domingo, 26 de junho de 2011

Pequim e Moscou, depois da reunião da Organização de Cooperação de Xangai

A longa marcha contra Pentágono/OTAN

Pepe Escobar
22/6/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Afinal, o que realmente resultou da reunião anual da Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organisation (SCO)], semana passada, no Cazaquistão?

Comparada às expectativas ensandecidas, foi coisa bem prudente e moderada: mais um ‘mapa do caminho’, que mudança de jogo. Mesmo assim, China, Rússia e quatro ‘stãos’ da Ásia Central – Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão – foram bem além do cardápio previsível de cooperação em questões de segurança/economia.

A Organização de Cooperação de Xangai (SCO) incluiu incremento de países asiáticos, mas tradicionais potências ocidentais não foram convidados a participar [EPA]

Nursultan Nazarbayev, o “leopardo da neve” do Cazaquistão, anfitrião e presidente do encontro, disse detalhadamente que a Organização de Cooperação de Xangai continuará a combater o terrorismo e a ciber-narco-criminalidade, ao mesmo tempo em que tentará equacionar a delicada questão da distribuição da água na Ásia Central – capítulo chave das guerras globais pela água, que estão começando. 

Mas disse também que a Organização de Cooperação de Xangai é favorável a uma nova moeda global. E tem mais. Assinou-se novo memorando, segundo o qual a Organização de Cooperação de Xangai iniciará consultas com Índia, Paquistão e Irã – que se candidataram a membros plenos da SCO. 

Não significa que seja negócio fechado. O Irã é candidato a membro desde 2008. Ainda não foi aceito, porque está sob sanções impostas pelo ocidente via ONU.  

O Paquistão, por outro lado, mal pode esperar para ser incluído. É o que se vê pelos efusivos elogios disparados pelo presidente Asif Ali Zardari. Uma SCO acolhedora com certeza ganha de uma Washington invasora serial e dependente terminal de aviões-robôs-drones. 

Pequim, por sua vez, terá muito cuidado ao sopesar a admissão da Índia e do Paquistão. Segundo Wu Hongwei da Academia Chinesa de Ciências Sociais, “se se unirem à Organização de Cooperação de Xangai, há o risco de que levem para lá suas disputas não resolvidas.” 

O Afeganistão candidatou-se ao status de observador. Provavelmente será aceito. E é quando o jogo fica mais emocionante. 

Façam dinheiro, não façam guerra 

Acompanhar as mídias chinesa e russa tem sido absolutamente fascinante. Para muitas mentes críticas em Moscou, incomodadas porque a Rússia parece não saber diversificar a economia, a Organização de Cooperação de Xangai é hoje fundamentalmente chinesa. 

Faz sentido. Embora o comércio bilateral esteja bombando, o coletivo-liderança em Pequim vê Moscou como pouco mais que fornecedor-gigante de energia/commodities que alimenta o dragão. Moscou, por sua vez quer/precisa muito de investimentos da alta tecnologia chinesa em seu combalido setor industrial.

Rússia e China têm programa estratégico bilateral até 2018. Basicamente, envolve desenvolvimento/produção de petróleo, gás e minérios na Rússia – na Sibéria e no extremo oriente do país – e processamento na China.

O oleodutostão principal, o nome do jogo nessa região, é o imenso oleoduto Sibéria Oriental-Oceano Pacífico [ing. East Siberia-Pacific Ocean, ESPO. Mapa da região) – de Skovorodino, na Rússia, até Mohe, na China, mais dois gasodutos. 

ESPO pipeline
O gasoduto ESPO está sendo construído em duas fases e vai percorrer Sibéria.

O que o Oleodutostão encobre é a questão extremamente sensível de quem será o cão alfa econômico na Ásia Central. Ninguém precisa ser a Moça do Tempo, para ver de que lado sopram esses ventos de estepe. Como conseguir equilibrar o jogo estratégico da Rússia na Ásia Central e a voracidade econômica da China? 

Por exemplo: a Organização de Cooperação de Xangai quer criar um banco de desenvolvimento. Moscou quer ligá-lo ao Banco de Desenvolvimento Eurasiano – cujos maiores acionistas são a Rússia e o Cazaquistão. Pequim quer que seja instrumento absolutamente novo. 

E num plano geoestratégico, a história é completamente diferente. 

A mídia estatal em Pequim estava em êxtase, porque China e Rússia já trabalhavam para aprofundar sua parceria estratégica, logo no dia seguinte ao encontro da Organização de Colaboração de Xangai, em declaração conjunta de Hu Jintao presidente da China, e Dmitry Medvedev, da Rússia. 

Em vez dos bombardeios da OTAN, Rússia/China são pela “não interferência” e por “menos ação militar” na Coreia e, sobretudo, no Oriente Médio/Norte da África [ing. (Middle East/North Africa, MENA).

Em vez das intromissões de Washington em questões entre a China e países do sudeste da Ásia, Rússia/China são a favor dessas “parcerias estratégicas”, que veem como “fator chave para a paz e a estabilidade da região do Pacífico asiático”. 

Em vez dos planos de Washington de instalar escudos antimísseis na Europa do leste, Rússia/China privilegiam “soluções políticas e diplomáticas”.

Em vez de demonizar o Irã, Rússia/China não se cansam de repetir que o Irã tem pleno direito de desenvolver seu programa nuclear para finalidades pacíficas. 

E nem é preciso dizer que, além de opor-se ao bombardeio da OTAN contra a Líbia, Rússia/China são contra qualquer possível resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Síria. 

Tampouco é preciso dizer que nada disso desce muito bem goela abaixo da Casa Branca e do Departamento de Estado, ao mesmo tempo em que a teoria da Dominação de Pleno Espectro [ing. Full Spectrum Dominance] do Pentágono vai-se pelo ralo. A cereja do bolo foi a segunda declaração de Hu e Medvedev: China e Rússia aprofundarão a cooperação militar.

Mais um buraco na cerca 

E há também o “Rosebud” desse filme “Cidadão Eurásia” – que é o invencível labirinto das encruzilhadas afegãs. Washington está em total “surge” de operação-gigante de Relações Públicas, para tentar convencer a opinião pública mundial de que os EUA estão empenhados em “conversações” com os Talibã “porque” a OTAN está(ria) “vencendo” a guerra.

O que virá agora? O Mulá Omar convidado para um Arroz à Cabul, em jantar de recepção a chefe de Estado na Casa Branca?

A realidade é um pouco mais complexa. O astuto Hamid Karzai, presidente do Afeganistão, lá estava, na reunião da Organização de Cooperação de Xangai, fazendo lobby a favor da candidatura de seu país ao status de observador. Karzai sabe que nenhuma solução realista para o Afeganistão virá de Washington. Ele tem de envolver na discussão a Organização de Cooperação de Xangai. 

Nazarbayev, o “leopardo da neve” cazaque, entregou o jogo, ao dizer que “é possível que a Organização de Cooperação de Xangai venha a assumir responsabilidades em várias questões que envolvem o Afeganistão, depois da retirada dos soldados da coalizão em 2014”.

A primeira parte do comentário está perfeita. A segunda, não. Porque a hipótese de o Pentágono deixar o Afeganistão é simplesmente impensável... nos termos da Doutrina da Dominação de Pleno Espectro, do Pentágono. 

Mesmo assim, pergunte a qualquer um, por todo o arco, do sul ao centro da Ásia: ninguém quer por lá bases militares permanentes dos EUA no Afeganistão. A opinião pública, sim, mas também os membros da Organização de Cooperação de Xangai, incluídos os observadores.  

Jamais se lerá nem menção a isso em declarações da Organização de Cooperação de Xangai, é claro. Mas Pequim e Moscou estão convencidas de que, se se deixar caminho livre para os EUA no Hindu Kush, eles instalarão mísseis de defesa no Afeganistão, mirados, evidentemente, contra Rússia e China. 

Portanto, senhoras e senhores, apertem os cintos. China e Rússia se aproximarão cada dia mais, em termos geopolíticos, em toda a Eurásia – e nenhuma campanha de propaganda jornalística sobre “reset” das relações EUA-Rússia mudará isso.  

Essa é a mensagem “invisível” que a Organização de Cooperação de Xangai deixa para o futuro imediato: parafraseando Pink Floyd, não precisamos de intervenção, não precisamos de controle de ideias. Eis como Rússia/China planejam o primeiro passo da longa marcha para derrubar o muro Pentágono/OTAN.

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