domingo, 10 de julho de 2011

Todo o pessoal da redação (para nem falar do editor-chefe)


Alexander Cockburn
Alexander Cockburn, Counterpunch, 8-10/7/2011 (ed. fim de semana –
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


 “Nada como pressões competitivas para inspirar um editor-chefe ou um publisher, a convocar seus brucutus e arapongas. Só quando Murdoch, depois de comprar o Wall Street Journal em 2007, começou a ameaçar o nicho do New York Times, o Times, comandado pelo editor recentemente demitido Bill Keller, decidiu publicar, em setembro passado, em longa matéria, revelações sobre o escândalo dos telefones clonados pelo News of the World, de 2005; em seguida, começaram as revelações sobre os e-mails apagados da caixa de correspondência de Milly Dowler, de 2002. A matéria deu nova vida às denúncias contra o império de Murdoch”.

Depois de uma semana de “caso Strauss-Kahn” a ouvir jornalistas e especialistas a repetir que a justiça nos EUA seria melhor que a francesa, eis os EUA, agora, envolvidos na ‘questão’ imediatamente seguinte. A questão’, agora, é se o jornalismo dos EUA sobreviverá ao mergulho nas profundezas imundíssimas do escândalo do jornal News of the World– cujo fechamento a empresa de Murdoch, News International, anunciou. Para piorar, um dos ex-editores do mesmo jornal, Andrew Coulson, foi o principal assessor “de mídia” do ex-primeiro ministro inglês Cameron. Coulson já foi preso, acusado de “prática de corrupção e de grampeamento ilegal de telefones” durante o tempo que trabalhou como empregado de Murdoch e editor-chefe do jornal News of the World.

E se, por acaso, Rupert Murdoch construísse seu império ‘midiático’ nos EUA?

Como assim... “se”?! A primeira aventura norte-americanas de Rupert Murdoch já é velha de quase 40 anos! Ele fundou, nos EUA o jornal Star, e um tablóide semanal, para competir com os best-seller de supermercado, The National Enquirer, que chafurdava nas águas turvas dos escândalos de Hollywood e de crimes os mais horrendos.

Mas havia uma enorme diferença em relação aos tablóides britânicos. Nos EUA, The Enquirer e o Star jamais foram contabilizados como parte da “grande imprensa nacional”, como foi, na Inglaterra, o News of the World.  Não tinham qualquer influência política e não pregavam que seus eleitores votassem em alhos ou em bugalhos. Vendiam em lojas de conveniência e supermercados, para um público que nunca os trocaria pelo New York Times.

A imprensa autoproclamada respeitável, nos EUA, ignorava o Star e o Enquirer mesmo quando publicavam denúncias “quentes”. O Star, que Murdoch vendeu em 1990 à empresa-mãe que controlava o Enquirer, foi o primeiro jornal que tornou públicas, em janeiro de 1992, as atividades extra-cerca conjugal de Clinton, durante a campanha eleitoral à presidência. Clinton só sobreviveu, porque a matéria sobre seu longo romance com Gennifer Flowers, foi publicada noStar, e a informação pôde ser desqualificada, na “grande mídia”, por ter aparecido num mero “tablóide de escândalos”. 

O mesmo aconteceu com o Enquirer e John Edwards, que concorria à presidência, em 2008, e vivia vida dupla com a amante e com a esposa que morria de câncer. O Enquirer noticiou acuradamente a existência de um “filho do amor” de John e Rielle, no preciso momento em que Edwards se beneficiava, apresentado como vítima de mais um “tablóide”. Até que o Enquirer foi selecionado para concorrer a um prêmio Pulitzer de jornalismo... e a comissão julgadora, formada de respeitáveis “grandes” executivos da “grande” imprensa tomou as necessárias providências para que não fosse premiado.

Os dois jornais, o Star e o Enquirer eram dirigidos por jornalistas veteranos e nada autoriza a garantir que fossem, por traços genéticos inatos, talvez, de calibre moral muito superior à gangue que trabalha para Murdoch no News of the World,  ou que sentiriam arrepios “éticos” ante a ideia de grampear telefones ou violar correspondência real ou virtual, ou de manter relações corruptas com policiais etc.

A verdade é que o Enquirer chegava com tal facilidade à informação em tempo real, sobre os movimentos de Edwards e da amante que, em retrospectiva, parece razoável supor que tivesse jornalistas tão infiltrados na vida privada de seus personagens quanto o hacker Glenn Mulcaire, que tanto trabalhou para atender as encomendas e pautas dos editores do jornal News of the World.

O momento mais negro da imprensa dos EUA aconteceu nos anos 1940s e 1950s. O filme “A montanha dos sete abutres” [orig. Ace in the hole] de Billy Wilder, de 1951, e, seis anos depois, “A Embriaguez do Sucesso”, filme inesquecível de Alexander McKendrick, com Burt Lancaster na pele de personagem inspirado no colunista social Walter Winchell, imensamente poderoso, expuseram com precisão e profundidade a mesma corrupção moral de jornalistas e jornais que, hoje, tanto escandaliza os britânicos, quando se descobre que News of the World invadiu, em 2002, a caixa de correspondência de Milly Dowler.

Foi o tempo em que Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, trabalhava aplicadamente, todas as semanas, com jornalistas que publicavam em todo o país, como Winchell e Hedda Hopper, para destruir todos que, para ele, fossem comunistas, negros influentes e subversivos em geral. Em meados dos anos 1970s, o radicalismo estava em baixa e a aliança tática entre jornalistas, colunistas e policiais já não era decisivamente importante para interferir na vida política do país. No final dos anos 1970s, o jornalismo “de celebridades”, sobre Hollywood, tornou-se dominante, absolutamente controlado pelos grandes estúdios.

Murdoch começou com o Star, porque os jornais das grandes cidades não estavam à venda naquele momento. Então, em 1976, quando pôde, comprou o New York Post, e parece ter-se desinteressado do Star. 

Quando comprou o Post a “grande” imprensa tratou a venda do jornal liberal de Dolly Schiff como momento negro do jornalismo nos EUA. Time, Newsweek e a revista New York (mais tarde comprada também por Murdoch) publicaram caricatura de Murdoch na capa, como um macaco urrando no topo do Empire State. 

Adiante, com o império já em formação, mas com os jornais comprados valendo cada dia menos e as dívidas crescendo e devorando sua fortuna pessoal, Murdoch saiu de foco. Os jornais dos EUA, então, eram quase todos monopólios regionais.

Mas nada como pressões competitivas para inspirar um editor-chefe ou um publisher, a convocar seus brucutus e arapongas. Só quando Murdoch, depois de comprar o Wall Street Journal em 2007, começou a ameaçar o nicho doNew York Times, o Times, comandado pelo editor recentemente demitido Bill Keller, decidiu publicar, em setembro passado, em longa matéria, revelações sobre o escândalo dos telefones clonados pelo News of the World, de 2005. A matéria deu nova vida às denúncias contra o império de Murdoch.

O que começou na Grã-Bretanha em 2005 como “furto de terceira classe” de mensagens de voz, supostamente limitadas à invasão criminosa, por um jornalista do News of the World e um detetive, converteu-se lindamente, sete anos depois, em escândalo “grau 7” na escala “midiática”, que ameaça as carreiras de dois dos principais executivos de Rupert Murdoch, além, é claro, de ameaçar seriamente o futuro do herdeiro presuntivo do império da News Corp. James Murdoch. E pegou pelos calcanhares o velho magnata, aos 80 anos, ameaçando o triunfo financeiro com o qual sempre esperou comprar passe livre para o Valhalla.

Cameron ainda não acabara de mudar-se para Downing Street n. 10, quando nomeou Andy Coulson como seu conselheiro “de mídia”. Foi declaração de compromisso, uma vez que Coulson era conhecido personagem do arquipélago Murdoch e já trabalhara como editor de News of the World – emprego equivalente ao de supervisor da distribuição de material de esgotos não tratado, diretamente nos lares de 3 milhões de britânicos, todos os domingos. O fato de tê-lo nomeado definiu Cameron como mais um morador da Downing St n. 10 empenhado em produzir e servir o que Murdoch ordenasse, exatamente como Blair, antes dele. Mas a nomeação de Coulson foi erro que levou Cameron a cometer erro ainda mais estúpido. Depois que Coulson foi preso, Cameron recusou-se a desculpar-se publicamente por tê-lo contratado. Disse que aceitara a palavra de Coulson – que lhe dissera que nada tinha a ver com o escândalo dos telefones grampeados, quando trabalhara como editor do News of the World – e que não tinha motivos para não acreditar nele. Disse que Coulson era “e continua(va) a ser” seu amigo. O primeiro-ministro britânico defendeu Coulson. Exatamente como Murdoch defende sua editora de hoje, Rebekah Brooks.

Ainda nos primeiros estágios do escândalo dos telefones grampeados, Coulson demitiu-se da editoria, quando um jornalista do News of the World, Clive Goodman, e o detetive Mulcaire foram condenados por ter grampeado telefones de membros da Família Real. Com Goodman e Mulcaire na cadeia e Coulson demitido, os altos executivos de Murdoch sem dúvida contaram com que o escândalo estaria enterrado para sempre.

A primeira linha de defesa do jornal, naquele processo – que Goodman e Mulcaire seriam jornalistas free-lancers sem vínculo com o jornal, e que não haviam seguido o padrão “ético” do jornal – veio abaixo logo no início, pelo absurdo flagrante. Como disse Nigel Horne, editor-executivo do diário The First Post britânico, “A ideia de um jornalista bandido distribuir dinheiro sem o conhecimento do chefe é piada”. O jornal pagava 2.000 libras por semana ao detetive Mulcaire.

Dia 21/1/2005, Coulson deixou o cargo de assessor de “mídia” de Cameron, dizendo que tinha de cuidar de sua defesa no processo. 

Em 2002, o News of the World entrou ilegalmente na caixa de mensagens de voz de uma estudante desaparecida, Milly Dowler, imediatamente depois do desaparecimento. A notícia, publicada pelo Guardian inglês, na 2ª-feira passada, causou furiosa indignação na Grã-Bretanha.

Depois de gravar as mensagens, Mulcaire deletou mensagens mais antigas da caixa de mensagens de Milly Dowler, para deixar espaço para que o telefone recebesse as mensagens desesperadas da família e de amigos, que Mulcaire também interceptou e passou para os jornalistas do News of the World. Ao deletar as mensagens da caixa postal do telefone celular de Milly Dowler, o jornal levou a família a crer que a própria Milly esvaziara sua caixa postal, o que seria prova de que estaria viva. A família, cheia de esperanças, foi assunto do jornal por vários dias, que publicou entrevistas otimistas de familiares da jovem. Só o jornal, claro, sabia que nada havia que justificasse tantas esperanças.

Ao deletar as mensagens, o jornal também destruiu provas de crime sob investigação policial. Tanto a destruição das provas quanto o conteúdo das mensagens destruídas tiveram impacto negativo direto nas investigações sobre o desaparecimento de Milly.

Enquanto avança a sombria saga de News of the World impelida pelo material agora publicado pelo Guardian, vem-me à lembrança escândalo semelhante, muito norte-americano, que levou Richard Nixon a renunciar. Começou, de fato, quando um dos principais assessores de Nixon, John Ehrichman, formou uma “unidade de encanadores da Casa Branca”, com a específica tarefa de invadir telefones e escritórios, e despachou seus “encanadores” para o escritório de Daniel Ellsberg [que publicara os “Documentos do Pentágono”, sobre a guerra do Vietnã, vazados para o público], à procura de material que incriminasse Ellsberg. Se houvesse telefones celulares naquele tempo, também teriam sido invadidos.

Depois veio o falso “assalto” aos escritórios do Comitê Nacional do Partido Democrata, Os “assaltantes” lá entraram para instalar microfones clandestinos, mas foram apanhados. Foi quando, para Nixon, no início lentamente, os céus começaram a desabar. Foram dois anos. A investigação, por duas comissões do Congresso, com promotor independente e jornais dirigidos por adversários políticos de Nixon foram, aos poucos, empurrando a responsabilidade ladeira acima, diretamente rumo à Casa Branca, até chegar ao gabinete de John Ehrlichman. Para livrar-se de acusações de perjúrio e obstrução da justiça, vários suspeitos implicaram os superiores.

As revelações tornaram-se mais devastadoras, dia a dia. Nixon demitiu Ehrlichman. Por fim, um funcionário de baixo escalão da Casa Branca deixou escapar, numa audiência no Congresso, que Nixon gravara secretamente suas reuniões. A Promotoria exigiu que as fitas fossem apresentadas. Encontrou-se a indispensável “arma do crime”. Nixon renunciou poucos dias depois.

“Nunca acredite em coisa alguma, até que seja desmentida”, meu pai Claud costumava aconselhar a jornalistas jovens. Agora, aí está Murdoch a dizer que a principal executiva de News of the World na Inglaterra, Rebekah Brooks, estava em férias na Itália no momento em que outros executivos do News of the World pagavam 2 mil libras por semana a Mulcaire e enquanto a caixa de mensagens de Milly Dowler estava sendo invadida. Na Itália, com certeza, Brooks não tinha acesso a telefone, faxes e e-mails de Londres, em 2002. 

Nem bem o caso da rua Downing n. 10 saíra das manchetes, começaram as revelações de que Coulson autorizara que News of the World subornasse altos oficiais da Scotland Yard; consumiu nisso, no mínimo, 150 mil libras. Famílias de soldados britânicos no Iraque e no Afeganistão também tiveram e-mails e telefones grampeados. Telefonemas e e-mails indignados começaram a chover sobre o jornal, o que levou a um boicote de anunciantes.

Murdoch, ao começar a entender a crise, trabalhou, primeiro, claramente, para salvar o grande negócio em está construindo hoje – a proposta de 20 bilhões de dólares que sua empresa, News Corp., acaba de apresentar para comprar o pleno controle da enormemente lucrativa rede BSkyB (hoje, a News Corp. controla cerca de 40% da BSkyB). O governo Cameron já autorizara o negócio – argumentando que o escândalo do News of the World não seria relevante. Mas a fúria popular depois que se divulgaram detalhes da história de Coulson com a rua Downing forçaram Cameron a tentar ganhar algum tempo. Refugiou-se no conhecido valhacouto de tantos crimes e bandidos – criou uma comissão de inquérito para investigar as práticas do jornalismo britânico, comissão que ainda não tem objetivo explícito, nem prazos e cuja única função é esvaziar o escândalo revelado por alguns jornais, sobre outros jornais concorrentes. 

Os opositores de Murdoch argumentam que, em negócio tão importante, que afeta tão diretamente o controle de toda a televisão britânica, quanto a compra do controle acionário da BSkyB, os traços morais do comprador são obviamente relevantes.

No meio da semana, Murdoch tomou a decisão mais lógica, considerando que o News of the World está comprometido para sempre; que é fonte sem fim de problemas e de processos e acordos judiciais caríssimos; e que a carreira de Rebekah Brooks está acabada na Inglaterra. Seu filho James anunciou que News of the World será fechado. Que a última edição circula domingo, 10/7.

A cada semana sem o News of the World a empresa News International deixa de faturar mais de 2,5 milhões de libras. O jornal – que tem, de longe, a maior circulação nos domingos, na Grã-Bretanha: 2,66 milhões de exemplares – gerava 2 milhões de libras da venda em bancas e cerca de 660 mil libras de renda de anúncios, por semana. É muito, mesmo para os números estratosféricos da renda total da News International.

É o preço a pagar, para salvar o negócio da compra da BSkyB. Depois de curta quarentena, não há dúvidas de que o News of the World será substituído por edição dominical do outro grande tablóide de Murdoch na Grã-Bretanha. Talvez já no próximo outono, brote o Sun dominical. O escândalo não morrerá, porque as vítimas de telefones e e-mails invadidos já fazem fila nos tribunais à procura de acordos polpudos, e as investigações policiais com certeza levarão à prisão de outros jornalistas do News of the World. Mas é altamente provável que a cúpula das empresas escape da cadeia, a menos que Coulson – que claramente está sendo jogado aos tubarões – decida apresentar os documentos que, sem dúvida, ele tem. (...)

Poucos empregados e executivos de grandes corporações são mais sensíveis às tendências, desejos, opções partidárias e ideias morais dos superiores que os jornalistas. Murdoch, empresário que sempre jogou muito duro e pouca atenção deu aos princípios morais ou éticos ao longo de toda sua vida profissional, lança sua longa sombra escura sobre todo o jornalismo na Austrália, Grã-Bretanha e EUA [1]. Como dizem os desentupidores de canos, “a merda descendo pelo cano, o pagamento aparece, no fim do mês”. Da mais alta cúpula empresarial, até o menos afamado jornalista dessas redações, todos sempre se empenham muito em fazer o que os mandam fazer.
________________
Nota de tradução:
[1] Sobre as relações entre o grupo News Corp. de Murdoch, e o grupo Globo, no Brasil, ver: “Em 2004 Murdoch comprou parte da Globo, na bacia das almas”; sobre “Murdoch invade sua TV” de 20/10/2004, IstoÉ Dinheiro (matéria de Darcio Oliveira e Eduardo Pincigher, comentada pelo pessoal da Vila Vudu)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.