligência e Segurança do Irã. Não parece haver qualquer dúvida de que, hoje, os espiões iranianos estão vencendo essa disputa.

Contudo, apesar de haver progressos muito visíveis nas capacidades de contraespionagem no Irã, o país ainda não alcançou o ponto em que as atividades de espionagem dentro do país tornem-se proibitivas custosas, a ponto de agências ocidentais não conseguirem operar lá. De fato, hoje, todos os serviços secretos dos principais países ocidentais, do Leste Europeu, dos EUA e de Israel ainda operam, ou diretamente dentro do Irã, ou fora, associados a elementos da diáspora iraniana.

Seja como for, há claros sinais no ar de que, em termos exclusivamente de guerra de inteligência (que nada tem a ver com ações de sabotagem e “assassinatos pré-definidos” [targeted assassinations]), o Irã já começou a virar o jogo.

A PEDRA DE DAVI


Raul Longo

pedra
pedra
voa
voa.

Pedra, cumpre
tua sina

voa
pedra
pedra
a que se destina.

cumpre
a risca
o voo
sobre a vergonha
do muro
a covardia
do tanque
o medo
da mão
que segura o fuzil.

voa pedra
acima do jato
mais rápida do que o míssil
além da guerra
na terra
onde não fique pedra
sobe pedra.

risca,
risca
pedra
a suástica
sionista
da estrela
nazista.

voa
voa
pedra.

cumpre
tua sina
Palestina!

Oposição social na era da Internet: Militantes “de teclado” e intelectuais públicos


James Petras

por James Petras [*]

A relação entre as tecnologias da informação, e mais precisamente a internet, com a política é uma questão central para os movimentos sociais contemporâneos. Tal como outros avanços tecnológicos no passado, as tecnologias da informação (TI) servem um duplo propósito: por um lado contribuem para acelerar os movimentos de capitais (sobretudo de capitais financeiros), facilitando uma globalização imperialista. Por outro, a internet fornece importantes fontes alternativas de análise, assim como uma forma fácil de comunicação, que pode servir para a mobilização dos movimentos populares.

A indústria das tecnologias da informação criou uma nova classe de multimilionários, que se estende de Silicon Valey na California até Bangalore na India. Estes desempenham um papel central na expansão do colonialismo econômico através do controle monopolista que exercem sobre as mais diversas esferas de difusão da informação e do entretenimento.

Parafraseando Marx: “a internet tornou-se o ópio do povo”. Novos e velhos, empregados e desempregados, todos eles passam horas passivamente contemplando espetáculos, pornografia, videojogos, consumindo online e até acedendo a “notícias”, isolados dos restantes cidadãos e trabalhadores.

Em muitas ocasiões, a superabundância de “notícias” na internet, absorve tempo e energia, desviando os “observadores” da reflexão e da ação propriamente dita. Assim como a escassa e tendenciosa informação dos meios de comunicação de massas distorce a consciência popular, o excesso de mensagens na internet pode imobilizar a ação dos cidadãos.

A internet, propositadamente ou não, “privatizou\particularizou” a vida política. Muitos ativistas potenciais foram levados a acreditar que o envio de manifestos a outros cidadãos é um ato político, esquecendo-se que apenas a ação pública, incluindo a confrontação com os seus adversários no espaço público, nos centros das cidades assim como no campo, é a base da transformação política.

As tecnologias da informação e o capital financeiro

Recordemos que o ímpeto original que presidiu ao crescimento das tecnologias da informação partiu das necessidades das grandes instituições financeiras, bancos de investimento e dos especuladores, que pretendiam mover bilhões de dólares, de um país para o outro, de uma empresa para outra, de uma mercadoria para outra, com um simples toque de dedos.

A Internet foi a tecnologia motora do crescimento da globalização ao serviço do capital.

As tecnologias da Informação desempenharam um papel central na precipitação das duas crises financeiras da última década (2001-2002; 2008-2009). A bolha das ações de empresas ligadas às tecnologias da informação em 2001 foi o resultado da promoção e da sobrevalorização das empresas de software, desligadas da economia real. O crash financeiro global de 2008-2009, que se extende até hoje, foi consequência de pacotes computadorizados de ativos fraudulentos e de empréstimos imobiliários sub-financiados. As “virtudes” da internet, a velocidade com que transmite informação, revelaram-se, no contexto da especulação capitalista, um fator determinante da pior crise do capitalismo desde a Grande Depressão dos anos 30.

A democratização da Internet

A internet tornou-se acessível às massas enquanto mercado aberto à exploração comercial, alargando-se posteriormente a usos sociais e políticos, e, mais importante ainda: tornou-se um meio fundamental para informar o grande público da exploração e pilhagem que os bancos multinacionais impunham aos mais variados países e aos seus habitantes. A internet ajudou também a expor as mentiras que subjazem às guerras imperialistas dos Estados Unidos e da União Europeia no Médio-Oriente e no Sul da Ásia.

A internet tranformou-se assim num terreno contestado, numa nova forma de luta de classes, que engloba movimentos pró-democracia e de libertação nacional. Os maiores movimentos e os seus líderes, desde os guerrilheiros no Afeganistão aos ativistas pró-democracia no Egito, passando pelo movimento estudantil chileno e pelo movimento pela habitação popular na Turquia, todos eles contam com a internet para informar o mundo das suas lutas, dos seus programas, da repressão estatal de que são alvos, bem como das suas vitórias. A internet liga as diferentes lutas muito para lá das fronteiras nacionais – é uma ferramenta central para a construção de um novo internacionalismo que faça face à globalização capitalista e às suas guerras imperialistas.

Parafraseando Lenine poderiamos dizer que o socialismo do século XXI pode resumir-se na formula: “os sovietes mais a internet = socialismo participativo”.

A internet e a política de classe

É bom recordar que as tecnologias computadorizadas de informação não são “neutras” – o seu impacto político depende dos utilizadores e ativistas que determinam quem, e que interesses de classe, é que servem.

A internet serviu para mobilizar milhares de trabalhadores na China contra os exploradores corporativistas, na Índia mobilizou milhares de camponeses contra os especuladores latifundiários. Por outro lado, a OTAN utilizou sistemas de guerra fortemente computorizados para bombardear e destruir a Líbia independente. Os Estados-Unidos também utilizaram “drones” para enviar mísseis para matar civis no Paquistão e no Iêmen; ora esta técnica é controlada por uma inteligência computadorizada. A localização da guerrilha colombiana e os bombardeios aéreos utilizam a mesma tecnologia computadorizada. Em suma, as tecnologias da informação podem ter um duplo uso: podem ser utilizadas para a libertação dos povos, mas também podem servir os ataques imperialistas contra-revolucionários.

O neoliberalismo e o espaço público

A discussão acerca do “espaço público” assume frequentemente que “público” é sinônimo de uma maior intervenção estatal em prol do bem-estar da maioria: de uma maior regulação do capitalismo e de uma crescente proteção ao meio-ambiente. Por outras palavras aos atores “públicos” benignos opor-se-iam às forças privadas exploradoras dos mercados.

Num contexto de proliferação da ideologia e das políticas neoliberais, muitos autores progressistas escrevem sobre “o declínio da esfera pública”. Esta perspectiva negligencia o fato de a “esfera pública” ter vindo a ganhar uma importância crescente na sociedade, na política e na economia, beneficiando sempre o grande capital; mais concretamente o capital financeiro e os investidores estrangeiros. A “esfera pública”, neste caso o estado, é muito mais intrusiva na sociedade civil como força repressiva num momento em que as políticas neoliberais aumentam as desigualdades. Graças à intensificação e ao aprofundamento das crises financeiras, a esfera pública (o estado) assumiu um papel fundamental no resgate dos bancos falidos.

Devido aos enormes déficits fiscais provocados pela fuga aos impostos do capital, às despesas com as guerras coloniais e aos subsídios públicos às grandes empresas, a esfera pública (o estado) impõe uma austeridade de classe, cortanto despesas sociais e prejudicando os funcionários públicos, os reformados e os trabalhadores assalariados das empresas privadas.

A esfera pública reduziu o seu papel no setor produtivo da economia. No entanto, o setor militar cresceu com a expansão das guerras coloniais e imperialistas.

A questão fundamental que subjaz a qualquer discussão acerca da esfera pública e da oposição social não é a do seu crescimento ou declínio, mas antes a dos interesses de classe que definem o papel dessa esfera pública.

No contexto do neoliberalismo, a esfera pública está orientada para a utilização do tesouro público no resgate dos bancos, para o militarismo e para uma larga intervenção policial estatal. Uma esfera pública dirigida pela “oposição social” (trabalhadores, agricultores, profissionais, empregados) alargaria o campo de ação da esfera publica no que toca à saúde, à educação, às pensões, ao ambiente e ao emprego.

O conceito de “esfera pública” tem duas faces (como Jano): uma olha para o capital e para o setor militar; a outra para a oposição laboral/social. A internet está também subordinada a esta dualidade: por um lado, facilita grandes movimentos do capital e rápidas intervenções militares imperialistas; por outro, fornece à oposição social um fluxo de informação rápido que permite a sua mobilização. A questão fundamental é a de saber que tipo de informação é transmitida, a que atores políticos ela é transmitida e que interesse social serve?

A Internet e a oposição social: a ameaça da repressão estatal

Para a oposição social, a internet é antes de mais uma fonte vital de informação alternativa crítica, capaz de educar e mobilizar os dirigentes progressistas, os profissionais, os sindicalistas e os líderes camponeses, os militantes e os ativistas. A internet é uma alternativa aos meios de comunicação capitalistas e à sua propaganda, uma fonte de notícias e informações que transmite manifestos e informa os activistas acerca dos locais das intervenções públicas. Graças a este papel progressista como instrumento da oposição social, a internet está sujeita a uma forte vigilância por parte do aparelho repressivo policial e estatal.

Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 800 mil funcionários são utilizados pela policia de “Segurança Interna” para espiar milhares de milhões de emails, faxes e chamadas telefônicas de milhões de cidadãos americanos.

Saber quão efetivo é o policiamento diário de toneladas de informação é outra questão. Mas o fato é que a internet não é uma “fonte livre e segura de informação, debate e discussão”. Com efeito, quanto mais eficaz se torna a internet na mobilização de movimentos sociais que se opõem ao estado imperialista e colonial, mais provável se torna uma intervenção por parte da polícia e do estado com o pretexto de “combater o terrorismo”.

A internet e a luta contemporânea: uma relação revolucionária?

É tão importante reconhecer a importância da internet enquanto detonador de determinados movimentos sociais como relativizar a sua importância global.

A internet teve um papel fundamental na divulgação e mobilização de “movimentos espontâneos”, como o dos “indignados” espanhóis, na sua maioria jovens desempregados e sem filiação partidária, ou na americana “Ocupação de Wall Street”. Noutros casos, como o das massivas greves gerais em Itália, Portugal, na Grécia e em tantos outros sítios, as confederação sindicais organizadas tiveram um papel central e a internet um impacto apenas secundário.

Em países altamente repressivos, como o Egito, a Tunísia e a China, a internet tem um papel fundamental na divulgação de intervenções públicas e na organização de protestos de massas.

No entanto, a internet não levou a qualquer revolução bem sucedida – ela pode informar, ser um local de debate, e mesmo mobilizar, mas não pode oferecer a liderança e a organização necessárias a uma ação política consistente e muito menos fornecer uma estratégia de tomada do poder estatal. Comprova-se assim que a ilusão, alimentada por alguns gurus da internet, de que a ação "computadorizada" pode substituir um partido político disciplinado, é falsa: a internet pode facilitar o movimento, mas apenas uma oposição social organizada lhe pode dar uma direção tática e estratégica capaz de o manter vivo face à repressão do estado e de levá-lo a lutas bem sucedidas.

Ou seja, a internet não é um “fim em si mesmo” – a postura autocongratulatória dos ideólogos da internet, anunciando uma nova época de informação “revolucionária”, ignora o fato de que OTAN, Israel e os seus aliados e clientes utilizam a internet para lançar vírus e destruir economias, para programas de defesa anti-sabotagem e para promover levantamentos étnico-religiosos. Israel enviou vírus danosos para travar o programa nuclear pacífico do Irã; os Estados Unidos, a França e a Turquia instigam, na Líbia e na Síria, uma oposição social capaz de servir os seus interesses.

Em resumo, a internet tornou-se um novo terreno de luta de classes e de luta antiimperialista. A internet é um meio e não um fim. A internet é parte dessa esfera pública, cujos objetivos e resultados são determinados pela estrutura de classe em que se integra.

Comentários finais: “militantes de teclado” e intelectuais públicos

A oposição social é definida pela intervenção pública: pela presença das coletividades nos comícios políticos, pelos indivíduos que discursam em encontros públicos, por ativistas que se manifestam em praças públicas, sindicalistas militantes que defrontam os patrões, pessoas pobres que exigem aos governantes locais para morar e serviços públicos...

Discursar ativamente num comício público, formular ideias e programas, propor estratégias através da ação política, constitui o papel de um intelectual público. Sentar-se a uma secretária num escritório para, num esplêndido isolamento, enviar cinco manifestos por minuto define um “militante de teclado”. Esta é uma forma de pseudo-militância que separa as palavras dos atos. A “militância” de teclado é um ato de inação verbal, de "ativismo" inconsequente, uma revolução mental de faz-de-conta.

A comunicação via internet torna-se um ato político quando se enquadra em movimentos sociais que desafiam o poder. Necessariamente, isto envolve riscos para um intelectual público: desde ataques policiais no espaço público até represálias econômicas na esfera privada. Os “ativistas de teclado" não arriscam nada e pouco realizam. O intelectual público faz a ligação entre o descontentamento dos indivíduos e o ativismo social da coletividade. O professor universitário vem ao local de ação, fala e regressa ao seu gabinete. O intelectual público fala e faz um compromisso pedagógico de longo termo com a oposição social na esfera pública, tanto através da internet como de frequentes encontros diários cara a cara.
20/Novembro/2011

[*] Intervenção como convidado no “Symposium on Re-Publicness”, Patrocinado pela Chamber of Electrical Engineers. Ancara, Turquia, 9-10/Dezembro/2011

Tradução de MQ.

Esta tradução foi extraída de Resistir.