domingo, 26 de junho de 2011

Lavando cérebros de um modo polido e profissional

John Pilger

por John Pilger

Um dos livros mais originais e provocantes da última década é Mentes disciplinadas (Disciplined Minds) de Jeff Schmidt [1] (Rowman & Littlefield). “Um olhar críticos aos profissionais assalariados”, diz a capa, “e o sistema de massacre de almas que molda as suas vidas”. O seu tema é a América pós-moderna, mas também se aplica à Grã-Bretanha, onde o estado corporativo engendrou uma nova classe de administradores americanizados para dirigir os sectores privado e público: os bancos, os principais partidos, corporações, comitês importantes, a BBC.

Dizem que os profissionais são meritórios e não ideológicos. Mas, apesar da sua educação, escreve Schmidt, eles pensam menos independentemente do que não profissionais. Eles utilizam jargões corporativos como “modelo”, “desempenho”, “alvos”, “visão estratégica”. Em Mentes disciplinadas, Schmidt argumenta que o que faz profissional moderno não é conhecimento técnico, mas “disciplina ideológica”. Aqueles que na educação superior e nos meios de comunicação/informação fazem “trabalho político”, mas de um modo que não é visto como político. Ouçam um indivíduo sênior da BBC descrever o nirvana da neutralidade ao qual ele ou ela se elevaram. “Tomar partido” é anátema; e o profissional moderno sabe nunca desafiar a “ideologia incorporada do status quo”. O que importa é a “atitude certa”. [2]

Uma chave para o treino de profissionais é o que Schmidt chama “curiosidade assinalável”. As crianças são naturalmente curiosas, mas ao longo do caminho para tornar-se uma profissional elas aprendem que a curiosidade é uma série de tarefas assinalada por outros. Ao entrar no treino, os estudantes são otimistas e idealistas. Ao deixá-lo, estão “pressionados e perturbados” porque percebem que “o objetivo primário para muitos é serem suficientemente compensados por abandonarem seus objetivos originais”. Tenho encontrado muitos jovens, especialmente jornalistas novatos, que se reconheceriam a si próprios nesta descrição. Pois não importa quão indireto é o seu efeito, a influência primária dos administradores profissionais é culto político extremo da devoção ao dinheiro e à desigualdade conhecido como neoliberalismo.

O supremo administrador profissional é Bob Diamond, o presidente do Barclays Bank em Londres, que em Março obteve um bônus de £6,5 milhões. Mas de 200 administradores do Barclays levaram para casa £554 milhões no ano passado. Em Janeiro, Diamond disse no comitê do Tesouro do parlamento britânico que “o temor do remorso está ultrapassado”. Ele referia-se ao £1 milhão de milhões (trillion) de dinheiro público entregue sem condições a bancos corrompidos por um governo trabalhista cujo líder, Gordon Brown, descreveu tais “financeiros” como a sua “inspiração” pessoal.

Isto foi o ato final do golpe de estado corporativo, agora disfarçado por um debate especioso acerca de “cortes” e de um “déficit nacional”. A maior parte das premissas humanas da vida britânica está sendo eliminada. O “valor” dos cortes diz-se ser de £83 bilhões, quase exatamente o montante da tributação evitada legalmente pelos bancos e corporações. Que o público britânico continua a dar aos bancos um subsídio adicional anual de £100 bilhões em seguro gratuito e garantias – um número que financiaria todo o Serviço Nacional de Saúde – é abafado.

Assim, também, é o absurdo da própria noção de “cortes”. Quando a Grã-Bretanha estava oficialmente em bancarrota a seguir à Segunda Guerra Mundial, havia pleno emprego e algumas das suas maiores instituições públicas, tais como o Serviço de Saúde, foram montadas. Mas os “cortes” são administrados por aqueles que dizem opor-se a eles e fabricam consentimento para a sua aceitação ampla. Este é o papel dos administradores profissionais do Partido Trabalhista.

Em questões de guerra e paz, as mentes disciplinadas de Schmidt promovem violência, morte e caos numa escala ainda não reconhecida na Grã-Bretanha. Apesar da evidência incriminatória no inquérito Chilcot do antigo chefe de inteligência, general de divisão Michael Laurie, o administrador do “negócio principal”, Alastair Campbell, permanece solto, assim como todos os outros administradores da guerra trabalharam com Blair e no Foreign Office para justificar e vender o banho de sangue no Iraque.

Os meios de comunicação/informação de referência muitas vezes desempenham um papel sutilmente crítico. Frederick Ogilvie, o qual sucedeu ao fundador da BBC, Lord Reith, como diretor geral, escreveu que o seu objetivo era transformar a BBC num “instrumento de guerra plenamente efetivo”. Ogilvie teria ficado deliciado com os seus administradores do século XXI. Na corrida para a invasão do Iraque, a cobertura da BBC refletia esmagadoramente a posição mentirosa do governo, como mostra estudos da Universidade de Gales e da Media Tenor.

Contudo, o grande levante árabe não pode ser facilmente administrado, ou apropriado, com omissões e advertências, como deixa claro um diálogo no programa Today, da BBC, de 16 de Maio. Com o seu celebrado profissionalismo, concentrado em discursos corporativos, John Humphrys entrevistou um porta-voz palestino, Husam Zomlot, a seguir ao massacre de Israel de manifestantes desarmados no 63º aniversário da expulsão ilegal do povo palestino dos seus lares.

Humphrys: ... não é surpreendente que Israel tenha reagido do modo o fez?

Zomlot: ... estou muito orgulhoso e satisfeito [eles estavam] se manifestando pacificamente só para... realmente chamar atenção para os seus 63 anos de infortúnio.

Humphrys: Mas eles não se manifestaram pacificamente, esse é o meu ponto...

Zomlot: Nenhum deles... estava armado... Opuseram-se a tanques, helicópteros e F-16s israelenses. Você não pode sequer começar a comparar a violência... Isto não é uma questão de segurança... [os israelenses] sempre falham em tratar com um assuntos puramente político, humanitário e legal...

Humphrys: Desculpe interrompê-lo, mas... se eu marcho dentro da sua casa agitando um cassetete e lançando-lhe um pedra então isso seria uma questão de segurança, não seria?

Zomlot: Desculpe-me. Segundo resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aquelas pessoas estavam marchando para as suas casas; elas têm os direitos sobre os seus lares; é sua propriedade privada. Vamos então por as coisas em pratos limpos de uma vez por todas...

Foi um momento raro. Por as coisas em pratos limpos não é um “objetivo” administrativo.

23/Junho/2011

[1] Jeff Schmidt foi editor da revista Physics Today durante 19 anos, até que foi despedido por ter escrito Disciplined Minds . Para encomendá-lo clique em Rowman & Littlefield Publishers Inc.

[2] Desde a publicação deste livro as coisas agravaram-se. Agora os meios de comunicação/informação que se proclamam como “referência” proíbem os profissionais que neles trabalham de exprimirem opiniões independentes fora dos mesmos (blogs, sítios web ou quaisquer outros meios de informação). Tais proibições estão mesmo fixadas nas suas respectivas normas internas. Anula-se assim a separação entre o trabalho feito para um patrão e a vida pessoal do assalariado. Este, na sua vida privada, está politicamente castrado: fica impedido de manifestar-se em público a fim de conservar o emprego.

O artigo original, em inglês, encontra-se em: Brainwashing the polite and professional way
Esta tradução foi extraída de: Resistir

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