domingo, 31 de julho de 2011

A propósito de vermes e mentiras


 

Publicado em 31/07/2011 por Rui Martins

Berna (Suiça) - Me contou um emigrante brasileiro na Alemanha que lá o xingamento verme é utilizado pelo pessoal da extrema-direita com relação aos imigrantes. Seria a variante alemã para a expressão dos racistas franceses, sale étranger, que significa estrangeiro sujo. A palavra verme, embora chocante, nao é utilizada no Brasil, onde as ofensas têm outros nomes coloridos.

Seria necessário o autor explicar porque essa opção por uma ofensa com matizes europeias e próxima dos movimentos xenófobos e racistas, para não dizer neonazistas. Caso contrário, beiramos ai o paradoxo total ou a incompatibilidade do uso dessa expressão com a função do seu autor, líder emigrante, dono de uma empresa dirigida a emigrantes (vermes?) em Londres e, ele próprio representante de emigrantes no Conselho federal de emigrantes, dirigido por diplomatas do Itamaraty, conhecido como CRBE.

E já que citamos o CRBE, a cada dia surgem novas histórias para contar, desta vez é um paradoxo. O próprio autor do vocábulo não se desculpou, ao contrário, em outros textos no Fórum do Grupo Yahoo Brasileiras e Brasileiros na Europa, reafirmou sua expressão com certo sentimento de orgulho. E vem dai a dificuldade para se entender, pois como pode pleitear a expulsão de alguém acusado de denegrir a imagem do CRBE e, logo a seguir, colocar os pés no prato e comprometer a própria credibilidade desse mesmo CRBE diante dos emigrantes e autoridades federais, dirigindo-se a um colega conselheiro suplente com vocabulário de skin-head?

E o mais estranho é não ter havido uma provocação, não se trata de uma réplica num bate-boca. Imagina-se ter sido a leitura do texto do abaixo-assinado e das muitas assinaturas a ele anexadas que o levaram à imprecação. Mas se esta é realmente a causa do destempero vocabular, a coisa começa a ficar séria.

Vejam bem, minha expulsão foi pedida porque divirjo e defendo uma outra política para a emigração brasileira e para o CRBE. E o pessoal (meus amiguinhos e amiguinhas como foram catalogados) está assinando por considerar essa expulsão uma manifestação de zelo antidemocrático, de uma perigosa tendência para se proibir a pluralidade de opiniões e por considerar uma atitude ditatorial. Agora, se o próprio abaixo-assinado é alvo de outra reação de intolerância, chamando-se de verme o expulso e assimilando-se também a vermes os assinantes, surge o risco de aparecer uma proposta, dentro do CRBE, para se usar vermicida ou vermífugo, uma espécie de solução final para os vermes que incomodam os tão ativos e submissos membros titulares do CRBE.

Mas, felizmente, notei ter havido, quase de imediato, uma reação de desafio ao destempero do intolerante autor da ofensa. Alguns emigrantes decidiram considerar-se também vermes, wir sind wuermer, nos somos também vermes. A este respeito gostaria de destacar a reação da líder emigrante feminista Sandra Helena Torres Bello, em Berlim,

“...Por mais que leio não entendo a posição de alguns membros do CBRE. É mentira o pedido de expulsão do senhor Rui Martins ? É mentirosa a expressão de solidariedade ?
Nao vejo nenhuma vitimização do senhor Rui Martins . Ao contrário, vejo o embate político.
E as respostas recebidas são ofensivas a pessoa como “mau jornalista, “mentiroso”, “verme” e por ai vai... cadê a vontade de se relacionar com a comunidade? Comunidade e Conselho não deverá ser uma massa homogênea? Será constituído de forcas políticas , como no Congresso
Então Estado do Emigrante, Rede, CABE... e outras frentes políticas ocultas nesse espaço virtual deverão ser respeitadas ... a luta é ideológica , de encaminhamento ...
então...O Senhor Rui Martins está sendo “castigado” por algo que os castigadores nao conseguem formular ,
explicitar objetivamente ;
Um representante do CBRE chamar seu colega de Verme sabemos nós que essa palavra está na boca da extrema direita , daqueles que odeiam o diferente e o diferente somos nós migrantes . E aqui é alguém que pensa diferente da Rede, por isso é chamado de verme , por isso, tem uma processo de expulsão. Para manter essa hememonia com características fortes do racismo , do autoritarismo, da xenofobia , da elite . Eles se calam, não buscam a ética, que deverá estar acima de qualquer confraria ...
Ao Estado Brasileiro
Ao responsável pelo CBRE
como é isso ?
VERME VERME VERME VERME pode ?
pensemos tod@s as vezes que tal palavra foi proferida, foi em situação de extremidade da coisa feia.
Quem diz ao contrário, vai ficar assim?”

Respondendo a essa indagação de Sandra Bello, o membro suplente do CRBE pela costa oeste dos EUA, Sergio Mello, é taxativo –

“Quanto ao aspecto institucional do CRBE, o que tenta representar e como interfere nas relações e futuro dos brasileiros no exterior com MRE e ultimamente com o Governo do Brasil, a resposta é “não”, isso não vai ficar assim.
Aos Srs. e Sras., ativistas e líderes em suas comunidades, chegou a hora e exigirmos um padrão condizente a nossas necessidades. Hora de exigir de nossos representantes uma postura isenta de interesses e bagagem pessoal. Uma conduta que represente não só os interesses dos constituintes, mas também de decoro e profissionalismo, para o bem de 3+ milhões e brasileiros, e da própria instituição para a qual pediram votos e foram eleitos. Pois ser voluntário não significa ser amador, ou ser “representante” não significa estar acima de críticas ou acima de conduta respeitosa.
P.S.: O ímpeto desta mensagem vem do que o Sr. Marcos Romão expressou anteriormente: O insulto a um brasileiro (especialmente por outro brasileiro) é um insulto a todos/as brasileiros/as. Temos o dever para com nós mesmos, de rejeitar e lutar contra abusos a nossa gente, venham estes de onde vierem. Como em todas as lutas de direitos humanos pela história, nossos piores inimigos estão dentro do próprio movimento.”

E já que foi citado, aqui esta a reação quase imediata do líder emigrante em Hamburgo, na Alemanha, Marcos Romão, responsável pela Radio Mamaterra –

“Ao xingar um cidadão brasileiro migrante de verme, você (o autor, Carlos Mellinger, de Londres, titular do CRBE) ultrapassou o Rubicâo do respeito humano. Muito tempo na Europa pode fazer a boca torta para o lado direito. Lado que usa e abusa do termo verme, quando nos atacam como estorvo. Usar esta terminologia é uma agressão a todos nós migrantes. Considere.”

Quero deixar bem claro, para não haver confusões, de minha parte minha divergência quanto ao CRBE não tem cunho pessoal. Como tenho afirmado em meus escritos e em Berlim, como em Genebra, Zurique e como afirmei dentro do próprio Itamaraty, acho que os emigrantes precisam ter uma orgão institucional emigrante independente. Não precisam ser tutelados pelo Itamaraty num CRBE sem qualquer autonomia. Minha divergência com a política brasileira de emigração é ideológica e conceitual, qualquer explicação baseada em questões pessoais é incorreta.

Outro membro titular do CRBE, tentando defender o autor da ofensa e explicar porque foi o principal articulador de minha expulsão do Conselho de Emigrantes, no mesmo Fórum Yahoo citado, utiliza de acusações pessoais e mentirosas. Basta-me um argumento - que se mostre e se use o vídeo da reunião em que ocorreram tais acusações.

E para concluir, uma triste constatação - ao contrario do que pensa meu colega Sergio Mello, nada ocorrerá.

E se eu não for expulso, em consequência das pressões atuais, se achará uma maneira de se impedir meu retorno pessoal na assembléia da Conferência Brasileiros no Mundo.

Existem coisas inexplicadas ate hoje - a proposta por uma Comissão de Transição aprovada na I Conferencia e desaparecida da Ata Consolidada. E algo bastante revelador - quando o titular Silair Almeida não pôde comparecer ao primeiro dia da reunião dos titulares do CRBE, em maio em Brasília, sua suplente Adriana Sabino ocupou, como de direito seu lugar. Entretanto, quando o titular Flavio Carvalho declarou só poder participar de dois dias de trabalho, nessa mesma reunião, o Itamaraty negociou rapidamente sua liberação pelo Consulado de Barcelona, para não faltar nenhum dia. Coincidência? Na ausência do titular Flavio Carvalho, seria eu o substituto.

Em outras palavras, o CRBE foi criado para dançar uma certa melodia, quem não gosta ou é expulso ou marginalizado, enquanto se desfecha toda uma campanha de ataques pessoais para que se demita ou desapareça. Como sou resistente, o jeito é expulsar. E enquanto a presidente Dilma não vir isso, e não houver alguém grande lá em Brasília para denunciar, nada vai mudar.


Rui Martins – jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.

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