quinta-feira, 7 de julho de 2011

BRICS vs. G7: a Líbia é pretexto

O Estado de S.Paulo é “jornalismo” a serviço do G7! Há provas!

Vijay Prashad
7/6/2011, Vijay Prashad,  Counterpunch
Traduzido e apontado pelo pessoal da Vila Vudu

Onde e quando se deram o trabalho de noticiar, jornais e jornalistas nos países do G7 só souberam zombar das duas visitas do presidente da Federação Mundial de Xadrez Kirsan Nikolayevich Ilyumzhinov  a Trípoli. O mote foi “Gaddafi joga xadrez, enquanto o país arde”. 

Ilyumzhinov não é mestre em xadrez. De 1993 a 2010, foi presidente da Kalmykia, pequena república da Commonwealth of Independent States (CIS) [1]. Ilyumzhinov tornou-se presidente da Federação Mundial de Xadrez em 1995, usando o posto para levar os campeonatos de xadrez para a capital da Kalmykia, Elista, várias vezes; uma vez tentou realizar o campeonato em Bagdá (1996) e uma vez realizou-o em Trípoli (2004). Seu xadrez não é da qualidade do de Viswanathan Anand  ou de Boris Gelfand, mas é homem tão excêntrico quando a maioria dos grandes jogadores de xadrez (acredita que o xadrez foi trazido a esse planeta por alienígenas).

Dia 12 de junho, Ilyumzhinov estava em Trípoli, jogando xadrez com Gaddafi. Quando ficou claro que venceria a partida, Ilyumzhinov declarou o empate. Depois da viagem, o enviado da Rússia à África, Mikhail Mergelov, disse que, antes da viagem, conversara com Ilyumzhinov: “Aconselhei-o a jogar com as brancas. E a deixar Gaddafi convencido de que estaria próximo de vencer a partida”.

Não é raro que a Rússia envie mensageiros pouco ortodoxos. Ilyumzhinov esteve em Bagdá pouco antes do reinício da Guerra do Golfo em 2003, onde se encontrou com Uday, filho de Saddam Hussein. Que mensagem levava então? Que mensagem levou agora?

Nos dias 3-4/7, o Conselho Rússia-OTAN reuniu-se em Sochi, balneário no Mar Negro. O principal item da agenda, para a OTAN, era tranquilizar a Rússia, acalmar-lhe as penas muito arrepiadas. O Conselho foi criado em 2002 para assegurar que as crescentes tensões entre os dois lados não levassem a Rússia a posicionar-se contra a “Guerra ao Terror”. A marcha acelerada da OTAN rumo ao leste, que atraiu para sua agenda alguns estados do bloco oriental, aconteceu imediatamente depois da guerra aérea da OTAN na Yugoslávia (1999) e depois, a partir de 2001, no Afeganistão. Todos esses movimentos deram a Moscou a impressão de que estava sendo cercada. A insistência de Bush na questão do escudo de mísseis, e o esforço dos EUA para enfiar a OTAN nos seus próprios planos de defesa agitaram Moscou. A guerra na Ossétia do Sul, em 2008, permitiu que Moscou flexionasse os músculos.

Ao longo da última década, a Rússia aproximou-se da nova formação que brotou do Movimento dos Não Alinhados, o G-15, e do grupo Índia-Brasil-África do Sul [ing. India-Brazil-South Africa (IBSA). A China reuniu-se ao IBSA para bloquear as novas regras de comércio que teriam sido aprovadas em Cancun (2003) e para formular uma agenda comum na reunião de Copenhagen (2009) sobre o clima. Essas discussões e a criação de uma plataforma comum criaram a formação conhecida como BRICS, que se reuniu em abril de 2011 em Hainan, China. A Rússia, que se desencaminhara em algum ponto, entre seu próprio passado de Guerra Fria e a subserviência de Boris Yeltin aos EUA, encontrou novo alento diplomático nas locomotivas do Sul Global.

Em Hainan, em abril, as potências BRICS criticaram muito fortemente a guerra da OTAN contra a Líbia, e formularam os princípios que apareceriam na declaração, dia 15 de junho, do Comitê Ad-Hoc de Alto Nível da União Africana sobre a Líbia [ing. African Union High Level Ad Hoc Committee on Libya] na ONU. 

Os BRICS exigiram acordo negociado. Ruhakana Rugunda, de Uganda, representou a União Africana na reunião da ONU, onde disse sem meias palavras:

“Não é inteligente que alguns atores deixem-se intoxicar pela superioridade tecnológica e passem a supor que, sozinhos, conseguiriam alterar o curso da história rumo à liberdade para toda a humanidade. Com certeza, nenhuma constelação de estados deve supor que possa recriar alguma hegemonia sobre a África.”

(Rugunda era representante de Uganda à ONU. Acaba de ser transferido para gabinete burocrático, doméstico). A União Africana disse à ONU que, dada a experiência que adquirira em Burundi, estava capacitada para conduzir a negociação e a transição na Líbia.

Foi esse o contexto em que os russos envolveram-se na questão líbia, com alguma diplomacia de xadrez, ao mesmo tempo em que tentavam empurrar as muralhas da OTAN. Em Sochi, o presidente russo Medvedev convidou o presidente da África do Sul Jacob Zuma, que comandava os esforços da União Africana na Líbia, para que se juntasse às conversações. 

Zuma disse aos chefes da OTAN que eles já haviam ultrapassado e desconsiderado duas Resoluções da ONU (n. 1.970 e 1.973), e que não tinham outra alternativa além de negociar. Se os chefes da OTAN pudessem pressionar o Conselho Transicional em Benghazi para que retrocedessem da posição maximalista (Gaddafi tem de sair imediatamente) – Zuma sugeriu – abrir-se-ia uma via para conversações de paz. 

Os comandantes da OTAN ouviram Zuma contar sobre o Marco Geral de Acordo Político da União Africana [ing. AU’s Framework Agreement on a Political Settlement] e assistiram aos aplausos de Medvedev, que muito elogiou a União Africana pelo trabalho e pelo “Mapa do Caminho” que haviam trazido. Rússia e União Africana ofereceram-se para convencer Gaddafi a aceitar o Mapa do Caminho. E caberia à OTAN convencer o Conselho Transicional em Benghazi a fazer o mesmo.

A OTAN deixou Sochi sem se deixar perturbar com as preocupações russas sobre os mísseis de defesa e fez promessas anódinas para a próxima reunião em Chicago. Quanto à Líbia, não houve progresso.

A Líbia é o primeiro campo de batalha de uma nova “guerra fria” – dessa vez não mais entre EUA e Rússia, mas entre o G7 (e seu braço militar, a OTAN) e os BRICS (que não têm braço militar). Os G7 comandam os céus e uma retórica cada vez mais altissonante sobre “liberdade” – mas não têm base econômica nem qualquer noção do que seja processo político democrático, dois atributos que não se adquirem com bombardeio aéreo.

Os BRICS não conseguiram organizar-se em torno de seu candidato para a presidência do FMI; assim, até aqui, ainda não conseguiram articular uma alternativa para as estratégias deflacionárias das organizações financeiras internacionais. No plano das políticas econômicas, em outras palavras, os BRICS foram menos bem-sucedidos. 

Mas no campo da política internacional, sim, perturbaram profundamente o G7. Sobre a Síria, os BRICS não deixarão passar na ONU nenhum tipo de resolução mais dura. O ponto é que, na Líbia, a OTAN malversou o mandado que recebeu da Resolução n. 1.973; há risco de que repitam a mesma malversação na Síria. 

A posição do G7 a favor de ataque à Síria foi exposta pelo representante francês à ONU, em artigo publicado dia 13/6, no jornal brasileiro O Estado de S.Paulo. O G7 espera seduzir os brasileiros, longe do que os franceses vêem como a teimosia dos sul-africanos, que seriam “intratáveis” e “obcecados”. 

Os BRICS tentaram impedir que a Resolução n. 1.973 passasse da primeira mesa de discussão, mas, daquela vez, Zuma cedeu, depois de receber telefonema pessoal de Obama. O empenho com que se dedica hoje ao caso da Síria talvez seja tentativa de compensar a defecção de então, da África do Sul, no bloco dos BRICS.

Ilyumzhinov, agora já declarado enviado russo à Líbia, chegou a Trípoli no fim de semana. Encontrou-se com Muhammed, filho de Gaddafi, o qual, esse, sim, é bom jogador de xadrez e dirige a federação oficial de xadrez. Ilyumzhinov ouviu que Gaddafi morrerá em terra líbia, apesar de um alto funcionário russo ter dito ao jornal Kommersant que Gaddafi sugerira, em entrelinhas, que deixaria o poder se recebesse “garantias de segurança”. Mas em nenhum caso sairá de lá antes de haver negociações; e os líderes em Benghazi não iniciarão conversações antes da saída dele. 

Benghazi é imagem especular das posições da OTAN. Os BRICS já não estão investindo na permanência de Gaddafi (já não se diz “irmão líder” nas reuniões da União Africana). Os BRICS querem simplesmente encontrar uma saída racional para o conflito. A guerra da Líbia já não é questão que envolva só a Líbia, nem tem qualquer coisa a ver com a Primavera Árabe.

Na Líbia se está testando uma transição, do “Século Americano” para a era das locomotivas globais do Sul. EUA, G7 [e o jornal O Estado de S.Paulo  (NTs)] não aceitarão transição tranquila.

A história os julgará pelo empenho reacionário. 



Nota dos tradutores

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